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quinta-feira, 30 de novembro de 2023

A “liberdade” de imprensa do Supremo

O STF aprovou uma tese que põe a livre imprensa em risco

O STF fixou tese, de repercussão geral, detalhando o entendimento do tribunal sobre liberdade de imprensa. 
O Supremo afirma que censura prévia é vedada, mas que se admite posterior responsabilização pela divulgação de “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”. 

 O EX E O FUTURO - Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes: alvos constantes de críticas por parte de Bolsonaro -

Os ministros Luis Roberto Barroso, presidente do STF, e Alexandre de Moraes, autor da tese aprovada na quarta-feira (SCO/STF)

Até aí, morreu Neves. Mas não é ruim o Supremo repisar o que já está todo mundo cansado de saber. Aí vem o catch:

“2) Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se:

  • (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e
  • (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.

Mas o que é “indício”? E “concreto”? E “cuidado”? São palavras subjetivas, que podem ter diferentes níveis de gradação.

Após a decisão, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, declarou que a causa a respeito da qual a decisão foi tomada é “totalmente excepcional” e que veículos só seriam responsabilizados em casos de “grosseira negligência” em relação à divulgação de um fato que seja “de conhecimento público”. E que “não há nenhuma restrição à liberdade de expressão”.

Beleza. Mas o que significam as palavras “excepcional” e “grosseira”, e onde estão elas na decisão que foi tomada? 
E como funciona isso de escrever uma decisão de repercussão geral, mas ressalvar verbalmente que foi um caso “excepcional”?
 
Mesmo que o Supremo tenha boas intenções (das quais, como se sabe o inferno está cheio), como ficam as instâncias inferiores?  
Para parafrasear um Pedro Aleixo em momento de triste memória (o AI-5), eu não tenho medo do senhor, presidente (Barroso). Eu tenho medo é do juiz da primeira instância.

Se o Supremo tem compromisso com a manutenção da liberdade de imprensa, deve considerar suprimir esse item 2.

Ricardo Rangel, colunista - Revista VEJA

 

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Marcha para a escuridão - J. R. Guzzo

Revista Oeste

O STF é hoje a maior ameaça para o cidadão livre — e um inimigo da pacificação, do direito de discordar e da ideia de que inimigos políticos têm, obrigatoriamente, de contar com a proteção da lei

Montagem com matéria do jornal O Globo | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução O Globo

O Supremo Tribunal Federal está se enfiando num buraco cada vez mais escuro. Não há mais dúvida, há muito tempo, de que a maioria dos ministros decidiu apostar tudo o que tem, a começar pela própria sobrevivência, na criação de um novo regime político para o Brasil. 
É algo nunca tentado antes.  
O STF decretou que existe um “Poder Moderador” no país, que vale mais que os dois outros juntos, e entregou esse poder a si mesmo — dentro da ideia geral de que o Supremo é hoje a única força capaz de governar o Brasil na direção correta. 
 
Deu-se o direito de não obedecer às leis em vigor — todas as vezes em que desrespeita uma, está dizendo que pode desrespeitar todas. 
Também anula leis aprovadas pelo Congresso Nacional, toma decisões opostas à vontade expressa dos parlamentares e legisla sobre assuntos que eles ainda não legislaram. 
Mais do que tudo, o STF transformou os seus integrantes em seres sobrenaturais que não podem ser tocados, mesmo “aparentemente”, como não se pode tocar no Santíssimo Sacrário da igreja. 
Consideram-se dispensados de respeitar as regras mais elementares de um estado de direito. 
É proibido, e perigoso, ter opiniões diferentes das suas. 
O STF, em suma, é hoje a maior ameaça para o cidadão brasileiro livre — e um inimigo da pacificação política, do direito de discordar e da ideia de que inimigos políticos têm, obrigatoriamente, de contar com a proteção da lei. A única dúvida, quanto a isso tudo, é a seguinte: ainda haveria como sair do buraco que o STF cavou para si próprio?

A discussão a respeito do que aconteceu com o ministro Alexandre no Aeroporto de Roma no último dia 15 de julho pode se tornar um marco nessa aventura do STF em território não mapeado na vida pública do Brasil. O incidente foi um miserável bate-boca de aeroporto.
 
