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sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Barroso na presidência a partir de setembro desperta temor de anarquia ideológica no STF - Vida e Cidadania

Leonardo Desideri  - Gazeta do Povo    Últimas

Ativismo judicial

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.| Foto: Carlos Moura/SCO/STF.

O ministro Luís Roberto Barroso
assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 28 de setembro, com a aposentadoria da ministra Rosa Weber. O histórico de votos, pronunciamentos e entrevistas de Barroso, considerado por diversos juristas como o membro mais ideológico da Corte, tem despertado o temor de exacerbação do ativismo político e de crescimento de uma anarquia jurídica que deslegitime ainda mais o Congresso como autor das leis.

Em votos e decisões monocráticas, Barroso é um dos ministros mais engajados no que ele próprio chama de "empurrar a história" e aplicar no país o que define como um "choque de Iluminismo".  
Foi dele, por exemplo, um dos votos pela descriminalização da maconha, em 2015, no julgamento que retornou à Corte recentemente. 
Na pandemia, foi ele quem decidiu monocraticamente que o passaporte da vacina era necessário para entrar no país, antes da confirmação pelo plenário.

Fora dos tribunais, Barroso já escancarou suas visões políticas e é responsável por algumas das falas mais controversas já proferidas por ministros do STF no Brasil. "Nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas", afirmou em julho, no 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) – evento no qual a sua presença, por si só, já seria suficiente para levantar dúvidas sobre sua imparcialidade como juiz.

No ano passado, durante a Brazil Conference, em Boston (EUA), o ministro disse que "é preciso não supervalorizar o inimigo" e arrogou para si a função de "empurrar a história na direção certa". "Nós somos muito poderosos, nós somos a democracia. Nós é que somos os poderes do bem e ajudamos a empurrar a história na direção certa. O mal existe, é preciso enfrentá-lo, mas o mal não pode mais do que o bem", afirmou.

Para Pedro Moreira, doutor em Filosofia do Direito pela Universidad Autónoma de Madrid, a visão de Barroso sobre o papel do STF necessariamente implica a politização da Corte.  "A ideia de que o juiz constitucional deve, em certos casos, 'empurrar a história', atuando 'em favor da causa da humanidade' parece-me completamente imodesta e imprudente. Ela supõe que um conjunto de onze juízes, muito mais que os membros do parlamento ou o próprio povo, é capaz de saber exatamente qual é o sentido correto da história. Na minha opinião, um juiz que atua sob esses pressupostos não tem como exercer imparcialmente a sua função. Por isso, a rigor, é uma espécie de não-juiz", comenta.

Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, tem expectativa de que o ativismo político aumente com o próximo presidente do STF. "O Barroso se demonstrou um dos ministros mais ativistas, ainda que ele próprio tenha tentado jogar a responsabilidade desse ativismo na própria estrutura constitucional brasileira, dizendo que a Constituição, afinal de contas, deu muitas competências ao Supremo, principalmente através da possibilidade de julgar ações diretas", avalia.

Para o jurista, Barroso foi um dos ministros "que mais fortemente procurou refundar todo o nosso sistema político-constitucional em novas bases" e o que se pode esperar de sua presidência é "muito pouco daquela autorrestrição, daquela autocontenção que deveria caracterizar o Poder Judiciário".

Barroso nega que ativismo seja um problema no Supremo
O ativismo judicial é um dos males do Supremo mais frequentemente apontados por críticos da atuação dos ministros nos últimos anos. Barroso nega que esse seja um problema no STF. Para ele, o que existe é somente um "protagonismo judicial".

"Existe uma percepção bastante equivocada de que o Supremo Tribunal Federal é extremamente ativista, que inventa legislações e produz decisões que trazem insegurança jurídica. Gostaria de dizer que nada disso acontece. E aqui é preciso distinguir e diferenciar três termos que são muito distintos mesmo: um é a judicialização, outro é ativismo e outro é protagonismo judicial",
comentou em abril.

Barroso terá em mãos alguns julgamentos importantes sobre temas controversos, como a ADPF 442, que abre a chance de descriminalização do aborto. Para Moreira, a possibilidade de que o próximo presidente do STF acelere a análise desse e de outros assuntos polêmicos no campo dos costumes é real. "Barroso é sabidamente favorável à descriminalização do aborto. É o que ele, imagino que sinceramente, acredita que é melhor para o país. A pergunta que temos de fazer é: por que seria legítimo que, em um caso tão delicado moralmente, nos submetêssemos ao que o ministro Barroso pensa que é melhor para o país? O Supremo, cada vez que abandona a autocontenção e cai na tentação de resolver algo que é política e moralmente controverso, aumenta a percepção da sua ilegitimidade", comenta.

Na visão do jurista, não é exagero dizer que a Presidência do Supremo caiu nas mãos do mais ideológico dos ministros. "Não é exagero por uma razão muito simples: basicamente não há diferença entre as convicções pessoais do ministro Barroso e a forma como ele interpreta os princípios e valores constitucionais. Para usar um termo conhecido dos juristas, a 'leitura moral' que ele faz da Constituição é quase sempre idêntica à sua própria e subjetiva leitura moral", explica.

A ex-deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB-SP), doutora em Direito Penal pela USP, é mais otimista. Para ela, embora Barroso seja evidentemente favorável a causas como o abortismo, sua longa experiência como ministro poderá ajudá-lo a apostar na conciliação em vez de pautar temas controversos.  "Apesar de o ministro ser simpático a essas causas, com destaque para o aborto, eu não acredito que usará sua importante posição para implementá-las. Penso que será cauteloso, até em razão do momento vivido. Estou otimista", diz. "Trata-se de um ministro experiente. O país precisa de pacificação. Não creio que quererá marcar seu mandato pelo acirramento. Creio que será cauteloso", acrescenta.

Segundo ela, a recente polêmica gerada pela fala de Barroso sobre "derrotar o bolsonarismo" pode acabar, paradoxalmente, sendo positiva para diminuir o ímpeto de censura da Corte. "Pode fazer com que ele reveja este movimento de cercear a liberdade de expressão e manifestação", afirma.

Na visão de Tadeu Nóbrega, mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, embora Barroso tenha uma postura ideológica, o que realmente permite vislumbrar um futuro de ativismo judicial é a atual composição da Corte, mais do que seu chefe. "O que define isso é mais a composição da corte, porque os temas são levados a Plenário, e menos a atuação do presidente", afirma.

