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sábado, 7 de dezembro de 2019

Na base da ignorância - Editorial - IstoÉ

O fundamentalismo radical da esquadra bolsonarista está posto. O presidente não enxerga outro método. Não concebe nenhuma ponte de entendimento. Difama, calunia, mente e persegue sem limites. Que chefe da Nação é esse? Como é possível anuir ao festival de aberrações que ele professa. A mentira é sua arma mais corriqueira. Usa dela em quase todas as circunstâncias, a fim de provocar ondas de fúria contra seus supostos adversários. Devia ter vergonha na cara. Não tem. Nem se constrange. Sem provas, sem qualquer amparo em fatos e sem respeito à liturgia do cargo que ocupa, o mandatário parte a acusações.

Até o ator americano e ambientalista Leonardo Di Caprio foi alvo recente de sua ira irônica, apontado por ele como financiador de Ongs incendiárias. Nos seus termos, “Di Caprio é um cara legal, não é? Dando dinheiro para tocar fogo na Amazônia”. Seguem-se gargalhadas a afirmação. A galhofa disfarça o petardo. O efeito é reverberado nas redes, ambiente perfeito para a disseminação da fake news. Sem consequências ou freio. Nem Di Caprio, nem as tais Ongs estavam metidos no crime. Mas a versão serve a tumultuar a cena. Como ardil pusilânime, o presidente inicia qualquer ofensiva do tipo na base das suposições. Insinua para depois verter a hipótese em verdade. Na sua verdade! Na prática, uma mera versão ideológica da realidade. No mundo dos seguidores fanáticos dá certo. E as consequências, muitas vezes, são graves.

Contra os brigadistas de Alter do Chão, no interior do Pará, por exemplo, o enredo foi turbinado pelas aleivosias irresponsáveis de Bolsonaro. No programa ao vivo, que realiza semanalmente nas redes digitais, difamou: “estava circulando uma foto dos quatro ongueiros, vi agora há pouco aqui, parece que é verdadeiro, não tenho certeza, né, os caras vivendo em uma luxúria de fazer inveja para qualquer trilionário que anda pelo mundo. Ganhando a vida como? Tacando fogo na Amazônia”. É o presidente da República dizendo isso! Ele age como deputado lambe-botas do baixo clero que  sempre foi. Não se dá conta do papel assumido no Planalto e dos limites republicanos.As ilações contra os brigadistas não paravam de pé. Mesmo assim, eles foram presos. Submetidos à humilhação, cabelo raspado, algemas e exibição pública, na condição de malfeitores. Pais de família, com vergonha do que os filhos poderiam pensar deles naquela circunstância. Deu-se a rebordosa, nada havia contra eles. Foram soltos. A mácula na reputação ninguém tira. A milícia digital, atiçada, seguiu escrachando. Quem paga a injustiça lançada ao quarteto? Bolsonaro não cogita nem pedir desculpa. Causa espanto que ainda não tenha sido processado por nenhuma dessas disparidades. Dias depois, as áreas de queimadas na região apareceram cercadas de arame com placas de “vende-se”. Grileiros repetidamente tomam terras para faturar em cima.

Lá e alhures. Contra eles, nenhuma denúncia lançada. Seja formal ou informal. Bolsonaro apoia, abertamente, ruralistas e as suas causas. Quer agora permitir o comércio de toras cortadas das florestas (preservação que vá para as calendas). Abomina os direitos adquiridos de grupos sociais. Os indígenas são seu alvo preferido. Bolsonaro simplesmente não consegue aceitar que eles sejam donos por direito de enormes parcelas do território nacional. [o direito nem sempre representa bom senso e Justiça; e quanto a está na Constituição não significa, necessariamente que é decisão útil, baseada no bom senso e na própria Justiça.
Alguém em são consciência pode concordar que uma reserva indígena de 50.000 hectares seja destina a doze índios?
Por esse constitucional absurdo é que o Secretário especial de Assuntos Fundiários considera os índios os maiores latifundiários. ]
 Mas está na Constituição. O que fazer? A violência, na base da imposição na marra, é uma alternativa não descartada. Bolsonaro prega o porte de arma de ruralistas, tripudia líderes indígenas como Raoni e vai, enquanto isso, elevando a pressão ao máximo. Acaba de ser denunciado no Tribunal de Haia por crimes contra a humanidade. Justamente por menosprezar e atacar a causa indígena.

Bolsonaro não dá mostras de recuar, dá de ombros. Insiste nas mensagens truncadas em redes sociais como tática de conspiração. Uma tática não fundamentada, lançando tiros na base da roleta giratória. Elege “inimigos” virtuais ou os saca das circunstâncias para fazer valer seus objetivos ignóbeis e manter acesa a chama da fúria sociopata. Mesmo os mais próximos assessores estão contaminados. Na Fundação Palmares, um negro no comando nega o racismo, fala dos benefícios da escravidão e afronta o que chama de “negrada militante”. Um “capitão do mato”, nas palavras do próprio irmão. A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, que já colocou Jesus subindo numa goiabeira, fala agora em pote de sangue que levará a Nação a ser destruída por feitiçaria e sacrifícios.

A youtuber índia Ysani Kalapalo, mais nova aliada das pretensões bolsonaristas, diz, para o deleite do chefe Messias, que “índios esquerdistas fazem baderna em Brasília”. O presidente da Funarte alega que o rock ativa as drogas, o sexo e a indústria do aborto e acusa os Beatles de serem comunistas. É o império da ignorância em vigor. Em todos os sentidos. Do conhecimento e do uso da força bruta onde necessária. A fórmula explosiva do capitão reformado, que se alastra como praga aparelhando o Estado, não recorre apenas ao conservadorismo moralista.
Apela ao populismo autoritário. Empurra o País à insensatez. Um presidente dado a digressões tão infames precisa ser contido pelos poderes constituídos. Antes que seja tarde.

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três