 O STF, o governo Lula e a maior parte da mídia transformaram o episódio num “atentado ao estado de direito”. Não podia dar certo — e não deu. As imagens do sistema de câmeras do aeroporto não provam absolutamente nenhuma agressão física ao ministro. 
O caso, que nasceu morto, acaba agora de ser enterrado.                   Mas o STF recusou-se, pelo menos até o momento, a aceitar um cessar-fogo. Se não aconteceu nada, não seria melhor empurrar a teoria do “atentado” para debaixo do tapete, e esperar que essa história toda acabasse esquecida? 
 Não — a “corte suprema”, como diz Lula, decidiu dobrar a aposta e parece mais decidida do que nunca a vingar-se dos supostos agressores. 
O problema é que é impossível fazer isso sem cometer uma injustiça espetacular. 
 Embora o STF e Moraes nunca considerem que possa haver algum problema com nada do que façam, o fato é que o acusado terá de ser condenado sem nenhuma prova visível para o público — mesmo porque o ministro Dias Toffoli, que conduz o caso em parceria com o próprio Moraes, decretou que as imagens do aeroporto são sigilosas e não podem ser vistas nem pelos advogados do cidadão que querem condenar.

Dias Toffoli, ministro do STF | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

E daqui para a frente? É o buraco escuro mencionado no começo deste artigo.  
O STF, como tem feito em toda a sua atividade penal contra o que chama de “extrema direita”, se obriga a condenar sempre.  
Tira de si próprio qualquer outra opção, como o tribunal que Josef K. tem de enfrentar em O Processo e cuja marca principal era não absolver ninguém, nunca. 
No caso de Moraes, conseguiu se colocar numa posição onde quanto menos tem, mais quer — e onde nada que pretende está certo. O “atentado contra a democracia” (como está demonstrado no artigo anterior, de Silvio Navarro) não foi um atentado contra nada. 
O entrevero aconteceu num aeroporto estrangeiro. 
Os suspeitos não podem legalmente ser julgados pelo STF. 
Os acusadores não conseguiram, três meses e meio depois dos fatos, sequer abrir um processo — mas já colocaram o próprio Moraes como “assistente da acusação” do inquérito no qual ele figura como “vítima” e do qual vai ser juiz, para todos os efeitos práticos. 
É algo que simplesmente não existe na lei. 
 
A Polícia Federal tornou-se parte da causa, como aliada do ministro — e por aí se vai. O resultado é que o Tribunal se meteu, mais uma vez, numa situação em que vai ficar desmoralizado. 
A condenação do desafeto, pela evidência dos fatos, é absurda.
A absolvição, pela tábua de mandamentos que o STF impôs a si mesmo, é impossível.  
Realmente: como Alexandre de Moraes, e os outros membros do politburo que manda no Supremo, vão absolver alguém a esta altura do campeonato?  
A impressão é que está ficando tarde para regressar ao Planeta Terra. 
A cada vez que teve oportunidade de dar algum passo no rumo da saída, o STF fez o oposto; enfiou-se ainda mais na direção da treva. É para onde está indo, com o gás todo, no golpe de Estado da sala vip.

O cidadão é acionado na Justiça e não tem o direito de apelar da decisão, porque o juiz de primeira instância é também o juiz de última instância; o infeliz vai direto para o inferno. Perdeu, mané

Certamente, nessa alucinação toda, o governo, os escalões inferiores da elite e grande parte dos jornalistas fazem um esforço concentrado para manter de pé a ficção de que não está acontecendo nada de errado no Brasil. Fingir que a alucinação não existe, porém, não faz com que ela desapareça — nem que se torne racional. 
Desta vez, todos eles, mais o STF e Moraes, não só defendem a violação da lei para “salvar a democracia”
Estão querendo também romper relações com o princípio fundamental da lógica comum, vigente desde que foi exposto por Aristóteles 2,4 mil anos atrás: é impossível uma coisa ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. A agressão é falsa, do ponto de vista penal, porque as imagens mostram que ela não aconteceu. 
Mas é verdadeira, também do ponto de vista penal, porque o agressor que não agrediu está sendo vítima de um inquérito muito real movido por Toffoli, Moraes e a PF. É uma aberração. 
É também o que está previsto no manual de procedimentos regulares em vigor no STF de hoje, como nos “protocolos” de hospital. 
 
