É preciso continuar olhando também as empresas menores e as famílias pobres
Bancos devem lançar nos próximos dias um novo pacote de financiamento,
estimado inicialmente em cerca de R$ 50 bilhões. Depois de recusar apoio
a micro, pequenas e médias empresas no começo da crise, o setor
financeiro poderá entrar para valer no esforço para impedir uma
devastação dos negócios. “Nenhum banco tem interesse em que uma empresa
quebre. É o pior cenário”, disse o presidente do Bradesco, Octavio de
Lazari, numa entrevista da série Economia na Quarentena, promovida pelo
Estado.
De fato, é o pior cenário, mas os dirigentes do setor bancário
nem sempre têm agido segundo esse ponto de vista. Neste momento as
palavras do entrevistado são especialmente oportunas. Hoje é preciso
enfrentar ao mesmo tempo uma epidemia de alta letalidade e desafios
econômicos muito diferentes daqueles da crise financeira de 2008-2009.
Nenhuma família pode julgar-se perfeitamente segura em relação ao novo
coronavírus. Da mesma forma, nenhuma empresa – ou setor de negócios –
pode considerar-se imune aos efeitos da retração no mercado interno e
nos mercados globais.
Qualquer ação para atenuar os danos da recessão tem duplo valor. Serve
como socorro aos atingidos e, ao mesmo tempo, tem um sentido preventivo.
Sem ser exatamente igual, assemelha-se ao esforço para achatar a curva
de progressão da covid-19. Trata-se de evitar o risco de uma quebradeira
descontrolada. Materializado esse risco, todos serão afetados. Mesmo os
maiores grupos, incluídos os financeiros, pagarão pelo desastre. Na
melhor hipótese, serão forçados a operar por longo tempo em ambiente de
retração muito severa, e, portanto, com oportunidades bem menores de
lucro. Pelo menos inicialmente, segundo o Estadão/Broadcast, o novo programa
será executado por um grupo de grandes instituições – Banco do Brasil,
Bradesco, Itaú Unibanco e Santander – lideradas pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Também se considerava, nos
últimos dias, a participação de algumas instituições menores. O pacote
foi concebido para aliviar prioritariamente alguns dos setores mais
afetados pela crise. O dinheiro deve ser dirigido em primeiro lugar a
empresas de energia, de transporte aéreo e do setor automotivo. Também
se considera a oferta de recursos a firmas do varejo, excetuadas
aquelas, como farmácias e supermercados, autorizadas a funcionar com
portas abertas durante o período de isolamento social.
Parte das empresas, com faturamento anual de até R$ 10 milhões, foi
contemplada com um pacote de R$ 40 bilhões elaborado pelo governo. Não
está claro, ainda, se esse crédito especial proporcionou alívio
suficiente ao enorme número de empresas com menor fôlego financeiro. A
maioria das firmas, segundo levantamento divulgado nos primeiros dias da
crise, mal teria caixa para aguentar um mês sem receita.
Bem visíveis no dia a dia da maior parte das pessoas, essas empresas
modestas – oficinas, lojas, quitandas, consultórios, açougues,
mercadinhos, escritórios e pequenas indústrias – são as maiores
geradoras de emprego e de sustento para as famílias brasileiras. Têm
visibilidade muito menor, no entanto, quando a economia é contemplada
através das lentes do mercado de capitais e do sistema financeiro. No primeiro ano do atual governo esse mundo ficou fora do foco da
política econômica. Foi notado quando se reconheceu a gravidade da crise
e o pessoal do Ministério da Economia se dispôs a olhar os detalhes do
Brasil real. Também foi preciso, nesse momento, incluir nas preocupações
o drama dos trabalhadores de baixa renda, formais e informais.
Com o novo pacote, inicialmente estimado em cerca de R$ 50 bilhões,
grandes empresas, muito importantes para a vida nacional, poderão sair
do sufoco. Mas será preciso continuar olhando, até com maior atenção, as
condições das empresas menores e das famílias mais vulneráveis. Não
basta proporcionar socorro por um trimestre ou pouco mais, mesmo na
hipótese de alguma retomada a partir de julho. A reação poderá ser lenta
e difícil e com risco de recaída.
Opinião - O Estado de S. Paulo