A questão militar foi um dos motivadores da Proclamação da República. Um movimento em que o principal marechal apoiava a monarquia e o imperador até a véspera e a maioria da população terminou por ser excluída do processo eleitoral. O golpe de 64, que inaugurou uma longa ditadura, foi antecedido pelas virulentas manifestações de militares de todos os andares, nas mais diversas direções.
A extrema esquerda e a extrema direita, no Brasil, divergem nas alianças que fazem, mas compartilham muito da agenda econômica e do desrespeito ao Estado de Direito para impor as suas demandas. Ambas são nacionalistas, protecionistas, acreditam na capacidade do Estado em liderar o desenvolvimento econômico e têm pouca confiança nos mecanismos democráticos de mediação de conflitos.
Existem muitos exemplos da resistência de algumas corporações ao ajuste necessário decorrente de um poder público que prometeu mais do que pode oferecer. Empresários rejeitam discutir os benefícios obtidos nos últimos anos, como desonerações ou incentivos fiscais. Grupos de servidores reagem a medidas de ajuste, como no Paraná em 2015 ou no Piauí em 2016.
Recentemente, houve a paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo, o que é proibido pela Constituição. Os agentes, com salários em dia graças ao ajuste fiscal, pleiteavam reajustes inviáveis diante da queda de receita. Segundo investigação da Polícia Federal, reportada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", havia uma rede de apoio ao movimento, incluindo vários deputados federais que compartilham uma agenda identificada com a extrema direita.
O governo não cedeu e a paralisação foi interrompida. Centenas de policiais estão sendo processados, alguns presos. [Em nome da verdade: até o presente momento nenhum dos policiais militares impedidos de entrar nos quartéis da PM/ES foi efetivamente punido. Fora instaurados inquéritos que silenciosamente serão arquivados.] Esse conflito exemplifica as consequências de um ajuste fiscal organizado. As corporações reagem, em alguns casos com o inaceitável sacrifício de inocentes, mas seu poder de barganha é reduzido. A transparência e o ajuste compartilhado auxiliam resistir à demanda por benefícios dos grupos organizados em detrimento da maioria.
Outros governos estaduais, porém, cedem às corporações, e o resultado é uma crise fiscal desorganizada. Alguns obtêm reajustes e recebem seus salários em dia, enquanto os demais sofrem com atrasos nos pagamentos. A resposta desorganizada lembra as consequências da alta inflação dos anos 1980, em que grupos de interesse conseguiam reajustes ou subsídios e a conta era paga de forma difusa pelo restante da sociedade, com a perda de renda real e a deterioração da economia.
Fonte: Marcos Lisboa - Folha de S. Paulo