Para ele, se o julgamento sobre o aborto fosse pautado por uma presidente como Rosa Weber, penderia igualmente para uma decisão contra a vida. "Imagino que, neste momento, não faça muita diferença quem seja o presidente, porque, sendo a ministra Rosa Weber ou o ministro Barroso, aparentemente os dois são favoráveis à tese delineada pelo PSOL na ADPF 442", diz.

Decisões ideológicas de Barroso
Votos, decisões monocráticas e manifestações no tribunal revelam que Barroso é um dos ministros mais ideológicos do STF. Relembre algumas delas:

    Em 2016, quando a Primeira Turma do STF revogou a prisão preventiva de médicos e funcionários de uma clínica clandestina de aborto no Rio de Janeiro, Barroso declarou em seu voto favorável à liberação deles que a atual legislação brasileira sobre o aborto é inconstitucional, ao violar direitos fundamentais da mulher.

    Em 2021, em decisão monocrática, Barroso determinou que a apresentação do comprovante de vacinação – o chamado “passaporte da vacina” – seria obrigatório para viajantes que estivessem chegando ao Brasil por aeroportos. O plenário confirmou a decisão posteriormente.
    Durante a pandemia, Barroso decidiu que as decisões judiciais de despejo de áreas invadidas, tanto em cidades como em áreas rurais, estavam suspensas. Mesmo com o impacto da pandemia já reduzido, em 2022, o ministro estendeu o prazo da decisão. Depois, em novembro, determinou que as terras invadidas passem por uma negociação com os invasores antes de serem desocupadas.

    Em 2022, Barroso apelou à ideológica tese do racismo estrutural para restabelecer o mandato do vereador de Curitiba Renato Freitas (PT), cassado após invadir uma igreja em Curitiba.
    Durante as eleições, Barroso autorizou monocraticamente que prefeitos e concessionárias oferecessem transporte público gratuito no segundo turno da eleição, sem que isso configurasse crime eleitoral ou improbidade. O magistrado acatou um pedido apresentado pela Rede Sustentabilidade.

 
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    MPF questiona decisão de Barroso que permite flexibilizar pena por pedofilia
    Barroso concede prisão domiciliar a mulher acusada de tráfico de drogas

    Em agosto deste ano, Barroso concedeu prisão domiciliar a uma mulher presa em flagrante no estado do Pará com mais de seis quilos de “maconha skunk”. 
A acusada é mãe de dois filhos menores de 12 anos e reside na Paraíba e, por isso, o ministro evocou o artigo 318-A do Código de Processo Penal (CPP), que permite a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar no caso de a acusada ser gestante ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência. A medida, porém, se aplica apenas a casos em que a acusada não tenha cometido crime violento ou crime contra seu filho ou dependente.
    Neste ano, durante a retomada do julgamento sobre a descriminalização da maconha – questão sobre a qual ele já votou em 2015 –, Barroso pediu a palavra para afirmar que não está havendo "mínima invasão da esfera legislativa, da esfera de competência do Congresso" sobre o tema das drogas e que, "em muitas partes do mundo, e não só no Brasil, isso acaba sendo decidido no Judiciário".
 
Leonardo Desideri,  colunista- Gazeta do Povo - Vida e Cidadania

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

A direita brasileira e as Forças Armadas - Flávio Gordon

Vozes - Gazeta do Povo

Positivismo

Sua arma contra a corrupção da inteligência. Coluna atualizada às quartas-feiras

 

A direita brasileira e as Forças Armadas - Foto: Edvaldo Belitardo

Em 15 de abril de 1964, o general Humberto de Alencar Castello Branco comparecia ao Congresso Nacional para tomar posse como o 26.º presidente da República. A cerimônia ocorria duas semanas após os eventos que culminaram na queda de João Goulart, eventos que os militares da época decidiram batizar de “revolução”; a esquerda, de “golpe”; e parte da nova direita contemporânea a meu ver, com mais razão –, de “contragolpe”. No discurso inaugural, Castello Branco exaltou o movimento cívico que se levantou em defesa da democracia, movimento por ele descrito como “uma Revolução nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e, decisivamente, apoiada nas Forças Armadas (...) uma Revolução a assegurar o progresso, sem renegar o passado”.

Em certo trecho do pronunciamento, o então chefe do Estado-Maior do Exército deu vazão à mentalidade tipicamente positivista da instituição militar brasileira. “Caminharemos para a frente, com a segurança de que o remédio para os malefícios da extrema-esquerda não será o nascimento de uma direita reacionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias”

E, com efeito, a promessa foi mantida ao longo das duas décadas de regime militar brasileiro, que, embora seja retratado por nossa historiografia politicamente enviesada como uma “ditadura de direita”, tudo fez para impedir a consolidação de uma direita civil no país, previamente rechaçada por estigmas tais como “reacionária”, “extremista” e “radical”. Que boa parte da direita brasileira contemporânea se mostre decepcionada pela indiferença demonstrada pelos comandantes em relação aos manifestantes em frente aos quartéis-generais – bem como pela inação em face da tomada revolucionária do poder pelo socialismo do Foro de São Paulo – revela, talvez, uma má interpretação dos eventos dos anos 1960.

Antes de tudo, é preciso avaliar corretamente o sentido do positivismo no seio das nossas Forças Armadas. Em primeiro lugar, deve-se compreender o positivismo como uma espécie de movimento cujo gênero poderíamos chamar, grosso modo, de progressismo. Sim, primo próximo de movimentos intelectuais de massa como o marxismo e o liberalismo, o positivismo compartilha com esses outros rebentos do Iluminismo a crença utópica de que, graças ao progresso tecnocientífico, a humanidade atingiria um estágio de desenvolvimento em que a política se tornaria supérflua. De acordo com essa utopia, a mentalidade irracional e ultrapassada que havia caracterizado a humanidade ao longo dos séculos, e sobre a qual se haviam fundado todas as disputas político-ideológicas vigentes, tenderia mais cedo ou mais tarde a ser extinta pelo avanço do conhecimento e pela universalização da razão.

