Jânio pensou que o povo impediria sua saída, Bolsonaro tenta usar o povo para não ter que sair
A manifestação a favor, uma incoerência em termos numa democracia, só
serve a ditadores que precisam mostrar força popular, como Nicolas
Maduro na Venezuela.
Um presidente democraticamente eleito há cerca de cinco meses não
precisa disso, a não ser, como acho que está acontecendo, que se sinta
desconfortável com as limitações que as instituições democráticas lhe
impõem.
Por isso a manifestação do próximo fim de semana é contra o Congresso e
os políticos, contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e contra a
imprensa, justamente as instituições que têm como finalidade impedir que
o Poder Executivo exorbite de seus poderes, sobretudo em um
presidencialismo como o nosso, que dá preponderância quase imperial ao
presidente da República. Ainda bem que o presidente Bolsonaro, apesar de ter publicado em sua
rede social uma convocação para a manifestação, avalizando, portanto,
seus objetivos, desistiu de participar, como chegou a ser aventado. E
orientou seus ministros a não irem. Ao chamar à noite o presidente do
STF, Dias Tofolli, para uma conversa sobre a conjuntura atual, o
presidente Bolsonaro deu um sinal claro aos seus seguidores, confirmando
o que seu porta-voz dissera: não autoriza manifestações que oponham seu
governo aos outros poderes da República.
O que tira um ar oficialesco da convocação, que só o comprometeria.
Desde o início, aliás, o presidente deveria ter se apartado desses
movimentos que querem emparedar os demais poderes do Estado, mas esse
parece ser a sua natureza. Como é de seu feitio, a meu ver numa tentativa de testar até onde pode
ir, o presidente desde o início de seu governo vem voltando atrás em uma
série de medidas polêmicas, rejeitadas, ou pela opinião pública, ou
pelos líderes políticos. Um exemplo dessa atitude cambiante, que atribuo
a uma tática, é a autorização, vislumbrada no decreto de liberação de
porte de armas, para a venda de um fuzil antes classificado como de uso
restrito às forças de segurança do Estado.
A fábrica Taurus, que supostamente é especialista em decifrar normas e
legislações para ampliar seu escopo de venda, entendeu que o decreto
assinado por Bolsonaro a autorizava a vender tal fuzil. O mercado para esse tipo de arma, cujo modelo mais sofisticado, com
rajadas de balas, é muito usado por traficantes e milicianos, é tão
grande que existem 2 mil pessoas na fila de espera. Diante da reação negativa da maioria, que não pertence ao nicho
eleitoral dos Bolsonaros, o governo voltou atrás e garantiu que esse
tipo de fuzil continua de uso restrito. Vai ser necessário agora mudar o
texto do decreto pelo Congresso para que essa vedação fique explícita.
É certo que Bolsonaro foi eleito também por esse nicho eleitoral que se
prepara para sair às ruas em sua suposta defesa, como se estivesse sendo
coagido por “forças terríveis”, quiçá as mesmas que levaram Jânio
Quadros a denunciá-las e renunciar. Era também um líder populista que não se enquadrava nas limitações que a
democracia impõe. Jânio pensou que o povo impediria sua saída,
Bolsonaro tenta usar o povo para não ter que sair. Não há como negar que ele foi eleito também para aprovar a
flexibilização do porte e posse de armas, o que vem fazendo com rapidez
impressionante, ou para interferir no ensino numa direção oposta ao que
considera ser o “marxismo cultural”.
Só que ele não foi eleito apenas por aqueles que concordam com esses e
outros projetos. E é preciso negociar com a sociedade, através do
Congresso e da opinião pública vista de maneira ampla, bases para um
consenso nessas questões delicadas de valores e costumes. [uma negociação em que, curiosamente, as forças a favor de que só bandidos e policiais portem armas - estes com restrições - serão sempre as vencedoras.
Bolsonaro deve cumprir as suas promessas de campanha, sendo uma das principais a revogação total do 'estatuto do desarmamento' - que cada um seja livre para possuir e portar quantas armas quiser;
não vamos mais perder tempo lembrando que nos países com uma relação armas por habitantes bem superior a do Brasil, ocorrem menos homicidios.
A Suíça cada cidadão, ao término do serviço militar vai para casa, levando consigo um fuzil que fica sob sua guarda, sendo obrigado de tempos em tempos a comparecer a uma unidade militar para treinamento.]
Nesse ponto voltamos ao fulcro do debate, às tais limitações
institucionais que Bolsonaro parece querer superar pela pressão popular.
Ele tem razão em criticar as corporações que impedem as mudanças, mas
não conseguiu que sua própria corporação, a dos militares, abrisse mão
de muitas das condições especiais que tem.
Sem dúvida é preciso levar em conta as características específicas da
atuação das Forças Armadas, mas há também outras corporações com
especificidades a serem analisadas, como a dos professores, e esse é o
problema das mudanças, em todos os países. [os professores do básico e do intermediário - que ganham pouco, trabalham muito e em péssimas condições de trabalho; os professores das universidades tem muitos com o salário ultrapassando, em muito, o teto estadual ou mesmo federal.
Na USP tem um que recebe pouco mais de R$60.000,00.]
A negociação deve ser feita, então pelo Congresso, e, mais uma vez tem
razão, não pode se dar em troca de favores menores. Mas não é desafiando
o Congresso que o governo vai conseguir fazer as reformas.