O sujeito apresenta sintomas de má conduta em relação à democracia, ou mesmo de más intenções, apenas? Então está condenado.  
E se for acusado de “agressão aparente”, ou de “tapa aparente”, ou de “deslocamento aparente de óculos” em filho de ministro do STF? Também está condenado. Pode recorrer da sentença? Não pode. 
É uma situação desconhecida em qualquer democracia séria do mundo. 
O cidadão é acionado na Justiça e não tem o direito de apelar da decisão, porque o juiz de primeira instância é também o juiz de última instância; o infeliz vai direto para o inferno. Perdeu, mané.Alexandre de Moraes e, ao fundo, matéria feita pelo O Globo | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução O Globo/Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ao insistir na ideia fixa de condenar o “golpista do Aeroporto de Roma”, sejam quais forem os fatos, o STF se afunda ainda mais no beco estreito no qual se enfiou desde que abriu, quatro anos atrás, o inquérito perpétuo e 100% ilegal contra “atos antidemocráticos”
Ou melhor: no beco em que escolheu se perder, ou do qual talvez não possa mais achar o caminho de volta. Foi o que aconteceu com o ex-deputado federal Daniel Silveira, que foi condenado em abril de 2022 a oito anos e nove meses de prisão fechada por ter ofendido ministros do STF num vídeo de internet. Trata-se de uma escalada serial de violações da lei, uma pior que a outra. Silveira não podia ser processado porque tinha imunidades parlamentares, na condição de deputado eleito, e a Constituição lhe garante o direito de se expressar livremente sobre quaisquer assuntos. 
Se tivesse cometido algum delito, a Câmara teria de abrir o processo. 
Se a Câmara tivesse aberto, os únicos delitos possíveis seriam o de injúria ou de ameaça. O primeiro é punido com detenção de um a seis meses ou multa; e o segundo, com reclusão de seis meses a dois anos. 
Se houvesse condenação, teria de ser por esses dois crimes, e não por “ameaça ao estado democrático de direito”, como foi decidido. 
Enfim, tendo havido condenação, a lei determina que ele deveria estar solto há mais de um mês, porque já cumpriu 16% da pena. 
É a mesma coisa, piorada, com as condenações para os mais de 1,3 mil acusados de tomarem parte nos “atos antidemocráticos” do dia 8 de janeiro em Brasília. 
Estavam presentes num quebra-quebra. Estão sendo condenados a até 17 anos de prisão por cometerem “tentativa de golpe de Estado”.

Os réus não estão sendo punidos porque há provas de que participaram das ações de vandalismo contra os edifícios dos Três Poderes. Decidiu-se que é desnecessário estabelecer, individualmente, o que fizeram; basta o fato de estarem presentes no local, ou mesmo numa aglomeração a 8 quilômetros de distância, num quartel do Exército. 
Foram culpados de cometerem “crime multitudinário”, na linguagem do MP e do STF — se você está numa multidão, e a multidão pratica um delito, a culpa é sua. Os acusados são punidos duas vezes, somadas, por terem feito a mesma coisa: “golpe de Estado” e “abolição violenta do estado de direito”.
 
Não poderiam, pela lógica elementar, ser condenados por nada, pois não se pode condenar ninguém por praticar um “crime impossível”, como definiu o ministro Nunes Marques; ou seja, não havia nenhuma possibilidade real de darem um golpe, como não há possibilidade de se cometer um roubo na Lua. 
(O ministro Marques levou uma descompostura em público por votar pela condenação somente por dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, ou a dois anos e meio de prisão em regime aberto. Aparentemente, não tem o direito de votar como acha mais correto.) 
Até agora, enfim, não houve nenhuma absolvição para os acusados de golpe; se está no banco dos réus, é culpado. 
A única esperança, para uma parte dos processados, é assinar um documento do MP assumindo a culpa por crimes que o próprio MP, por escrito, diz que não pode provar.
 