Assim entendido, o progressismo caracteriza-se principalmente por uma concepção teleológica e unilinear da história, que seria dotada de um fim predeterminado para o qual toda a humanidade, independentemente dos respectivos estágios evolutivos dos variados grupos humanos, caminharia necessariamente. Decorre dessa crença uma série de filosofias tripartites da história, começando por iluministas como Condorcet e Turgot, passando por Comte e sua lei dos três estados (teológico, metafísico e positivo), e chegando aos modelos da antropologia evolucionista, a exemplo da divisão entre as fases de selvageria, barbárie e civilização proposta pelo antropólogo americano Henry Lewis Morgan, que tanta influência exerceu sobre Marx e Engels.

Nesse esquema tripartite, concebe-se o último estágio como um “fim da história”, uma época de plenitude, de império da racionalidade e da ciência, na qual o pensamento irracional, supersticioso e mágico terá sido extirpado da mente humana. Em Comte, esse último estágio é chamado de “positivo” ou “científico”. Daí advêm as recorrentes propostas – incluindo as contemporâneas, referentes à gestão de pandemias – de uma sociedade inteiramente administrada pela ciência, na qual a política (a ação de uma vontade subjetiva contra outra) será substituída pela técnica (a ação de um sujeito sobre um objeto).
 

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O plano de governo do PT

Nessa etapa da evolução histórica, creem os positivistas e demais progressistas, a política se tornará dispensável, porque todos os homens passarão a compreender a realidade da mesma maneira, ou seja, racional e objetivamente. O corolário é que quem assim não a compreender será tido por algo menos que um homem, no pleno sentido da palavra.  
Algo como um louco, um criminoso, uma fera, um “negacionista”...  
Curiosamente, vem do marxismo, e não do positivismo, uma das formulações mais emblemáticas dessa crença. Ela está no Anti-Dühring, no trecho em que Friedrich Engels anuncia a utopia do fim do Estado, que se seguiria à tomada do poder pelos proletários: “Em todos os domínios, a interferência estatal nas relações sociais torna-se supérflua, e acaba por morrer de inanição; o governo das pessoas é substituído pela administração das coisas”.

Os generais brasileiros de 1964 eram positivistas e, portanto, progressistas nesse sentido. Daí que, embora fossem difusamente anticomunistas, sobretudo no enfrentamento à luta armada, mostravam-se, no âmbito da história das ideias, bem mais hostis a conservadores do que a marxistas, com quem partilhavam uma série de premissas filosóficas. Eis por que o regime militar tenha investido muito mais energia contra o conservadorismo que contra o marxismo cultural. Se o primeiro foi simplesmente extirpado do debate público, o segundo floresceu justamente nesse período, sob a proteção e a benevolência do regime.

Num antigo texto sobre o destino da filosofia brasileira, o intelectual colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, ex-ministro de Bolsonaro, dá pistas sobre o desaparecimento geral de uma intelligentsia de direita no país:“Os artífices dessa façanha (ocorrida nas três últimas décadas do século passado) foram os burocratas da Capes no setor da filosofia, comandados pelo padre jesuíta Henrique Cláudio de Lima Vaz. Os fatos são simples: no período em que o general Ruben Ludwig foi ministro da Educação, ainda no ciclo militar, os antigos ativistas da Ação Popular Marxista-Leninista receberam, à sombra do padre Vaz, a diretoria dos conselhos da Capes e do CNPq, na área mencionada. Especula-se que o motivo da concessão fosse uma negociação política: eles prometiam abandonar a luta armada. A preocupação dos militares residia no fato de que foi esse o único agrupamento da extrema-esquerda que não se organizou explicitamente em partido político. Os grupos da denominada ‘direita’ (conservadores, ultraconservadores, liberais, liberais-sociais etc.), toda essa imensa gama, ficou do lado de fora dos favores oficiais, no período militar e após.”

Portanto, justamente ao contrário do que afirmaram alguns intelectuais de esquerda do período – e penso, por exemplo, em Roberto Schwarz e no seu conhecido ensaio Cultura e Política, 1964-1969 –, a hegemonia cultural da esquerda não surgiu apesar da ditadura de direita, mas justamente por causa dela. Essa hegemonia é um efeito da concepção particularmente autoritária e arrogante da elite fardada sobre a relação entre Estado e sociedade, concepção fundada no fetiche positivista da técnica e da ciência. Num estilo de governo que muitos chamam de “bonapartismo”, o regime militar caracterizou-se pela hipertrofia do Poder Executivo, que, pretendendo pairar tecnocraticamente acima das disputas ideológicas, restringiu a participação política e se afirmou como representante direto e verdadeiro da “nação”.  

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Flávio Gordon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quinta-feira, 19 de maio de 2022

Os donos da urna - Guilherme Fiuza

Gazeta do Povo 

 TSE

TSE

Ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Mauro Campbell, do TSE -  Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE

Seguem as dez instruções básicas para a autoridade eleitoral garantir uma eleição segura este ano:

1) Criar uma Comissão de Transparência e colocar em sigilo todos os dados dessa comissão. Como todos sabem, a alma da transparência é o sigilo.

2) Se instituições integrantes dessa comissão apresentarem questionamentos relativos à segurança do processo, o comportamento recomendado à autoridade eleitoral é fingir que não ouviu. Se a sociedade estranhar esse procedimento e a coisa começar a pegar mal, a autoridade eleitoral deve redigir uma resposta de má vontade à instituição questionadora, naturalmente sem entrar em detalhes sobre as razões de ter sentado em cima da requisição.

PEC do Quinquênio: quem está por trás do reajuste automático para juízes e MP a cada 5 anos

Qual é a estratégia de Bolsonaro ao se queixar de Alexandre de Moraes no STF e na PGR 

3) Nessa resposta à instituição integrante da Comissão de Transparência, a autoridade eleitoral deve dizer, basicamente, que o sistema de escrutínio é ótimo e não precisa do palpite de ninguém. Nesse mesmo tópico, o tribunal encarregado da eleição deve assinalar que quem manda é ele, e o restante obedece sem dar alteração.

4) Caso o referido integrante da Comissão de Transparência insista na abertura dos documentos para o público, pedindo portanto a suspensão do sigilo imposto sobre eles, a autoridade eleitoral pode aceitar o pedido se o requerente estiver enchendo muito o saco e se já estiverem aparecendo hashtags nas redes sociais pedindo a divulgação dos dados. Afinal de contas, nenhuma questão apresentada sobre as vulnerabilidades do sistema foi respondida mesmo, então não tem problema nenhum mostrar para todo mundo.

