A revisão da prerrogativa para deputados e senadores não deve levar a que a Justiça a estenda de tal forma que invada área institucional do Congresso
Durou um
ano, incluindo pedidos de vista, o julgamento no STF do caso concreto de um
político fluminense que aproveitou a gangorra da troca sucessiva de foro para
escapar da denúncia de compra de voto pela porta da prescrição. Na semana
passada, enfim, confirmou-se a vitória da maioria que já havia sido formada há
tempos, em favor da proposta do ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso,
de quebrar a rigidez do princípio do foro privilegiado.
Restrita
a deputados federais e senadores, julgados no Supremo, a nova interpretação do
foro limita sua aplicação apenas a crimes cometidos pelo parlamentar no
decorrer do mandato e em função deste. A não ser
nestas circunstâncias, denúncias contra deputados e senadores serão
encaminhadas à primeira instância. O ganho para o Supremo é a redução de uma
fila de aproximadamente 500 processos e inquéritos, parte dos quais já começou
a ser remetida para juízes de primeiro grau. Menos
sobrecarregado, o STF terá como fazer tramitar os casos que lhe cabem — além
dos parlamentares federais, ministros, o presidente da República e o vice —,
sem maiores riscos de prescrições. Além disso, a primeira instância, por suas
características, tem mais agilidade para fazer tramitar processos penais. Outra
garantia de que a prescrição de crimes não será a regra.
Mas a
conclusão do julgamento no STF levou o Superior Tribunal de Justiça, por
exemplo, a fazer uma consulta ao Ministério Público e à defesa sobre se uma
denúncia de caixa 2 contra o governador fluminense Luiz Fernando Pezão deverá
ser transferida para o juiz da primeira instância, no Rio, que trata da
Lava-Jato, Marcelo Bretas. Como se o
veredicto do julgamento do Supremo tivesse alterado o conceito de foro para
todas as autoridades — estima-se um total de mais de 50 mil pessoas. O
ministro do Supremo Dias Toffoli, por sua vez, encaminhou quarta-feira à
presidente da Corte, Cármen Lúcia, duas propostas de súmulas vinculantes, que,
se aprovadas, todas as instâncias terão de segui-las. Uma
estende a restrição de foro a todas as autoridades federais, estaduais e
municipais. E a outra elimina das constituições estaduais e municipais esta
prerrogativa de autoridades.
Não se
pode esquecer, entretanto, que uma proposta de emenda constitucional que mantém
o foro especial apenas para presidentes dos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário foi aprovada no Senado e está na Câmara. A Justiça
precisa tomar cuidado para não invadir espaço do Legislativo. O caso do novo
foro dos deputados federais e senadores, além de ter sido longamente debatido
no STF, está sustentado em argumentos sólidos. A sensatez aconselha a que os
juízes esperem uma definição do Congresso, até para evitar serem acusados de
legislar em releituras constitucionais.
Editorial - O Globo