É onde estamos
. 
Conto O Burrinho Pedrês, de João Guimarães Rosa | Foto: Reprodução

No conto O Burrinho Pedrês, uma das leituras fundamentais da obra de Guimarães Rosa, o humilde burrinho “Sete de Ouros” se transforma em herói; seu grande mérito era não entrar, nunca, em lugares de onde não pudesse mais sair. 
Do inquérito que pode durar para sempre à condenação de Daniel Silveira, dos óculos do filho do ministro às penas de 17 anos pelo tumulto do dia 8 de janeiro, o STF vai entrando, cada vez mais, num lugar do qual não pode sair. Os sinais, até agora, parecem indicar que a estratégia é ir ficando cada vez mais radical
 
O presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, acaba de dizer que as coisas são assim mesmo. 
O STF, segundo ele, tem de “desagradar”. 
A função do Tribunal não é desagradar ou agradar — embora agrade muita gente. Quem desagrada ou agrada, e tem de encarar as consequências, são os Poderes Executivo e Legislativo, os únicos eleitos pelo povo brasileiro.  
Ao STF cabe somente aplicar a Constituição — a Constituição, boa ou ruim, como ela é, e não como os ministros acham que deve ser, ou como pode ser melhorada por eles. 
No regime do STF, o governo não tem de ter o consentimento dos governados, como se entende há 350 anos que as coisas devem ser. Os ministros acham que estão fazendo filosofia política.
 Estão apenas sendo avalistas de ditadura, como os juristas que endossaram a legalidade do golpe militar de 1964.
 
 


sábado, 4 de novembro de 2023

Assassinos - Valdemar Munaro

       Os tristes episódios perpetrados em Israel por terroristas do Hamas podem já ser inferidos e contemplados na fundação histórica do Islã. Conforme biografia sobre Maomé, escrita por Barnarby Rogerson, a Arábia no nascente Islamismo do século VII d. C., era habitada também por muitos judeus. Centenas deles que resistiram à nova fé, foram mortos e degolados na presença do próprio Profeta e com sua aprovação.

A terra sagrada de Meca e Medina guarda, portanto, de modo silencioso e sôfrego, o sangue judaico de decapitados. Judeus e muçulmanos, sabemos, são descendentes e herdeiros do mesmo cavaleiro da fé (expressão de Kierkegaard), Abraão, e se tornaram irmãos pela benevolência e graça de Deus, mas, ao longo do tempo, vergaram-se à desgraça de uma fraternidade assassina que rasga os mantos da comunhão enchendo de dor e medo os amantes da paz e da concórdia.

O terrorismo fere o Islã tanto quanto fere qualquer outra expressão religiosa. A vida do Profeta, por sua vez, honestamente falando, não foi cem por cento limpa, nem pura. Ao se casar pela quinta vez, em 626, com Zaynad, sua linda nora, Maomé rompeu com o mandamento que ele mesmo tinha estabelecido para todos os muçulmanos: ter no máximo quatro esposas. Mas Ele resolveu o dilema com uma revelação que veio em benefício de si mesmo: a sura 33 lhe concedeu carta branca para se casar uma quinta vez: "Ó Profeta", diz o versículo 50, "tornamos legais para ti as tuas esposas (...) e qualquer outra mulher crente que se oferecer ao Profeta e que ele quiser desposar: privilégio teu, com exclusão dos demais crentes (...)".
 
O poeta, Ka'b ibn al-Ashraf, descendente de uma tribo judaica em Medina, ironizou um casamento anterior que Maomé tinha contraído com uma outra mulher, Hafsah, viúva de um homem que pereceu numa batalha muçulmana. O poeta comparou o comportamento de Maomé com aquele de Davi que enviou o general e amigo Jônatas à morte, pondo-o à frente de um conflito, para poder ficar depois com Betsabé, sua esposa. 
Ka'b foi oportunamente esfaqueado e morto por ofender e difamar o Profeta. 
Mas se o Alcorão do Profeta e o Profeta do Alcorão chancelam a eliminação de infiéis, o que se pode esperar de seus discípulos radicais?!

O século VII, nas regiões da Arábia, registrava a presença de muitos judeus, muito embora não existisse, naquele então, o estado de Israel. Na ocasião em que o exército muçulmano se aproximou de Medina para conquistá-la um dos seus guerreiros bradou: "Nós enfrentamos duas coisas: ou Deus garantirá a superioridade sobre eles, ou Deus nos destinará o martírio. Eu não me importo sobre qual seja o destino - pois existe o bem em ambos".

