Ousadias
A reação do vice-presidente Michel Temer ao comentário de Marina Silva de que um governo do PMDB, devido a um eventual impeachment da presidente Dilma, seria uma ameaça à Operação Lava-Jato, dá a dimensão do debate político que se trava no país hoje. "Fico preocupado com essa manifestação de desconhecimento institucional por uma pessoa que foi candidata a presidente da República por duas vezes. Nenhum presidente tem poder de ingerência nos assuntos de outro Poder", respondeu Temer.
Marina não é a
primeira, embora seja até agora a voz mais representativa, a sugerir que uma
mudança de governo poderia afetar a Operação Lava-Jato. Sem intencionar, a
fundadora do partido Rede Sustentabilidade está avalizando uma lorota
governista segundo a qual todas as investigações e punições da Operação
Lava-Jato só acontecem por que a presidente Dilma deixa, sem interferir na
Polícia Federal e no Ministério Público
A
consequência dessa posição é a esdrúxula atitude do deputado petista w.d, ex-presidente da OAB, que teve a ousadia de afirmar que “criminalizar
Lula” seria “a ousadia das ousadias”. Aquele deputado só se tornou deputado por pressão
do ex-presidente, que moveu mundos e fundos para mudar a bancada petista na
Câmara justamente para que o ex-presidente da OAB tivesse uma tribuna para defendê-lo.
O deputado federal
petista Fabiano Horta deixou Brasília contra a vontade para assumir a
Secretaria de Desenvolvimento Econômico Solidário da prefeitura de Eduardo
Paes. Aquele deputado, w. d., trata Lula como uma pessoa “intocável”, acima das leis, quando o
avanço que está sendo feito pela sociedade desde o mensalão é justamente a
constatação de que não há mais aquela pessoa, político ou empresário, “to big
to jail” (Muito grande para ir presa).
O fato é que ainda
não estamos acostumados a essa mudança fundamental da Justiça brasileira, que
desde o julgamento do mensalão pegou de surpresa tanto criminalistas que
atuavam no processo quanto políticos envolvidos nele. Aquela posição de
independência de um Supremo Tribunal Federal (STF) nomeado em sua maioria pelo
governo Lula foi um momento decisivo na vida brasileira, que vem dando frutos
como a Operação Lava-Jato, agora munida de um instrumento que não foi usado no
processo do mensalão, a colaboração premiada.
O jurista Ayres
Brito, o responsável por colocá-lo em pauta e quem presidiu a maior parte do
julgamento do mensalão no STF, chama a atenção para a importância desse
mecanismo, destacado entre outros pelo filósofo Norberto Bobbio como “sanção
premial”, uma visão moderna da sanção jurídica, que não deve se limitar ao
caráter puramente punitivo, mas também prevê a recompensa.
Para os estudiosos
do tema, a operação Lava Jato traz inéditos cenários para a advocacia criminal
no Brasil, diante dos desafios postos pelos mecanismos investigatórios modernos
e pela qualidade dos trabalhos da acusação. Há uma quantidade enorme de
informações que circulam em investigações sigilosas. No plano concreto
dos processos e das investigações, sigilos bancários são quebrados
internacionalmente; cooperações estreitas são travadas entre autoridades
de países onde as contas bancárias antes eram sigilosas e fechadas;
colaborações de réus confessos ocorrem, apesar de naturais divergências e
contradições, com entregas de provas contundentes contra seus antigos
comparsas, incluindo filmagens, fotos, extratos e valiosas informações sobre o
caminho do dinheiro desviado dos cofres públicos.
Todo esse novo
contexto de tecnologias avançadas de investigação, e novos institutos como as
delações premiadas, ressaltam esses estudiosos, deixam em posição precária a
defesa criminal, que deveria adaptar-se às novas tecnologias e tendências.
Obviamente que os juízes não são escravos da opinião pública, pois se
subordinam à Constituição e às leis do país, mas certamente não ignoram as
repercussões e consequências sociais, econômicas e políticas de suas decisões.
A crise ética sem
precedentes que vivemos exige transparência de critérios nas decisões, e o
Judiciário - como qualquer outro Poder - presta contas de seus parâmetros. Daí
a razão pela qual a boa técnica, e o olhar profundo sobre as provas reunidas
numa operação do porte da Lava Jato, torna-se imprescindível, prevalecendo o
discurso mais consistente de quem conhece os autos.
O certo é que os
surrados discursos da presunção de inocência abstrata e sem conexão com análise
probatória, pura e simplesmente, já não têm a mesma força, diante das delações
premiadas que se fazem acompanhar de provas robustas.
Fonte: O Globo - Merval Pereira