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quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

"Ameaça do procurador-geral'' - Nota de Aras causa indignação no Supremo e no Conselho Superior do MPF [e DAÍ?] - O Estado de S. Paulo

 
É inexplicável que  a Procuradoria-Geral da República venha agora evocar o estado de defesa

Ministros da Corte consideraram o texto que cita estado de defesa como um ‘desastre’                             
[O estado de defesa é um instrumento previsto na Constituição Federal de 1988 desde a sua promulgação. Sendo um dispositivo constitucional com mais de 32 anos de existência, é surpreendente que sua menção provoque tantos protestos.
O que torna um desastre o uso de um dispositivo autorizado  pela Carta Magna? O que fundamenta que um ministro do STF - Marco Aurélio - revele perplexidade e diga que a  medida "extremada" não se "coaduna com ares democráticos".
O caminho natural é se considerar constitucional uma norma   inserida na Lei maior, há três décadas. Sendo constitucional, se supõe que pode ser usada - desde que necessária (no entendimento da autoridade competente para decretar seu uso) e todos os trâmites legais sejam usados.

DE TUDO, CABE PERGUNTAR:   usar dispositivo previsto em norma constitucional é inconstitucional? é antidemocrático? se a resposta for SIM, só cabe uma resposta no estilo Bolsonaro, E DAÍ?]  

Causou mal-estar no Supremo Tribunal Federal (STF) a manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras, que atribuiu ao Legislativo o papel de analisar “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República” durante o enfrentamento à pandemia de covid-19. Em conversas reservadas, ministros da Corte consideraram a nota “um desastre”.

A leitura política foi a de que o procurador-geral dá sinais no sentido de preservar o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no momento em que cresce no meio político a pressão para o impeachment. O mote político para pedidos de interdição de Bolsonaro se sustenta agora no argumento de que houve negligência na condução da crise do coronavírus, principalmente em Manaus. Cabe ao procurador-geral conduzir qualquer investigação criminal sobre presidentes e ministros.

A nota pública divulgada por Aras na noite desta terça-feira, 19, também apontou risco de o atual estado de calamidade progredir para o estado de defesa, previsto na Constituição, que pode ser decretado por presidentes a fim de preservar ou restabelecer “a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”. Tal recurso, sujeito à aprovação do Congresso em dez dias, permite ao presidente restringir direitos da população.

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, disse estar “perplexo” com a nota. “A sinalização de que tudo seria resolvido no Legislativo causa perplexidade”, afirmou o magistrado ao Estadão. “Não se pode lavar as mãos, não é? O que nós esperamos dele (Aras) é que ele realmente atue e atue e com desassombro, já que tem um mandato e só pode ser destituído, inclusive, pelo Legislativo”, acrescentou.

Marco Aurélio afirmou, ainda, que é “impensável” qualquer decreto de estado de defesa no atual contexto. “Não se pensa em estado de defesa. Está lá no artigo 136 da Constituição, mas isso é impensável em termos de República e estado democrático”, argumentou.

Outro integrante da Corte, ouvido reservadamente, concordou que essa hipótese não está posta no cenário brasileiro. O magistrado disse que toda a gestão feita pelo Supremo foi para mostrar que o País é capaz de enfrentar as adversidades sem estado de emergência ou de sítio. Na sua avaliação, Aras parece tentar circunscrever a tragédia de Manaus — na qual dezenas de internados com covid-19 têm morrido por falta de oxigênio — a um problema local.

Integrantes do conselho superior do MPF protestam

Nesta quarta-feira, 20, seis dos dez integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal também demonstraram “preocupação” com a manifestação de Aras.

“Referida nota parece não considerar a atribuição para a persecução penal de crimes comuns e de responsabilidade da competência do Supremo Tribunal Federal (...), tratando-se, portanto, de função constitucionalmente conferida ao Procurador-Geral da República, cujo cargo é dotado de independência funcional”, escreveram os conselheiros José Adonis Callou, José Bonifácio Borges de Andrada, José Elaeres Marques Teixeira, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, Mario Luiz Bonsaglia e Nicolao Dino, todos subprocuradores-gerais da República. Um dos signatários, José Bonifácio, foi vice de Aras no início da gestão.