Em outras palavras, é este o leitmotiv da cruzada terrorista: no seu reino deve haver uma só cor, uma só cultura, uma só crença, um só livro, um só povo, um só modo de ser e de pensar. Nos seus ideais não deve haver lugar para meios-termos, meias-luas, pardos, mestiços e miscigenados. Deve ser o tudo ou o nada, a raça pura ou a impura, o fiel ou o infiel. "Os revolucionários", diz o historiador polonês Leszek Kolakowski, "não creem no purgatório; creem na via sacra, no inferno e no paraíso, no reino da libertação total e no reino do mal total".

Pode ser paradoxal, mas foi exatamente esse fundamentalismo extremista religioso que se acrescentou à atividade revolucionária marxista, ateia e materialista, temperando com tentações purificadoras as ações radicais que praticam, desdenhando excrescências maniqueístas de limpeza étnica e cultural. Assassinos, terroristas e revolucionários se assemelham em tudo com seus métodos e objetivos: estrangular violentamente as diferenças, abater sem piedade os desconfortos plurais, instalar pela força as hegemonias ideológicas culturais, políticas ou religiosas.

LER NA ÍNTEGRA,AQUI

*       Em Santa Maria, 03/11/2023

**     O autor é professor de Filosofia

 

terça-feira, 8 de agosto de 2023

A fábrica de números do PT - J. R. Guzzo

Revista Oeste

Pouca gente neste governo Lula preenche tão bem o perfil do incompetente metido a 'transformador social' quanto o novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

 

Recenseadores do IBGE | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil

Uma das maiores misérias que podem acontecer com um governo, ou melhor, com a população que sustenta esse governo, é a nomeação, para cuidar de qualquer coisa, do incompetente com planos
O incompetente básico, em geral, fica na sua — não faz nada de bom, nunca, mas também não dá muito prejuízo para a vida de ninguém. 
Já o incapaz que se acredita qualificado para ter ideias, ou que quer usar seu emprego público para “mudar a sociedade”, é uma máquina de fabricar o pior. 
Pouca gente neste governo Lula preenche tão bem o perfil do incompetente metido a “transformador social” quanto o novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — e olhem que, em matéria de ruindade pura, simples e incurável, Lula conseguiu nomear o primeiro escalão mais horrendo que já se viu na história da República brasileira. 
O novo barão da burocracia lulista não entende nada de geografia nem de estatística, embora conheça muito bem o come e dorme desses “institutos” que vivem de mamar dinheiro público e jamais produzem um parafuso de rosca. 
Ele ganhou o cargo por ter passado a vida como militante do PT, desses que ficam grudados em Lula como ostra na pedra — e têm a ideologia de homem das cavernas socialisteiro que tanto agrada ao presidente em sua atual encarnação de “esquerdista” ao estilo Chico Anysio. 
 
O único aspecto positivo da escolha do novo estatístico-chefe do Brasil é que o IBGE não manda em nada — sua capacidade de tomar decisões erradas, portanto, fica limitada à insignificância prática daquilo que é resolvido ali. 
Em compensação, é um dos melhores recantos do governo para contar mentiras. 
Saem do IBGE os números oficiais sobre o desempenho da economia — da inflação à taxa de desemprego
E é de lá que saem, também, os dados públicos sobre a situação social, o recenseamento, o número de quilombolas e mais um monte de outras coisas que os operadores do aparelho estatal julgam importantes para o conhecimento do público. É o tipo de repartição pública de que Lula gosta. 
 
O presidente tem 40 anos seguidos de uso profissional e deliberado da mentira para subir na vida política. Sempre deu certo para ele, e não há razão para mudar de sistema. Lula, na verdade, não precisa do IBGE para mentir com números. 
Ele mesmo admitiu em público que inventou cifras sobre o número de “menores abandonados” no Brasil, para impressionar plateias amestradas de estrangeiros.  
Disse, por sinal, que é “impossível” ser político e não mentir. Lula mente, de olhos fechados, com os dois pés — para falar mal dos outros e falar bem de si mesmo
Ultimamente, quando estava na oposição e queria mostrar que o Brasil era um inferno, vinha repetindo que há “33 milhões” de brasileiros “passando fome”.
Agora, é claro, vai dar cifras provando que o Brasil é um paraíso.



