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sábado, 1 de julho de 2017

J.R. Guzzo: Fábrica de dádivas

Vivemos numa atmosfera de exaltação de direitos. Nenhum desperta tanta veneração quanto o conjunto de “direitos trabalhistas"

Publicado na Revista Exame

Entre os diversos prodígios do mundo em que nos coube viver neste começo de século 21, ganha destaque cada vez maior a multiplicação geométrica dos especialistas em criar direitos sem criar deveres — ou sem perguntar se há meios objetivos para fazer valer tais direitos, qual é seu custo e outros detalhes incômodos. Nunca dá certo. Direitos em abstrato, como deveria estar bem claro já há muito tempo, não são nada; só existem se puderem ser assegurados no plano das realidades.

Mas esse tipo de consideração tem peso nulo para os que operam as fábricas de produzir dádivas, quase sempre com dinheiro público. Os burocratas sociais, presentes nas máquinas dos governos e nas organizações internacionais, não querem saber qual será o resultado prático de suas decisões — o que querem é se colocar na função de vigilantes do bem geral, imaginando, ou fingindo imaginar, que é possível fornecer felicidade por meio da redação de atos administrativos. O resultado, sobretudo em países subdesenvolvidos como o Brasil, é que temos, cada vez mais, direitos que nascem mortos; só sobrevivem nas declarações ou nas leis que os criaram. São apenas uma folha de papel ou um arquivo digital — nada mais.

A produção de direitos chegou a tal nível de desenvolvimento e velocidade que as pessoas, hoje em dia, nem sabem mais a quantidade de benefícios que têm. Os países da Comunidade Econômica Europeia, por exemplo, criaram ainda há pouco um “Pilar de Direitos Sociais” que estabelece não menos que 20 novos princípios e direitos a ser desfrutados por seus cidadãos. Além de declarar que as regras de proteção que já existem não podem ser modificadas, por fazer parte do conjunto de “direitos adquiridos”, o documento se propõe a estabelecer as bases para a criação de uma “economia social de mercado” na Europa — combinação de palavras que promete ir longe.

Com essa intenção, ficou estabelecido, entre outros portentos, que os jovens passam a ter o direito oficial de não sofrer privações. Os desempregados, pelo mesmo código, terão direito a atendimento pessoal por parte das repartições públicas encarregadas de encontrar um emprego para eles — atendimento “sob medida”, como está escrito no texto. Quem não dispõe de condições para ser admitido numa empresa moderna, ligada à “economia do conhecimento”, ganha o direito a cursos individuais de aprendizado em ciências tecnológicas.

Há direitos específicos a moradias confortáveis, de dimensões adequadas e com localização em espaços urbanos desejáveis. Chegou-se a pensar num salário mínimo igual para todos os países da CEE, equivalente a 60% do salário médio da Europa — e por aí vamos.  O Brasil, justamente neste momento, está vivendo numa atmosfera de exaltação fervorosa de direitos, incluindo os que não existem na prática ou não podem ser desfrutados pelos cidadãos. Nenhum deles desperta tanta veneração quanto o conjunto de “direitos trabalhistas” inclusive o direito sagrado de pagar o imposto sindical, uma coisa realmente extraordinária em matéria de vigarice mental ao apresentar como benefício o que é apenas uma extorsão de dinheiro em benefício dos proprietários dos sindicatos brasileiros.

Quem sabe, então, transformar o imposto sindical num tributo de pagamento voluntário, como sugere timidamente a reforma trabalhista ora em debate? Nem pensar. Imexível. Crime contra a humanidade. Os comandantes da contrarreforma, na linha da Igreja Católica depois de Lutero, tratam como heresia qualquer mudança na legislação atual — e encontram apoio nas pesquisas de opinião, nas quais os que são “contra a reforma trabalhista do governo” já se aproximam dos 100%.

A pergunta que lhes fazem, no fundo, é se são a favor ou contra a eliminação de seus direitos. Que resposta alguém pode dar a uma indagação dessas? Não se menciona, jamais, que há 14 milhões de desempregados que hoje não podem exercer seus direitos trabalhistas por ser trabalhadores sem trabalho. O que vale é gritar mais alto.

 Fonte: Coluna do Augusto Nunes - VEJA

 


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