Os conselheiros destacaram que a possibilidade da configuração de crime de responsabilidade, eventualmente praticado por agente político de qualquer esfera, também não afasta a hipótese de caracterização de crime comum, da competência dos tribunais. “Nesse cenário, o Ministério Público Federal e, no particular, o Procurador-Geral da República, precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal, devendo adotar as necessárias medidas investigativas a seu cargo – independentemente de “inquérito epidemiológico e sanitário” na esfera do próprio Órgão cuja eficácia ora está publicamente posta em xeque –, e sem excluir previamente, antes de qualquer apuração, as autoridades que respondem perante o Supremo Tribunal Federal, por eventuais crimes comuns ou de responsabilidade”, afirmaram os conselheiros.

Os subprocuradores observaram, ainda, que “a defesa do Estado democrático de direito afigura-se mais apropriada e inadiável que a antevisão de um ‘estado de defesa’ e suas graves consequências para a sociedade brasileira, já tão traumatizada com o quadro de pandemia ora vigente.

ANPR também critica manifestação de Aras
A Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) também criticou a manifestação do procurador-geral Augusto Aras. “Qualquer alusão, no atual estágio da democracia brasileira, a estados de exceção, inclusive aqueles previstos na própria Constituição, como os estados de sítio e de defesa, se mostra absolutamente desarrazoada e contrária à missão constitucional que foi incumbida precipuamente à instituição (Ministério Público Federal) e a todos os seus membros”, disse, em nota, a diretoria da associação.

Segundo a ANPR, a PGR não pode se afastar de investigar a prática de crimes e processar os acusados, inclusive aqueles que são praticados, por conduta ativa ou omissiva, por autoridades com foro privilegiado. “Não se pode abdicar também dessa missão ou mesmo transferi-la a outras instituições”, diz o texto. “Não há por que confundir a prerrogativa da investigação criminal com o também importantíssimo papel político que possui o Congresso Nacional no julgamento de autoridades públicas por crimes de responsabilidade”.

O que é o estado de defesa
Segundo o artigo 136 da Constituição, o estado de defesa tem o pretexto de ‘preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza’.

O instituto prevê uma série de medidas coercitivas, como restrições de direitos de reunião, de sigilo de correspondência, e de comunicação telegráfica e telefônica. Além disso, o estado de defesa acaba com garantias como a exigência do flagrante para uma prisão. [E no Brasil atual é necessário, dependendo da posição política candidato a preso, flagrante para alguém ser preso?]

A medida pode ser decretada pelo presidente, após serem ouvidos os Conselhos da República e o de Defesa Nacional, formados pelo vice, chefes das Forças Armadas, presidentes da Câmara, do Senado, líderes do Congresso, entre outros. O decreto é então submetido ao Congresso, que tem dez dias para aprová-lo ou rejeitá-lo.

Governador do Amazonas está sob investigação
Diante do agravamento da crise sanitária em Manaus, a única investigação aberta até agora pela Procuradoria-Geral da República, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi sobre a atuação do governador do Amazonas, Wilson Lima, do prefeito de Manaus, David Almeida, empossado no início deste mês, e de seu antecessor, Arthur Virgílio Neto. [por decisão do STF, desde abril 2020, os responsáveis são exatamente os que a PGR está investigando.
Pode prosperar algum  questionamento sobre o novo prefeito - empossado no inicio da crise.]
A Procuradoria também pediu informações ao ministro da Saúde após representação do partido Cidadania, que apontou omissão de Pazuello, alegando que ele recebeu informações prévias sobre a falta de oxigênio em Manaus.

A assessoria de imprensa da PGR disse ao Estadão que o texto de Aras foi feito em resposta a um movimento de segmentos da política e da sociedade que têm cobrado atuação do chefe do Ministério Público Federal contra Bolsonaro. A principal mensagem da nota é que os crimes de responsabilidade são da competência do Legislativo, e não da Procuradoria. Segundo a assessoria, o procurador-geral diz que é necessária a “temperança” para todas as instituições para que a crise não cresça, uma vez que já estamos em um estado de calamidade.

Saiba mais em Notas & Informações - O Estado de S. Paulo