Já
passou da hora de o Brasil discutir seriamente a questão da
estabilidade no serviço público, princípio absolutamente desvirtuado
Uma
nação que pretenda avançar em seu processo de amadurecimento
democrático deve ter coragem de enfrentar o debate acerca de certos
temas controvertidos, não raro tachados indevidamente como tabus. Não é
salutar para a democracia haver questões intocáveis a priori, sobretudo
quando a discussão pode ajudar a encontrar os meios de fazer da
eficiência e da moralidade inarredáveis virtudes balizadoras da
administração pública. Já passou da hora de o Brasil discutir
seriamente a questão da estabilidade no serviço público, um princípio
pertinente em sua origem – proteger os servidores contra eventuais
desmandos de governantes de ocasião –, mas absolutamente desvirtuado no
curso de nossa história, tanto por sua manipulação como instrumento de
acomodação de interesses políticos e eleitorais como por sua
transmutação em mero subterfúgio para encobrir incompetência e desídia.
A
concorrida disputa por uma vaga no serviço público é um eloquente
indicador de que a estabilidade e o regime de aposentadoria diferenciada
são os seus maiores atrativos quando contrapostos às pressões da
incerteza a que estão submetidos aqueles que trabalham na iniciativa
privada. Não por acaso, ingressar no serviço público é uma empreitada
que milhões de brasileiros alçam à condição de objetivo fundamental e à
qual são capazes de dedicar preciosos anos de suas vidas produtivas.
Entretanto,
o que poderia ser justamente tomado como um triunfo pessoal por aqueles
aprovados em rigorosos processos seletivos e como uma salvaguarda da
qualidade e da eficiência na prestação de serviços públicos à sociedade
pelos profissionais mais capacitados, em muitos casos, descamba para a
acomodação de funcionários incompetentes ou relapsos que se abrigam sob o
manto da estabilidade. Vale dizer, o princípio que se presta a proteger
o servidor de um abuso acaba por se voltar contra o público ao qual ele
deve servir.
Para corrigir essa distorção, a senadora Maria do
Carmo (DEM-SE) apresentou em abril o Projeto de Lei do Senado (PLS)
116/2017, que pretende regulamentar o dispositivo constitucional que
prevê a demissão de funcionários públicos por insuficiência de
desempenho. Desde o início de junho, o PLS tramita na Comissão de
Constituição, Justiça e de Cidadania do Senado, onde aguarda parecer do
senador Lasier Martins (PSD-RS).
De acordo com o texto em
discussão na Câmara Alta, todos os órgãos e entidades da administração
pública direta, autárquica e fundacional dos Três Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos municípios deverão realizar a
avaliação de desempenho de seus respectivos servidores a cada semestre,
assegurada a publicidade dos critérios de avaliação, bem como o direito
ao contraditório e à ampla defesa. Antes de ser exonerado, um servidor
público deverá passar por um processo de avaliação de desempenho que
durará, no mínimo, dois anos. Portanto, não se trata de um processo de
demissão sumária e tampouco imotivada.
Não se pode olvidar ainda o
reflexo que o fim da estabilidade teria no equilíbrio das contas
públicas em caso de crise fiscal. A Constituição já autoriza a
exoneração de servidores estáveis, não estáveis e ocupantes de cargos de
confiança nos casos em que os limites de endividamento dos entes
federativos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal são
ultrapassados em 95% do teto: 50% para a União e 60% para Estados e
municípios.
É de fundamental importância para o País que o
Congresso se debruce sobre a revisão de tal dispositivo constitucional,
de modo a contemplar o cenário de déficit na arrecadação, e não apenas
os casos de aumento do custeio da folha do funcionalismo. O fim
da estabilidade no serviço público – tal como é hoje entendida essa
prerrogativa, isto é, como um privilégio – seria um importante passo em
direção à profissionalização e ao aumento da eficiência da administração
pública, valorizando aqueles servidores vocacionados que estão à altura
da nobre função social que exercem.
Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo
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segunda-feira, 31 de julho de 2017
A estabilidade no serviço público
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