O IBGE, na sua cabeça, vai servir exatamente para isso — e foi exatamente para isso que ele nomeou esse Marcio Pochmann para o emprego de presidente.  
Não falou uma palavra sobre a escolha com a pobre coitada que se apresenta como “ministra do Planejamento”, e a quem o instituto é subordinado. 
Ela admitiu, inclusive, que nunca tinha ouvido falar do nome que vai dirigir o IBGE. Para sapatear um pouco mais em cima da ministra, Lula chamou Pochmann para uma reunião com gatos gordos do governo antes mesmo de seu nome ser anunciado para a imprensa. 
Quem fez o anúncio oficial, a propósito, foi outro ministro, e não a infeliz que deveria ser a chefe do nomeado; parece que ela vai ser recebida por Pochmann um dia desses. (“Nada mais justo do que atender o presidente Lula”, disse a ministra, no desespero de segurar o emprego — e como se tivesse alguma escolha entre atender ou não. É um desempenho de “superação”, como dizem os cursos de autoajuda, levando-se em conta que a Brasília de hoje é a capital mundial dos puxa-sacos.) 
 

(....)

 

Pochmann é o subalterno ideal para tocar o IBGE do jeito que Lula gosta. Tem as piores relações pessoais com os números — em primeiro lugar porque não sabe nada sobre números e, mais ainda, por ser francamente contra eles —, não admite que possam mostrar uma realidade diferente daquela que está nos seus circuitos mentais. 
A aritmética, para ele, deve estar a serviço das “causas progressistas”; seno, cosseno ou raiz quadrada, mais todo o resto, só podem ter existência legal se ajudarem de alguma forma a propaganda do PT. Do contrário, serão denunciados como “golpistas” à Polícia Federal do ministro Flávio Dino ou deportados para o inquérito sobre “atos antidemocráticos” do ministro Alexandre de Moraes. 
Pochmann não tem o menor entendimento das regras elementares da ciência estatística nem qualquer interesse no assunto. Foi para o IBGE com a função “política” de massagear os números e de colocar uma fantasia matemática nas miragens que Lula vende aos devotos da sua religião — o “carrinho” popular, o “apartamentinho com varanda” dos pobres, o “precinho” barato para a batedeira de bolo e outras vigarices da mesma natureza. É claro que o presidente pode continuar com a sua conversa fiada, inventando números que não existem. Mas, já que está no governo e manda no que bem entender (“nada mais justo”, segundo a ministra a quem chamou de “Simone Estepes” na campanha eleitoral), por que não transformar o IBGE na sua fábrica pessoal de números, e colocar ali um Pochmann a mais? 
Não há nenhum risco, enquanto ele estiver lá, de sair estatística ruim.Marcio Pochmann, o escolhido de Lula para comandar o IBGE | Foto: Divulgação

É típico do PT. Se a população é a favor, da pena de morte à licença para comprar armas, o PT é contra; se a população é contra, da educação sexual nas escolas aos traficantes de drogas, o PT é a favor. Não falha

O novo presidente do IBGE, em termos de divulgação pública e maciça de ideias cretinas, é um vulcão em atividade permanente. É contra o Pix, que considera “neocolonial”, sabe lá Deus por quê. É difícil encontrar, em toda a história financeira deste país, alguma coisa que tenha tido tanta aprovação do povo brasileiro quanto o Pix; acaba de ser batido o recorde de 135 milhões de operações num único dia Pois então: o escolhido de Lula é contra
Todo mundo, obviamente, gosta da possibilidade de converter reais em dólares. Pochmann acha que isso transforma o Brasil num “protetorado dos Estados Unidos”. 
Diz que a taxa de juros não tem nada a ver com a inflação, e que o pecado mortal do Banco Central não está nas decisões que toma, mas no fato de ser independente dos políticos — e, neste momento, de Lula. Lá ele não manda, e Pochmann tem certeza de que a solução para qualquer problema do Brasil, ou do Sistema Solar, tem de ser dada por Lula ou pelo “Estado”. O novo chefe do IBGE imagina que a exploração do “espaço sideral” é uma ideia séria para o crescimento do Brasil. 
Pelo que dá para entender, Pochmann propõe uma “GPSbras”; segundo ele, país que “não tem GPS” não tem nada, porque está na dependência de “empresas estrangeiras”.