5) As regras de criação dessa Comissão de Transparência devem prever que os integrantes dela têm como função contribuir para o aprimoramento do sistema de votação e atuar na fiscalização do processo. Mas quando algum integrante da comissão encaminhar proposições relativas ao aumento da segurança do sistema, o tribunal deve responder que todas as normas do processo já estão definidas, não serão modificadas e o proponente deve deixar de ser besta e se recolher à sua insignificância.

6) Se o integrante da Comissão de Transparência insistir que está prevista na medida que a criou a função de subsidiar a autoridade eleitoral para o aprimoramento do processo de votação, o tribunal deve responder que ele deixe de ser trouxa e pare de acreditar em tudo que lê por aí.

7) É importante que o tribunal eleitoral realize cerimônias de condecoração e bajulação de subcelebridades simpatizantes de um dos candidatos, para mostrar a sua isenção no processo (doa a quem doer).

8) A escolha das personalidades a serem homenageadas pela autoridade eleitoral deve ser feita exclusivamente entre as que apoiam um candidato que já tenha sido preso e condenado por corrupção.

9) Se tiver ocorrido violação do sistema eleitoral em eleição pregressa, o tribunal deve mandar apagar e sumir com todos os arquivos que contenham os dados dessa eleição. Investigar delitos passados é puro revanchismo e incitação ao ódio.

Casamento de Lula e Janja é tratado com o devido respeito, quando não com devoção. Agora imagina se fosse Bolsonaro se casando…

Touro Ferdinando: e quem disse que estou interessado em sair por aí dando chifradas para ser amado pelos loucos que lotam as arenas?

 10) Com todas essas medidas exemplares de transparência, que colocam o Brasil no topo do ranking da segurança eleitoral ao lado do Butão, quem levantar dúvidas sobre as urnas nacionais será processado por fake news e condenado a ouvir (na íntegra) uma palestra de Luís Roberto Barroso sobre o Iluminismo na obra de Rosa Weber.

Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 


terça-feira, 26 de maio de 2020

Bolsonaro leva descompostura refinada de Barroso - Josias de Souza - UOL

Blog do Josias - UOL


Habituado a raciocínios cuja profundidade pode ser atravessada por uma formiga com água pelas canelas, Jair Bolsonaro talvez não tenha notado. Mas o miolo do discurso proferido por Luís Roberto Barroso ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral foi dedicado a criticar o seu governo. Sem mencionar o nome de Bolsonaro, que o assistia por videoconferência, Barroso deslocou a Presidência do capitão do mundo conservador para o universo do atraso. As palavras do magistrado soaram como uma descompostura.

[será que quando usou um 'habeas corpus' para liberar o aborto, o ministro Barroso foi refinado?
Ou oportunista?  por se valer de um meio inadequado para liberar algo que transcende sua competência monocrática.
Afinal, defender o assassinato de seres humanos inocentes e indefesos é algo que só pode ser concebido quando praticado por decisão plenária da Suprema Corte.] 

"A falta de educação produz vidas menos iluminadas, trabalhadores menos produtivos e um número limitado de pessoas capazes de pensar criativamente um país melhor e maior", disse Barroso a certa altura. "A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência."

O magistrado acertou dois coelhos com um parágrafo. Respondeu ao insulto de Abraham Weintraub, que defendera a prisão dos "vagabundos do STF" numa frase vadia proferida na reunião ministerial de 22 de abril, cujo vídeo foi jogado no ventilador por ordem de Celso de Mello, decano do Supremo. Respondeu também ao próprio Bolsonaro, que associara a política de isolamento social à ideia de golpe.

Vale a pena ouvir novamente o Bolsonaro da reunião de 22 de abril: "Como é fácil impor uma ditadura no Brasil! Como é fácil!. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua."

Sobre Weintraub, o que Barroso declarou, com outras palavras, foi mais ou menos o seguinte: "O Ministério da Educação não merece ser comandado por tamanha mediocridade." Para Bolsonaro, foi como se o novo presidente do TSE, que também é membro do Supremo, dissesse algo assim: "Fale-me em armamentismo que eu puxo logo o iluminismo, que não atira para matar."

Noutro trecho do seu discurso, Barroso espetou: "Só quem não soube a sombra não reconhece a luz que é viver em um Estado constitucional de direito, com todas as suas circunstâncias. Nós já percorremos e derrotamos os ciclos do atraso. Hoje, vivemos sob o reinado da Constituição, cujo intérprete final é o Supremo Tribunal Federal."

O ministro acrescentou: "Como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade. Cabe lembrar, porém, que o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República."

Referia-se à ditadura do Estado Novo, sob Getúlio Vargas (1937-1945); e à ditadura militar (1964-1985), um regime cultuado por Bolsonaro.

Numa referência indireta ao negacionismo entoado pelo presidente da "gripezinha", Barroso solidarizou-se com os familiares dos mortos do coronavírus. E elogiou duas lideranças femininas que gerenciaram adequadamente a pandemia em seus respectivos países: a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Arden; e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Ambas adotaram o distanciamento social, refugado por Bolsonaro. [salvo improvável engano, Ângela Merkel e Jacinta Arden não foram compelidas por decisões da Suprema Corte de seus países a se abster de intervir nas províncias e municípios.]

O discurso de Barroso conteve recados certos para um destinatário incerto. Tomado pelas atitudes que adotou em 16 meses de governo, Bolsonaro meteu-se num autoengano que pressupõe que a distinção entre verdade e falsidade, entre realidade e fantasia, entre conservadorismo e atraso desaparece numa cabeça que se desligou dos fatos para viver num Brasil paralelo.

