Vivemos numa atmosfera de exaltação de direitos. Nenhum desperta tanta veneração quanto o conjunto de “direitos trabalhistas"
Publicado na Revista Exame
Entre os diversos prodígios do mundo em
que nos coube viver neste começo de século 21, ganha destaque cada vez
maior a multiplicação geométrica dos especialistas em criar direitos sem
criar deveres — ou sem perguntar se há meios objetivos para fazer valer
tais direitos, qual é seu custo e outros detalhes incômodos. Nunca dá
certo. Direitos em abstrato, como deveria estar bem claro já há muito
tempo, não são nada; só existem se puderem ser assegurados no plano das
realidades.
Mas esse tipo de consideração tem peso
nulo para os que operam as fábricas de produzir dádivas, quase sempre
com dinheiro público. Os burocratas sociais, presentes nas máquinas dos
governos e nas organizações internacionais, não querem saber qual será o
resultado prático de suas decisões — o que querem é se colocar na
função de vigilantes do bem geral, imaginando, ou fingindo imaginar, que
é possível fornecer felicidade por meio da redação de atos
administrativos. O resultado, sobretudo em países subdesenvolvidos como o
Brasil, é que temos, cada vez mais, direitos que nascem mortos; só
sobrevivem nas declarações ou nas leis que os criaram. São apenas uma
folha de papel ou um arquivo digital — nada mais.
A produção de direitos chegou a tal nível
de desenvolvimento e velocidade que as pessoas, hoje em dia, nem sabem
mais a quantidade de benefícios que têm. Os países da Comunidade
Econômica Europeia, por exemplo, criaram ainda há pouco um “Pilar de
Direitos Sociais” que estabelece não menos que 20 novos princípios e
direitos a ser desfrutados por seus cidadãos. Além de declarar que as
regras de proteção que já existem não podem ser modificadas, por fazer
parte do conjunto de “direitos adquiridos”, o documento se propõe a
estabelecer as bases para a criação de uma “economia social de mercado”
na Europa — combinação de palavras que promete ir longe.
Com essa intenção, ficou estabelecido,
entre outros portentos, que os jovens passam a ter o direito oficial de
não sofrer privações. Os desempregados, pelo mesmo código, terão direito
a atendimento pessoal por parte das repartições públicas encarregadas
de encontrar um emprego para eles — atendimento “sob medida”, como está
escrito no texto. Quem não dispõe de condições para ser admitido numa
empresa moderna, ligada à “economia do conhecimento”, ganha o direito a
cursos individuais de aprendizado em ciências tecnológicas.
Há direitos específicos a moradias
confortáveis, de dimensões adequadas e com localização em espaços
urbanos desejáveis. Chegou-se a pensar num salário mínimo igual para
todos os países da CEE, equivalente a 60% do salário médio da Europa — e
por aí vamos. O Brasil, justamente neste momento, está
vivendo numa atmosfera de exaltação fervorosa de direitos, incluindo os
que não existem na prática ou não podem ser desfrutados pelos cidadãos.
Nenhum deles desperta tanta veneração quanto o conjunto de “direitos
trabalhistas” — inclusive o direito sagrado de pagar o imposto sindical,
uma coisa realmente extraordinária em matéria de vigarice mental ao
apresentar como benefício o que é apenas uma extorsão de dinheiro em
benefício dos proprietários dos sindicatos brasileiros.
Quem sabe, então, transformar o imposto
sindical num tributo de pagamento voluntário, como sugere timidamente
a reforma trabalhista ora em debate? Nem pensar. Imexível. Crime contra a
humanidade. Os comandantes da contrarreforma, na linha da Igreja
Católica depois de Lutero, tratam como heresia qualquer mudança na
legislação atual — e encontram apoio nas pesquisas de opinião, nas quais
os que são “contra a reforma trabalhista do governo” já se aproximam
dos 100%.
A pergunta que lhes fazem, no fundo, é se
são a favor ou contra a eliminação de seus direitos. Que resposta alguém
pode dar a uma indagação dessas? Não se menciona, jamais, que há 14
milhões de desempregados que hoje não podem exercer seus direitos
trabalhistas por ser trabalhadores sem trabalho. O que vale é gritar
mais alto.