Não
fossem suas consequências trágicas, negando às novas gerações a
formação de que necessitam para emancipar-se intelectual e
profissionalmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) seria mais uma
contribuição do governo Dilma Rousseff e do lulopetismo para o
anedotário nacional.
Os
problemas começaram na escolha das 116 pessoas que redigiram o
documento – classificadas como especialistas pelo Ministério da Educação
(MEC). O órgão deve ter lá suas razões para não revelar seus nomes.
Também não informou os critérios usados na escolha desses pedagogos
anônimos nem as instruções que lhes foram transmitidas. Só agora, após a
divulgação da BNC, é que alguns nomes estão vindo a público.
Os
autores da BNC primaram por apresentar sugestões acacianas, exibidas na
novilíngua do lulopetismo. Para o ensino fundamental, enfatizaram o
“desenvolvimento de ideias sobre a constituição da terra”, a
“problematização do sentido da vida humana”, o prazer inerente a
entretenimentos sociais e o prazer de “saborear refeições
conjuntamente”. Para o ensino médio, destacaram a análise de processos
“que envolvam a dimensão imagética do texto literário”, a “apropriação
de recursos linguístico-discursivos para compreender textos orais” e a
exploração da “teatralidade e performatividade dos gestos
comportamentais no cotidiano”.
Esse
aranzel de propostas é o menor dos desacertos da BNC. Cedendo às
pressões de movimentos sociais e ONGs, os especialistas anônimos fizeram
um rosário de concessões ideológicas, opondo valores coletivistas e
anticapitalistas a valores individualistas e liberais, enfatizando a
importância de “políticas-cidadãs” e privilegiando os chamados “usos
sociais da língua”. “Há forte amarração ideológica, o que tornará os
livros didáticos politicamente corretos, mas com pouca orientação sobre o
que deve ser ensinado e aprendido”, diz João Batista de Araújo e
Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
O
enviesamento ideológico é explícito na disciplina de História, que
chegou ao disparate de ignorar o que não fosse Brasil e África na versão
do texto que circulou internamente no MEC. A proposta não incluía nem
sequer uma cronologia dos acontecimentos históricos que forjaram as
sociedades. No caso do Brasil, ela valorizava fenômenos contemporâneos,
como discriminação racial, para discutir a questão da escravidão e dos
indígenas. O documento era tão disparatado que o MEC pediu aos seus
autores que refizessem a parte relativa à disciplina de História. “Eles
queriam partir do presente para ver o passado. Propunham estudar
revoluções com participação de escravos ou índios, deixando de lado a
Inconfidência Mineira”, conta o ex-ministro Renato Janine Ribeiro.
Apesar
da nova redação, feita a contragosto pelos especialistas anônimos, o
enviesamento ideológico não foi abrandado no texto divulgado pelo MEC.
Ao mesmo tempo que a ágora grega, a Idade Média, o Renascimento e o
Iluminismo foram relegados para segundo plano, são destacadas revoltas
populares pouco conhecidas. Também são enfatizados períodos de luta
contra a opressão e desprezados processos históricos que levaram à
formação das modernas sociedades ocidentais, com base no princípio da
igualdade dos indivíduos perante a lei. Em nome da valorização de
“sujeitos, grupos sociais, comunidades e lugares de vivências”, a BNC
propõe dois anos de ensino sobre os “mundos ameríndios, africanos e
afro-brasileiros” e só um ano sobre os “mundos europeus e asiáticos”,
tornando a história ocidental periférica.
“A
proposta mutila processos globais. Aposta na sincronia contra a
diacronia. É fanática pelo presentismo. Incentiva ódios raciais e
valores terceiro-mundistas superados. Combate o eurocentrismo com um
brasilcentrismo inconsistente. É uma aposta no obscurantismo”, adverte
Ronaldo Vainfas, professor de História Moderna da Universidade Federal
Fluminense. Destinada ao lixo da história, a BNC é o epitáfio de um
governo que prometeu fazer do Brasil uma pátria educadora e a converteu
em laboratório de pedagogia populista e doutrinação ideológica.
Fonte: O Estado de São Paulo