Blog do Josias - Josias de Souza - UOL


domingo, 20 de janeiro de 2019

A montanha mágica

Interessante a analogia feita por um dileto amigo, Arlindo Fernandes, entre a viagem do presidente Jair Bolsonaro a Davos, acompanhado do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do chanceler Ernesto Araujo, e o famoso romance do escritor alemão Thomas Mann que empresta o título à coluna, cuja história se passa exatamente naquela cidade dos Alpes, na Suíça. Segundo ele, a luta instalada dentro do governo, assunto sobre o qual conversávamos, se parece muito com a disputa entre dois personagens do romance, o humanista e enciclopedista Lodovico Settembrini e o jesuíta totalitário Leo Naphta, que protagonizam um choque entre ideias liberais e conservadoras junto ao jovem engenheiro naval alemão Hans Castorp.
Mann começou a escrever A montanha mágica em 1912, quando sua mulher Katharina Mann (Katia) foi internada num sanatório de Davos, para se curar de uma tuberculose. Três anos depois, indeciso sobre os rumos do romance, interrompeu a obra. Havia apoiado a Primeira Guerra Mundial, porque seria “a guerra para terminar todas as guerras”, e estava em conflito com o próprio irmão Heinrich, também escritor, em relação ao papel da Alemanha e à própria guerra. Thomas defendia uma Alemanha unificada, poderosa e zelosa de sua cultura; o irmão desprezava o provincianismo autoritário e acrítico dos alemães à época. Após a guerra, Thomas Mann termina de escrever seu romance, já com uma visão mais crítica sobre tudo o que havia ocorrido; mais tarde, se posicionaria contra a II Guerra Mundial e a própria Alemanha. O romance também reflete esse embate de ideias com o irmão.
O Sanatório Internacional de Berghof é um estabelecimento fictício, vizinho à antiga e luxuosa casa de Repouso Schatzalp, que inspirou o escritor alemão e, por isso, costuma receber levas de leitores-turistas fascinados com o livro. Virou hotel em 1954, como o Waldhotel, o antigo Waldsanatorium, onde Katia Mann, mulher de Thomas Mann, se internou em 1912. A visita que o romancista fez à esposa por três meses o inspirou a escrever. Personagem principal do romance, Hans Castorp é um jovem alemão com os seus 20 anos, prestes a ter uma carreira naval em Hamburgo, sua cidade natal, que viaja para visitar seu primo tuberculoso Joachim Ziemssen, num sanatório em Davos.
Durante sua longa permanência, conhece personagens que representam um microcosmo do pensamento do pré-guerra na Europa. Além de Setembrini e Naphta, a hedonista Mynher Peerperkorn e Madame Chauchat, por quem se apaixona. Após sete anos, antes de ir para a guerra para morrer como um soldado anônimo, Castorp descobre a arte, a cultura, a política, a fragilidade humana e o amor; o tempo, a música, o nacionalismo, as questões sociais e as mudanças. Todas as ideias do século XX estão presentes no romance, que é considerado uma “obra de formação”.de está  Onde a analogia? O italiano Lodovico Settembrini representa o humanismo e o iluminismo, atribui o progresso humano à ciência, defende a democracia liberal e acredita no livre-arbítrio. Leo Naphta, cristão novo, interrompeu os estudos teológicos na Companhia de Jesus por causa da tuberculose, mas vê a fé como o sentido da vida e das ações. Defende os atos sangrentos cometidos pela Igreja ao longo da história, vê na ciência e nas explicações racionais os horrores das rebeliões liberais, como a Revolução Francesa.

De certa forma, essas duas tendências estão representadas no governo Bolsonaro, por alguns de seus integrantes: a primeira, pelos ministros Paulo Guedes (Economia), Sérgio Moro (Justiça), Osmar Terra (Cidadania), Teresa Cristina (Agricultura), principalmente; a segunda, por Ernesto Araujo (Relações Exteriores), Ricardo Velez-Rodriguez (Educação) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), sobretudo. O predomínio de uma ou outra no governo dependerá muito do papel dos militares e da cabeça de Bolsonaro, no exercício da Presidência da República.
A viagem a Davos pode fazer bem a Bolsonaro, pois lá serão debatidas ideias novas para uma situação de crise da ordem de liberal, num mundo que passa por grandes transformações tecnológicas e um enorme desajuste econômico e social entre as nações mais avançadas, as emergentes e as que foram deixadas para trás. O grande sanatório geral descrito por Thomas Mann em seu romance parece estar de volta à política mundial, com sinais trocados.
A partir de quarta-feira, 2.340 pessoas de 89 países, que compõem a elite econômica e política mundial, estarão confinadas num centro de conferências, cercadas de neve e seguranças por todos os lados, durante cinco dias, até o dia 29. A guinada ultraliberal do Brasil na economia desperta interesse, o antiglobalismo da nova política externa, um grande espanto. As estrelas do encontro serão a Índia, cujo avanço econômico retira da miséria milhões de cidadãos por ano; e a China, que assumiu a linha de frente da globalização. O presidente norte-americano Donald Trump, com a crista baixa por causa da crise com o Congresso norte-americano, não vai a Davos nem mandará representantes; a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, balançando no cargo por causa do Brexit, também cancelou a participação. 

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB
 
 

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Senado da Argentina rejeita, por 38 votos a 31, legalização do aborto; decepção é maior aqui, onde o procedimento institucional é desonesto

O projeto de legalização do aborto na Argentina, aprovado pela Câmara, não conquistou a maioria dos votos dos 72 senadores argentinos. Foi recusado nesta madrugada por 38 votos a 31, com uma ausência e duas abstenções. E difícil saber onde a decepção é maior: se nos meios ditos “progressistas” do país vizinho ou entre os nossos militantes pró-legalização ou pró-descriminação. A propósito: entre nós, fazem questão de estabelecer a diferença entre uma coisa e outra, como se a descriminação pudesse ser algo mais suave do que a legalização. Trata-se, obviamente, de uma falácia. Fosse o caso de escolher uma coisa ou outra, a legalização seria preferível porque haveria, ao menos, regras, marcos, limites. A simples descriminação pode ser a porta aberta ara o vale-tudo. Não é crime comer um hambúrguer na rua. Quem o faz pode fazê-lo à sua maneira. Interromper uma gravidez há de ser algo mais complexo do que comer um hambúrguer…

Todos os que leem este blog conhecem a minha posição. Já a expressei também no rádio e na TV. Defendo a lei como está hoje e sem aquela interferência do STF, que emendou por conta própria o Código Penal, que trata do assunto entre os Artigos 124 e 128 e só exclui o crime em caso de risco de morte da mãe ou gravidez decorrente do estupro. O tribunal acrescentou por conta própria os fetos anencéfalos. E não! Não acho que se deva submeter a questão a plebiscito porque rejeito a “plebiscitização” da democracia. Mas não vou me ater a esses aspectos agora. Quero chamar a atenção para outra coisa.

