A norma já vigorou durante 68 anos seguidos, e revê-la é ajudar a impunidade
Cabe
registrar que o intenso debate sobre a prisão a partir da confirmação da
sentença em segunda instância e o cerrado combate ao instrumento, movido por
grupos políticos atingidos pelo histórico ciclo atual de enfrentamento da
corrupção, não tratam de qualquer novidade no arcabouço jurídico brasileiro.
A
prisão em segunda instância foi usual e aplicada de forma ininterrupta entre
1941, com a promulgação do Código de Processo Penal, e 2009, quando o Supremo
alterou a jurisprudência, passando a vigorar o conceito formal do “transitado
em julgado”. Ou seja, as sentenças começam a ser cumpridas só quando esgotados
todos os recursos. Ora, como
a Justiça brasileira se notabiliza pelo excesso de interpelações,
estabeleceu-se o reino da impunidade, para quem tem dinheiro e pode contratar
advogados competentes em explorar os meandros da legislação e livrar sua
clientela pela simples prescrição dos crimes cometidos.
O avanço
do combate à corrupção, no mundo em que se concentram esses clientes de alta
renda, mostrou que o correto era voltar à norma que vigorou sem dificuldades
durante 68 anos, até ser revogada em 2009. Até porque, o mérito dos processos é
julgado mesmo nas duas primeiras instâncias. As restantes tratam de aspectos
jurídicos formais. E assim, em 2016, por meio de proposta do ministro Teori
Zavascki, que morreria em desastre aéreo pouco depois, a Corte restabeleceu a
antiga jurisprudência, num ato de bom senso.
Mas não
chega a completar dois anos, e há enormes pressões para a volta do “trânsito em
julgado”. Não por coincidência, este clamor, que se baseia no conceito da
“presunção de inocência”, ocorre quando empresários do primeiro time dos
negócios e políticos afamados têm sido presos ou passam a correr este risco.
Não apenas pela confirmação de sentença em segunda instância, como o
ex-presidente Lula, mas de forma preventiva. Não há qualquer preocupação desses
arautos dos “direitos humanos” e da “liberdade” com a massa carcerária, da qual
40% sequer foram julgados. O objetivo deste movimento é a defesa de uma elite,
à direita e à esquerda, que se acostumou a frequentar de maneira sorrateira e
impune o Tesouro. E, quando pilhados, podem se manter distantes da cadeia,
resguardados pela enorme capacidade de seus advogados de produzirem recursos,
como os “embargos dos embargos”, por exemplo.
Na
verdade, querem continuar a fazer o mesmo, sem sustos. Afinal, existe um
razoável volume de inquéritos e processos no âmbito da Lava-Jato, mas não
apenas nela, que deve levar a novas condenações em segunda instância. O Brasil
nada inova ao seguir esta jurisprudência. Há países em que, a depender do
crime, a prisão é efetivada logo à primeira sentença. Também não é certo que o condenado
tem direitos fundamentais cerceados, porque ele, mesmo preso, pode continuar a
impetrar recursos para provar sua inocência. Manter a norma que vigora ao todo
por aproximadamente 70 anos significa defender a sociedade contra todo tipo de
criminoso, inclusive o poderoso.
Editorial - O Globo