Doleira relembra a vida na prisão e, com
dívida de 15 milhões de reais, afirma: 'Sou devedora, mas vou pagar tudo.
Prometo'
Em entrevista a VEJA,
a doleira Nelma Kodama – a quem o juiz Sergio Moro atribuiu uma “personalidade voltada para o crime” —
afirma que a sua desgraça começou quando se apaixonou desconcertantemente por
Alberto Youssef, mas não o culpa por isso. Diz ter
alergia à tornozeleira e, com uma dívida de 15 milhões de reais, jura que nunca
mais vai cometer crimes.
A doleira Nelma Kodama em seu apartamento (Jefferson Coppola/VEJA)
A senhora imaginou
que um dia seria presa?
Sim. Sempre pensava que podia sair de casa e não voltar mais, pelo risco de ser
presa ou assassinada. Vivia na sombra. Quando conhecia alguém, não podia dizer
o que eu fazia. Por isso, acabava me relacionando só com quem era do ramo.
Usava pseudônimos: era Maria Eugênia, Greta Garbo, Angelina Jolie, Cameron
Diaz… Saí de casa para pegar um avião rumo à Itália há dois anos, fui presa em
flagrante e só voltei para casa há três semanas.
A senhora namorou
três doleiros. Foi o amor que a arrastou para o crime? Não. O amor é uma coisa boa. Não
posso dizer que algo tão bonito leve alguém para trás das grades. Fui presa
porque sou uma criminosa.
Logo que começou a
namorar o doleiro Alberto Youssef, a senhora intensificou suas atividades. Ele
tem responsabilidade pela sua situação atual? De fato, quando o conheci, prosperei
no crime, mas já estava nele. A minha paixão era uma coisa à parte e me fez
perder a noção. De fato, quando me envolvi com ele, prosperei no crime. Mas não
posso por a culpa só nele porque eu não agia com uma arma apontada para a minha
cabeça.
Na sua sentença, o
juiz Sergio Moro escreveu que a senhora tem a personalidade voltada para o
crime. Isso é verdade?
Sim. Mas um desembargador disse em outro despacho que ninguém pode ser
condenado pela personalidade.
Por que a senhora diz
que chega a ter saudade da cadeia? Porque lá dentro todo mundo é igual. Não importa se você
é empresário, empreiteiro, deputado, tesoureiro, homicida, lobista, traficante.
Por isso usamos uniforme. Aqui fora somos diferentes.
A Justiça deve tomar
tudo o que é seu. Tem medo da queda no padrão de vida? Que padrão? Na cadeia, eu dormia numa cama de
alvenaria em uma cela menor do que o meu closet. Vou recomeçar minha vida do
zero.
Se conseguisse voltar
no tempo, o que faria de diferente? Não me envolveria com o Alberto Youssef. Fui cega de
paixão por ele.
O Ministério Público
sugeriu que a senhora fosse condenada a 47 anos de cadeia, mas a Justiça lhe
deu uma sentença só de 12 anos. Acha a sua pena justa? Eu acho que foi justa sim, porque eu
cometi crimes e estou pagando por eles. Fiquei mais de dois anos no regime
fechado e agora estou presa em casa sem nada. Estou pagando por tudo o que eu
fiz. Nada mais justo.
Apesar disso, ainda
responde a 15 inquéritos. Tem medo de voltar para a cadeia? Eu só teria medo de voltar para a
cadeia se cometesse um novo crime. Como eu não vou fazer isso, não tenho esse
receio. Vou reestabelecer a minha vida com a ajuda de Deus.
A tornozeleira
incomoda?
Incomoda porque eu não posso tirar. Também me deu alergia e fico com a perna
coçando. Mas não posso reclamar. Melhor estar com ela aqui em casa do que sem
ela e na prisão.
Vai voltar a cometer
crimes? Não. Vou
recomeçar a minha vida de outra forma. Só não sei como porque tudo é muito
recente. Acabei de sair da cadeia. A ficha ainda não caiu. Vivo um dia de cada
vez. Só sei que não vou voltar ao crime porque não quero prejudicar ninguém,
nem magoar ainda mais a minha família.
Qual a maior lição
que tirou da cadeia?
Saí da cadeia uma pessoa melhor do que entrei. Todo dia eu aprendia coisas
novas, como limpar um chão, um banheiro. Hoje, faço uma faxina como ninguém.
Com encara a sua
condenação do ponto de vista espiritual? Deus me deu o livre arbítrio e eu me desviei para o
mundo do crime. Ele viu tudo lá do alto e disse: “Para, Nelma!”. Mas eu não
parei. Aí Ele disse: “Ah é? Vou te guardar dentro da cadeia para você ficar sem
contato com a vida aqui fora”. Foi o que aconteceu. Na cadeia, eu morava dentro
de um banheiro, numa cela de três por dois metros quadrados. O vaso sanitário
fica ao lado da cama.
Logo que chegou à
cadeia, a senhora reclamou da comida. Conseguiu se adaptar ao bife com arroz e
feijão? Demorei
a me adaptar não à comida, mas ao fato de não poder mais escolher o que comer.
Com o tempo, passei a aceitar. Na cadeia, se o preso não comer o que é servido,
ele morre de fome.
Assim que saiu da
cadeia, qual foi a primeira coisa que a senhora fez? Na prisão, quando eu tomava banho de
sol, tentava olhar o céu pela grade do teto. Mas a imagem era sempre quadrada.
Quando eu saí, a primeira coisa que fiz foi olhar para o alto para ver o
firmamento completo, com sol e horizonte. À noite, vi a lua e as estrelas pela
primeira vez em dois anos.
A senhora está fora
da cadeia, mas tem uma dívida de 15 milhões de reais. Está conseguindo dormir? Estou desesperada. Nem sei como vou
pagar as minhas dívidas. É muito ruim dever, seja 15 milhões ou 5 reais. Se eu
tivesse essa dívida na época que mexia com dólar, pagaria rápido. Mas não posso
mais operar com câmbio.
Em sua delação, a
senhora entrega gente criminosa envolvida até com tráfico de drogas. Não tem
medo de ser assassinada?
Se eu morrer assassinada, não terei tempo para ter medo. Aliás, a gente pode
morrer a qualquer momento. Basta estar vivo para isso. Posso morrer
atravessando a rua ou de ataque cardíaco.
Um médico de Curitiba
diz que senhora deve 60 000 reais a ele. O seu ex-advogado lhe cobra 1 milhão
em honorários. Como vai pagar?
Não tenho dinheiro nem para comprar um pão na padaria. Mas, se eu devo, vou ter
de pagar. Basta provar que tenho a dívida. Queria que as pessoas entendessem
que minha vida financeira está zerada, ou melhor, negativa. Sou devedora, mas
vou pagar tudo. Prometo.
Como a senhora
conseguiu esconder 200 000 euros na calcinha? Não sei de onde inventaram isso. Acho
que foi algum jornalista criativo. Duzentos mil euros divididos em dois
pacotinhos fazem um volume bem pequeno. Eles estavam guardados nos bolsos de
trás da minha calça. Sem falar que por dinheiro nas partes íntimas não é legal.
É anti-higiênico e nada sensual.
Fonte: Revista VEJA