Assim que a Câmara dos Deputados da Argentina votou em favor da legalização do aborto, no dia 14 de junho, houve um verdadeiro frenesi entre os militantes brasileiros em favor da causa, a começar da esmagadora maioria da imprensa, ambiente em que se opor à interrupção voluntária da gravidez pode ser mais feio do que chutar a canela da mãe. Poucos atentaram para o fato de que, naquela Casa do Legislativo, a aprovação se deu por muito pouco: 129 votos a 125, com uma abstenção. Eram necessários 128. Como se vê, a coisa estava longe de ser um consenso. Não fosse a rejeição no Senado, a Argentina se juntaria à, se me permitem, esmagadora minoria de países da América Latina em que o aborto é legal: Cuba, Guiana e Uruguai. Na Nicarágua e em El Salvador, é proibido em qualquer caso. Nos demais países, a legislação é parecida com a do Brasil.

A pauta da imprensa brasileira foi imediatamente tomada pela militância pró-aborto. Tinha-se a impressão de que era uma urgência, que estava em todos cantos e todos os becos. Bem, a questão é falsa como nota de R$ 3. A esmagadora maioria da população continua a ser contrária a que o aborto deixe de ser crime. Pesquisa do Datafolha de janeiro deste ano indica que 57% opõem-se à mudança da legislação. Defendem a descriminação 36%. No Congresso, a proposta não seria aprovada.

E é exatamente nesse ponto que setores do Judiciário e das esquerdas, sob a liderança do ministro Roberto Barroso, tentam dar um passa-moleque na população e no Congresso. Na Argentina, ao menos, faz-se um debate institucionalmente honesto. Lá como cá, os defensores da legalização do aborto são identificados com causas progressistas, humanistas, civilizatórias, verdadeiramente iluministas. Os contrários são apontados como verdadeiros ogros do reacionarismo. Em alguma instância do pensamento definiu-se que eliminar um feto humano é uma prática que nos conduz a um mundo melhor, mais humano e mais justo. Mas volto ao ponto. [na Argentina as leis são discutidas e aprovadas pelo Poder Legislativo - da mesma forma que na maioria dos países realmente democráticos;
No Brasil é diferente, o Poder Judiciário, legisla mais do que o Legislativo.
Não gostou de uma lei o Supremo - as vezes juízes de primeira instância também mudam à Constituição mediante interpretação diversa do que está escrito - modifica virtualmente (no texto legal permanece o que estava escrito) -  e pronto - fica da forma que o Poder Judiciário quer.)
Se na semana seguinte algum ministro que perdeu na votação passada, decidir que o assunto deve ser rediscutido, será.
Já na Argentina matéria rejeitada pelo Poder Legislativo só volta à discussão, no mínimo após um ano.]

Na Argentina, ainda que com todas as distorções no debate, coube ao Congresso decidir. Não ocorreu a ninguém obter a legalização do aborto no tapetão da corte suprema do país, como se tenta fazer por aqui. O STF foi transformado num verdadeiro palco da militância abortista e no que chamo de um circo da agressão à ordem legal e à independência dos Poderes. 

Para registro e para que se não se diga que a rejeição à legalização do aborto foi uma obra dos homens do Senado da Argentina, cumpre destacar: 30 dos 72 senadores são mulheres: 14 votaram a favor; 14 votaram contra, uma senadora se ausentou, e outra se absteve.


Blog do Reinaldo Azevedo
 
 

sábado, 2 de janeiro de 2016

Epitáfio da Pátria Educadora

Não fossem suas consequências trágicas, negando às novas gerações a formação de que necessitam para emancipar-se intelectual e profissionalmente, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) seria mais uma contribuição do governo Dilma Rousseff e do lulopetismo para o anedotário nacional.
Os problemas começaram na escolha das 116 pessoas que redigiram o documento – classificadas como especialistas pelo Ministério da Educação (MEC). O órgão deve ter lá suas razões para não revelar seus nomes. Também não informou os critérios usados na escolha desses pedagogos anônimos nem as instruções que lhes foram transmitidas. Só agora, após a divulgação da BNC, é que alguns nomes estão vindo a público.
Os autores da BNC primaram por apresentar sugestões acacianas, exibidas na novilíngua do lulopetismo. Para o ensino fundamental, enfatizaram o “desenvolvimento de ideias sobre a constituição da terra”, a “problematização do sentido da vida humana”, o prazer inerente a entretenimentos sociais e o prazer de “saborear refeições conjuntamente”. Para o ensino médio, destacaram a análise de processos “que envolvam a dimensão imagética do texto literário”, a “apropriação de recursos linguístico-discursivos para compreender textos orais” e a exploração da “teatralidade e performatividade dos gestos comportamentais no cotidiano”.
Esse aranzel de propostas é o menor dos desacertos da BNC. Cedendo às pressões de movimentos sociais e ONGs, os especialistas anônimos fizeram um rosário de concessões ideológicas, opondo valores coletivistas e anticapitalistas a valores individualistas e liberais, enfatizando a importância de “políticas-cidadãs” e privilegiando os chamados “usos sociais da língua”. “Há forte amarração ideológica, o que tornará os livros didáticos politicamente corretos, mas com pouca orientação sobre o que deve ser ensinado e aprendido”, diz João Batista de Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
O enviesamento ideológico é explícito na disciplina de História, que chegou ao disparate de ignorar o que não fosse Brasil e África na versão do texto que circulou internamente no MEC. A proposta não incluía nem sequer uma cronologia dos acontecimentos históricos que forjaram as sociedades. No caso do Brasil, ela valorizava fenômenos contemporâneos, como discriminação racial, para discutir a questão da escravidão e dos indígenas. O documento era tão disparatado que o MEC pediu aos seus autores que refizessem a parte relativa à disciplina de História. “Eles queriam partir do presente para ver o passado. Propunham estudar revoluções com participação de escravos ou índios, deixando de lado a Inconfidência Mineira”, conta o ex-ministro Renato Janine Ribeiro.
Apesar da nova redação, feita a contragosto pelos especialistas anônimos, o enviesamento ideológico não foi abrandado no texto divulgado pelo MEC. Ao mesmo tempo que a ágora grega, a Idade Média, o Renascimento e o Iluminismo foram relegados para segundo plano, são destacadas revoltas populares pouco conhecidas. Também são enfatizados períodos de luta contra a opressão e desprezados processos históricos que levaram à formação das modernas sociedades ocidentais, com base no princípio da igualdade dos indivíduos perante a lei. Em nome da valorização de “sujeitos, grupos sociais, comunidades e lugares de vivências”, a BNC propõe dois anos de ensino sobre os “mundos ameríndios, africanos e afro-brasileiros” e só um ano sobre os “mundos europeus e asiáticos”, tornando a história ocidental periférica.
“A proposta mutila processos globais. Aposta na sincronia contra a diacronia. É fanática pelo presentismo. Incentiva ódios raciais e valores terceiro-mundistas superados. Combate o eurocentrismo com um brasilcentrismo inconsistente. É uma aposta no obscurantismo”, adverte Ronaldo Vainfas, professor de História Moderna da Universidade Federal Fluminense. Destinada ao lixo da história, a BNC é o epitáfio de um governo que prometeu fazer do Brasil uma pátria educadora e a converteu em laboratório de pedagogia populista e doutrinação ideológica.
Fonte: O Estado de São Paulo 
 

