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segunda-feira, 19 de março de 2018

Sistema prisional - os horrores de uma prisão no Rio Grande do Norte


O que aprendi acompanhando por um ano a vida dos detentos no presídio de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte 

Venho acompanhando as famílias de presos da penitenciária de Alcaçuz desde o massacre de 26 presos que aconteceu em 14 de janeiro do ano passado. Sou professora de antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, moro em Natal e fui para lá no dia seguinte, de manhã. Encontrei várias mulheres — mães, irmãs e esposas — desesperadas. Dentro da cadeia, uma situação sistemática de torturas se estabeleceu a partir dessa época — e persiste até hoje. O que acontece em Alcaçuz, localizada em Nísia Floresta, a 25 quilômetros de Natal,  é uma morte lenta: presos são espancados, eletrocutados, insultados, privados de comida, privados de água, privados de exercer sua religião, e suas famílias são maltratadas quando vão visitá-los.

Trabalho acompanhando o sistema prisional há um bom tempo, mas não tinha noção da intensidade da tortura que temos no Brasil, algo legitimado socialmente e pelas instituições jurídicas, que se negam a reconhecer sua existência. Parece mentira. Aquilo é um campo de concentração. Testemunhamos ali o poder do Estado de matar. Se eu estivesse lá dentro, enlouqueceria. Tudo que eu iria querer seria fugir dali, porque é humanamente impossível viver em condição tão horrível. E há presos provisórios, gente com transtornos mentais, pessoas que nem deveriam estar ali.

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Depois do massacre do ano passado, nos primeiros dias os presos começaram a ser privados de água. Em meados de 2017, 30 a 35 homens chegaram a ficar, e ainda ficam, em uma cela que deveria comportar apenas oito. A eles só eram oferecidos 2 litros de água por dia. Todos deveriam dividir esses 2 litros para beber. Outra coisa que angustiou muito as famílias foi a privação alimentar. Antes, as visitas levavam no final de semana algum alimento para complementar a dieta, que é muito restrita. Isso foi proibido. Mães viram seus filhos emagrecer drasticamente. Continua acontecendo.

O secretário de Justiça, Luís Araújo, disse que, se permitisse às famílias levar a comida para lá, os presos fariam trocas, o que criaria uma hierarquia na cadeia. Isso já está acontecendo. O estado fornece três refeições diárias: um suco em pó e um pão pela manhã; à tarde uma quentinha malcheirosa e podre; à noite mais um pão e um suco em pó. Isso é a alimentação deles. E alguns passam fome para vender aos outros sua cota diária. Não são todos que fazem isso, mas existe um comércio. Um pão de sal é vendido por R$ 20 dentro de Alcaçuz. [vale ter presente que os presos estão na cadeia pela opção que fizeram: o crime; é lamentável o tratamento dado a eles mas pior são milhões de brasileiros, grande maioria crianças e idosos, passam fome por não ter um emprego, pelo pai ter sido assassinado por um dos que hoje estão merecidamente encarcerados.
Se o Brasil não pode dar boas condições de vida para as pessoas de BEM, para os doentes, não tem sentido dar boa vida para bandido.]

A água para higiene é ligada por meia hora, três vezes ao dia. Os agentes ligam às 6 da manhã, ao meio-dia e às 18 horas. Depois cortam. Nessa meia hora, os presos têm de tomar banho, escovar os dentes e lavar a pouca roupa que há. Eles estão sem lençol e sem colchão. Dormem no chão ou em camas que na verdade são blocos de concreto. Eles têm praticamente a roupa do corpo. Os produtos de higiene que as famílias enviam não chegam a eles. No ano passado, alguns tiveram de compartilhar até escova de dentes. O acesso a bens de higiene é muito restrito. Há vários casos de doenças como hepatite, tuberculose, doenças de pele, sífilis e aids.

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Insultos morais acontecem o tempo todo. Uma mulher nos contou as coisas que seu marido ouviu de um agente: que eles eram “um bando de veadinhos”, que eles podiam reclamar à vontade que nenhuma denúncia iria surtir efeito e que o “bom-dia” deles é com spray de pimenta mesmo. E spray de pimenta é a coisa que mais existe lá. Se for até a frente de Alcaçuz e observar de fora os agentes penitenciários, vai ver que todos eles usam uma espécie de cachecol protegendo as vias aéreas. Por quê?  Além da tortura pela privação do acesso à água, à comida e à higiene, há os espancamentos. Uma mãe que fala: “Juliana, meu filho está apanhando tanto que não sabe mais quanto tempo vai aguentar”. Elas contam que seus filhos têm marcas de hematomas nas costas e nas costelas e os dedos de suas mãos são quebrados.

(...) 

Se pedir água, apanha; 
se pedir para tomar banho, apanha; 
se pedir um remédio, apanha; 
se estiver dormindo e não ouvir o agente chamando para o “procedimento”, apanha de novo. 

Para os choques elétricos, eles fazem uma fila, um encostando no outro, sendo que o último segura na porta de ferro. O agente dá um choque em todos de uma vez, atacando o primeiro da fila com a Taser, uma pistola de descarga elétrica. Também há relatos de as celas terem sido por vezes inundadas com água sanitária, e os presos terem de ficar lá dentro nus, sem poder sentar ou deitar a noite inteira.

(...)
Outro tipo de tortura é chamado de “Procedimento”. Quando os guardas passam gritando essa palavra, o preso tem de ficar sentado no chão, com as pernas abertas e dobradas, cabeça baixa e as duas mãos na nuca. O seguinte senta na mesma posição, logo em frente, entre as pernas do anterior, de costas para ele. E assim eles formam uma fila, um atrás do outro, com as mãos na cabeça. Os agentes passam dando cacetadas nos dedos das mãos. Isso acontece a qualquer momento. Se estiver tomando banho e ouvir o chamado, o preso tem de sair correndo e entrar no procedimento. Acontece dentro das celas, nos pátios, nos corredores, onde eles estiverem. Presos oferecem as costelas, porque não aguentam mais apanhar nos dedos quebrados.