No
jogo das pautas-bomba há a oposição a Dilma, mas um pedaço da contrariedade vem
do trabalho da Lava-Jato
A Câmara
deverá votar em segundo turno a emenda constitucional que vinculou
proporcionalmente os salários do quadro da Advocacia-Geral da União e dos
procuradores estaduais e municipais ao dos vencimentos dos ministros
do Supremo Tribunal Federal (R$ 33,7 mil mensais). Segundo o
Ministério do Planejamento, as diversas pautas-bomba que tramitam no Congresso
custarão aos contribuintes R$ 9,9 bilhões,
dinheiro equivalente a um mês da arrecadação federal.
Iniciativas
desse tipo num
momento em que a economia do país está aos pandarecos destinam-se a
inviabilizar o governo. São bombas porque servem apenas para destruir.
Os
grão-tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin dizem, com razão, que não lhes cabe
apontar saídas para a crise. Todavia, com o apoio tácito dos dois e com votos
do PSDB, Eduardo Cunha tem jogado gasolina na fogueira.
No tempo
em que os militares falavam, um hierarca disse ao marechal Castello Branco
que seus adversários estavam unidos contra o inimigo comum.
— E quem
é o inimigo comum? —
perguntou Castello.
—
É o senhor.
— Eu,
não. É o Erário.
O
presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, provavelmente será denunciado
ao Supremo Tribunal pela Procuradoria-Geral da República. Ele acredita que
há nisso o dedo do Planalto. Difícil, pois pode-se dizer tudo da doutora Dilma,
menos que tenha interferido nos trabalhos do Ministério Público. Para quem não gosta do PT, de Lula e muito menos de Dilma,
Eduardo Cunha dá a impressão que lhes faz oposição, mas suas iniciativas
agravam a crise econômica e radicalizam a crise política. É verdade que a doutora enfrenta a própria ruína
exercitando uma megalomania do fracasso, mas uma coisa é uma
coisa e outra coisa é outra coisa.
Tudo bem:
Fora Dilma. Para botar Michel Temer no lugar, “alguém que tenha a capacidade
de reunificar a todos”? Olhando-se para a oposição, nem a alma de Dom
Eugenio Sales seria capaz disso. Um pedaço do PSDB quer
Temer. Outro quer anular o pleito que o elegeu. Um terceiro quer
novas eleições. Isso deixando-se de lado a facção interessada em tirar o
parlamentarismo da tumba em que foi colocado por dois plebiscitos.
Há dois
fenômenos em curso. O primeiro, visível, é a rejeição a Dilma Rousseff e ao PT. O
segundo, encapuzado, é uma tentativa de botar fogo num circo onde o Ministério
Público e o Judiciário estão na jugular da oligarquia política e empresarial do
país. Donos das grandes empreiteiras financiadoras
dos grandes partidos foram para a cadeia, a Lava-Jato prendeu 112
pessoas e 23 delinquentes colaboram com as investigações. Nem todas as
roubalheiras nasciam e desaguavam no PT. João Augusto Henriques, por exemplo,
era um operador do PMDB e indicou Jorge Zelada para uma diretoria da Petrobras.
O juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia oferecida contra ele pelo Ministério
Público. Henriques estava no radar da investigação há pelo menos sete meses.
Bater
panela ou ir para a rua pedindo que Dilma vá embora pode fazer bem à alma, até
porque o instrumento do impeachment está previsto na Constituição. Ele precisa de dois terços dos votos da Câmara e
do Senado. Para se chegar a esse número será
preciso identificar o inimigo comum. Para milhões de pessoas, é Dilma.
Umas poucas incomodam-se com a lógica do marechal Castello Branco.
Fonte:
Elio Gaspari – jornalista – O Globo