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A barbárie, o medo e a comoção em um mundo mais perigoso

Massacre em Paris expõe o fracasso das superpotências no combate ao terror, obriga França e seus aliados a suprimir liberdades individuais e mostra que esta será uma guerra difícil de ser vencida

Poucas horas depois dos atentados que mataram 129 pessoas em Paris, uma mulher parou diante da boate Bataclan, um dos palcos das atrocidades, retirou um bloco de anotações da bolsa e leu em voz alta um poema do inglês John Donne: “Quando um homem morre eu sou atingido, porque pertenço à humanidade. Jamais me pergunte por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”. Seria difícil encontrar versos mais apropriados. O massacre perpetrado por terroristas do Estado Islâmico não atingiu apenas o coração da França. Ele lacerou toda a civilização. Por mais que a capital francesa tenha se tornado o alvo preferencial de um crescente número de extremistas, é a humanidade que se quer atingir. 


CAÇADA
Atirador se posiciona atrás de igreja na busca por terroristas
 
Os terroristas alvejaram quem não está em combate, aniquilaram os que não se envolveram com guerra alguma. Ao atirar a esmo, abatendo qualquer um, o EI acabou ferindo o mundo inteiro. A França não é uma escolha aleatória. Apesar de todas as suas imperfeições, ela encarna, em diversos aspectos, o que há de melhor nas sociedades desenvolvidas. Os franceses valorizam as liberdades civis, prezam a diversidade de religiões, respeitam o confronto de ideias. Com sua cólera sanguinária, o Estado Islâmico pretende destruir os preceitos que, desde o Iluminismo, subjugaram as trevas da era medieval. São essas trevas que os terroristas pretendem agora reavivar.

A sociedade livre enfrentará, daqui por diante, uma longa, difícil e perigosa jornada. Na quinta-feira 19, os deputados franceses aprovaram, a pedido do presidente François Hollande, a ampliação do estado de emergência no país pelo prazo de três meses. A medida ainda precisa passar pelo Senado. Na prática, isso pode implicar em uma série de reduções de liberdades individuais, com o fechamento de pontos turísticos, a imposição de toques de recolher e a restrição à circulação de veículos por determinadas áreas. O estado de emergência não é previsto na Constituição francesa, mas foi criado por uma lei aprovada em 1955, durante a luta dos argelinos pela independência. O ponto mais polêmico é que ela permite a realização de prisões administrativas e buscas sem mandado judicial. Até a quarta-feira, ao menos 130 operações desse tipo haviam sido feitas.  

Ao mesmo tempo, Hollande propõe mudanças na Constituição para “combater melhor o terrorismo”, incluindo medidas como o banimento de cidadãos franceses que retornam ao país, caso representem algum tipo de risco, e a inclusão do estado de emergência no texto. A imprensa francesa também especula que Hollande poderia alterar os artigos que tratam da cessão de “poderes excepcionais” ao presidente e do “estado de sítio”, em que parte das atribuições da polícia é transferida aos militares. O cenário lembra muito os eventos que se seguiram aos atentados de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, quando o Congresso americano aprovou, a pedido do ex-presidente George W. Bush, leis que permitiram a espionagem de cidadãos a fim de combater potenciais ameaças terroristas. Essas medidas culminariam, mais de uma década depois, no escândalo de grampos da Agência Nacional de Segurança (NSA), denunciados pelo analista Edward Snowden, hoje asilado na Rússia. 

Enquanto as consequências políticas e sociais do terror ainda eram avaliadas, as polícias e as Forças Armadas europeias realizavam operações para tentar capturar suspeitos de ligações com os atentados de Paris. Na terça-feira 17, na Alemanha, a polícia chegou a prender sete pessoas. Os detidos, seis homens e uma mulher, estavam em Alsdorf, uma pequena localidade perto da cidade de Aachen, próxima às fronteiras com a Holanda e a Bélgica. Todos acabaram liberados horas depois. Na quarta-feira, uma operação da polícia francesa com mais de 100 agentes atravessou a madrugada em Seine-Saint-Denis, subúrbio de Paris. Ao invadirem o prédio onde se escondia o belga Abdelhamid Abaaoud, de 28 anos, apontado como mentor dos ataques, os policiais foram surpreendidos por uma mulher-bomba que detonou os explosivos amarrados ao corpo. No tiroteio que se seguiu, Abaaoud foi morto. A identificação ocorreu apenas no dia seguinte, após análises de impressões digitais. Outras sete pessoas, acabaram detidas.

Ao mesmo tempo, a França intensificou suas ações contra bases do Estado Islâmico na Síria, bombardeando, com ajuda dos caças Rafale, mais de 30 alvos apenas na noite de terça-feira. No dia seguinte, o porta-aviões nuclear Charles de Gaulle partiu em direção ao Mediterrâneo Oriental para dar apoio às operações na Síria. Com outros 20 caças Rafale a bordo, ele triplicará a capacidade de ação francesa na região. 

PÓS BIN LADEN
Para entender o real significado do desafio que se coloca diante do mundo civilizado é preciso conhecer o inimigo que se quer derrotar. O Estado Islâmico é o oponente mais temerário que França, Estados Unidos e outras potências ocidentais jamais enfrentaram. O Isis nasceu em 1999 e, desde então, nutriu-se das guerras no Iraque e na Síria. A instabilidade política nesses dois países, estimulada pelas investidas dos Estados Unidos, serviu de combustível para o avanço dos novos terroristas. “A invasão americana do Iraque desorganizou toda a região e permitiu a ascensão do Estado Islâmico”, afirmou na semana passada o senador democrata Bernie Sanders, pré-candidato à presidência dos Estados Unidos. “O Isis se beneficiou da fadiga da guerra na Síria, do desespero dos combatentes e dos vácuos de poder especialmente no norte do país”, disse à ISTOÉ Christa Salamanda, especialista em assuntos da Síria da Universidade de Nova York.