Pochmann diz que deveria haver um Imposto de Renda de 60% para quem ganha de 50 mil reais por mês para cima. (O que os juízes, procuradores etc. etc. do Brasil achariam disso?)

(...)

Enfim: Pochmann tem tudo para estar 100% alinhado com as coisas que Lula diz hoje e com o pensamento-raiz de Janja, Flávio Dino e outros grandes cérebros do governo. Mais que tudo, talvez, conseguiu perder as três eleições que disputou. Ou seja, a população disse, da forma mais clara possível, o seguinte: “Não queremos você”. Três derrotas seguidas? No Brasil atual de Lula e do PT, é a maneira mais eficaz de melhorar de vida.

A sorte do cidadão deste país é que ele não tem bala para acabar com o Pix, introduzir as quatro horas de trabalho diário ou criar uma estatal que vai inventar o GPS brasileiro
Pode vir com as estatísticas que quiser, mas não pode mudar nada. 
Deus é grande.  
 
 

Coluna -  J. R.Guzzo - Revista Oeste 

 

 

sábado, 1 de julho de 2023

Brasil, de Geisel a Lula - Percival Puggina

 Ernesto Geisel – Wikipédia, a enciclopédia livre

  O site Memorial da Democracia, que está longe, bem longe, de ser um site de direita, reproduz trecho de uma entrevista do general Ernesto Geisel quando presidente. 
Ali pude ler, palavra por palavra, algo de que bem me lembrava porque a expressão usada ficou colada à imagem e ao governo do general. A conversa com os jornalistas aconteceu um mês depois de Geisel haver fechado o Congresso e decretado o Pacote de Abril (uma série de casuísmos como aumento para seis anos do mandato presidencial, nomeação de 1/3 dos senadores por ato presidencial – ditos biônicos –, representação mínima de 8 deputados beneficiando estados menos populosos, etc.).

Palavras Geisel aos jornalistas: “Todas as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas. Então, a democracia que se pratica no Brasil não pode ser a mesma que se pratica nos Estados Unidos da América, na França ou na Grã-Bretanha”. Uma semana depois, em entrevista à também francesa RTF 2, reafirmou: “O Brasil vive um sistema democrático dentro de sua relatividade.

Por isso, chamou-me a atenção que Lula, na eloquente defesa que fez da ditadura iniciada por Hugo Chávez e continuada por Nicolás Maduro, tenha usado a mesma expressão.  Recordando: no último dia 29, ao receber a visita do liberticida e inclemente venezuelano, Lula assumiu a proteção do regime implantado naquele país (e que já provocou o êxodo de 6 milhões de pessoas, equivalente a 20% da população). Disse ser uma narrativa a afirmação de que a Venezuela era uma ditadura. Agora, um mês mais tarde, em entrevista a uma emissora de Porto Alegre, voltou ao tema para afirmar ao repórter que “o conceito de democracia é relativo para você e para mim”.

Lula nada disse quando o jornalista Rodrigo Lopes, durante essa entrevista, contou ter sido preso na Venezuela, assim como nada fez quando um dos esbirros de Maduro, no mês passado, soqueou uma jornalista brasileira.

O único absoluto para essa esquerda malsã e sinistra que se abateu sobre o país é a necessidade de calar a divergência onde ela se manifesta: no Congresso, nas redes sociais, no jornalismo tradicional, no ambiente cultural, na cadeia produtiva da educação, nas igrejas, e até mesmo na CPMI instalada para investigar os paradoxos e contradições do dia 8 de janeiro.

Não há mal que sempre dure, porque o inferno é noutro endereço. Para quem esteja se refestelando, lembro: não há bem que não acabe, porque o paraíso tampouco é aqui.

 
[Pedimos vênias ao ilustre Percival pela substituição  da foto que ilustra o  Post ora transcrito - no original do site puggina.org.
É que entendemos, não ser o atual presidente do Brasil digno de ombrear,  ainda que em fotomontagem, com o Presidente ERNESTO GEISEL. Obrigado, Blog Prontidão Total.]

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.