Quando os Estados Unidos mataram Osama Bin Laden, em 2011, o presidente americano promoveu um espetáculo midiático. Ele foi a público anunciar o fim da caçada ao líder da Al-Qaeda. “Daqui por diante, o mundo será um lugar mais seguro”, disse um jubiloso Obama. A declaração revelou-se uma farsa. “Em termos práticos, a morte de Bin Laden teve pequeno impacto sobre os grupos jihadistas do tipo Al-Qaeda, cuja maior expansão ocorreu depois”, escreveu o correspondente de guerra Patrick Cockburn, no livro “A Origem do Estado Islâmico”. O fim do terrorista que orquestrou os atentados de 11 de setembro de 2001 não só não teve qualquer efeito no combate ao terror como abriu espaço para a ascensão do Isis. Após a morte de Bin Laden, o presidente cometeria outro erro estratégico, ao afrouxar o cerco aos extremistas e demonstrar certo desinteresse pela facção que ganhava corpo. “Os Estados Unidos baixaram as armas e, desde então, não demonstraram qualquer esforço para destruir o Estado Islâmico”, afirma William Harris, professor de política na Universidade de Princeton e da Universidade do Oriente Médio, em Ankara, na Turquia.

CONEXÃO DIGITAL
O Estado Islâmico expandiu-se também porque é filho da era digital. Os terroristas se apoiaram nas redes sociais para divulgar crueldades como decapitações e afogamentos e passaram a recrutar fanáticos por meio de páginas como o Facebook. Daí surge a dificuldade em combater um inimigo que pode estar hoje em qualquer lugar – na periferia de Paris, num café em Nova York, num trem em Madri. “O Estado Islâmico representa um novo paradigma do terrorismo internacional, principalmente pelo uso sistemático e estratégico do cyberpower”, diz Sidney Leite, especialista em terrorismo da Universidade de Leiden, na Alemanha. “Basta uma pessoa e um smartphone carregado para fazer a guerra”, diz José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ. “ Um terrorista pode organizar um atentado sem sair de um quarto de hotel.”

Para formar seu batalhão, os membros do Isis adotam estratégias eficazes de sedução. No primeiro estágio são localizados os alvos, jovens que demonstrem publicamente descrença na democracia ou que adotem um discurso de que a sociedade caminha para a perda dos valores. Na segunda etapa, em páginas e sites populares, os membros iniciam conversas de forma aberta com esses alvos, sem revelar a verdadeira intenção ou sequer que pertencem ao Estado Islâmico. A abordagem se dá em questões voltadas para os conceitos de liberdade, democracia e justiça. Aos poucos, o contato migra para áreas mais particulares do mundo virtual: uma conversa restrita via Facebook ou mensagens diretas no twitter. Quando se estabelece uma relação de confiança, a comunicação se dá via whatsapp ou snapchat, aplicativos preferidos pelos adolescentes. A partir daí começa o trabalho de doutrinamento. O Estado Islâmico se apresenta como o caminho para reencontrar a identidade perdida e descobrir os verdadeiros valores espirituais. Como combater um inimigo tão atento à angústia dos jovens?

Como nenhum outro grupo terrorista e como a Al Qaeda jamais sonhou realizar o Estado Islâmico levou a espetacularização de suas ações ao grau máximo de eficiência. A produção de vídeos macabros envolve aparelhos modernos, inúmeras câmeras, edição e qualidade de imagem que se assemelham à estrutura de trabalho das grandes empresas televisivas.  Enquanto os pronunciamentos do saudita Bin Laden eram feitos via webcam e transmitidos de uma caverna por um surrado laptop, os membros do Isis usam os mais avançados aplicativos de divulgação. “Os vídeos do Estado Islâmico se tornaram poderosas armas de publicidade”, diz o professor Niemeyer, que aponta outra referência histórica para efeitos de comparação. “As estratégias narrativas de vídeo remontam aos anos 30 do século passado, em especial à famosa cineasta nazista Leni Riefenstahl e ao próprio Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler.”

XENOFOBIA
Os atentados em Paris mostraram que o mundo poderá mergulhar em um período de sombras. A intolerância é o mal que ameaça as conquistas que surgiram principalmente depois da integração europeia. Todos os oito terroristas identificados eram cidadãos europeus. Sabe-se que o passaporte sírio achado junto ao cadáver de um nono extremista chegou a Paris traçando a rota dos refugiados, mas autoridades suspeitam que o documento seja falso. Mesmo assim, Polônia e Letônia começaram a impor barreiras para refugiados, enquanto o primeiro-ministro eslovaco declarou que a imigração traz enormes riscos à segurança. Mesmo Bélgica, França e Itália estão limitando o acesso de estrangeiros, e no Reino Unido mais de 400 mil pessoas assinaram uma petição pedindo o fechamento de fronteiras. “Provavelmente não será permitido que imigrantes entrem na União Europeia da forma caótica como vem ocorrendo”, afirma Demetrios Papademetriou, presidente do Instituto de Políticas de Imigração no continente. “As conversas agora são todas sobre o endurecimento dos controles de entradas.”

Se a crise dos refugiados está no foco das atenções, os ataques podem ter consequências maiores para a comunidade árabe que vive na Europa. Ela está mais exposta à falta crônica de trabalho, à criminalidade e à radicalização religiosa. “O maior desafio é que as agências de segurança consigam atuar de uma forma seletiva e regrada, em vez de arbitrária”, diz o cientista político Stathis Kalyvas, professor da Universidade de Yale. “Caso contrário, o problema poderá ser multiplicado pela violência e discriminação.” O Estado Islâmico não vai destruir a Europa, como anseiam os fanáticos, mas a França e seus aliados precisam ser firmes no combate ao mais perverso inimigo que o Ocidente jamais enfrentou.

Fonte:  Com reportagem de Camila Brandalise, Ludmilla Amaral, Raul Montenegro
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