Análise Política
O andamento das colaborações referentes ao 8 de janeiro exige alguma
cautela na interpretação, mas as versões trazidas até agora não
autorizam muito otimismo sobre provar o envolvimento institucional
necessário para caracterizar uma tentativa concreta de golpe de Estado.
Houve em toda a transição pós-eleitoral, e isso já se sabia, um desejo
de virada de mesa. E houve os acontecimentos daquele domingo. A
dificuldade, até agora, está em conectar os dois fatos.
Seria um golpe de Estado sem o Exército ou contra o Exército. Complicado.
Mas, como em toda investigação revestida de forte componente político,
aguardar é prudente. Um exemplo é a Lava Jato, que levou anos para
construir o arcabouço condenatório almejado pelos seus condutores. Ali,
métodos heterodoxos buscaram redesenhar um disseminado sistema de caixa
dois eleitoral, com elementos de corrupção política, como se fosse o
inverso. Ao final, as forçações de barra acabaram facilitando o
desabamento do castelo de areia.
E os que ontem caçavam hoje são caçados.
Agora, o cenário guarda alguma semelhança com o período 2014-18.
A Lava Jato pôde avançar sem maior resistência porque o sistema de
freios e contrapesos estava bem relativizado. Aqui e ali, vozes isoladas
pediam a observância do devido processo legal e questionavam a terra
arrasada empresarial, mas era só um registro. No mais, um alinhamento
quase perfeito (quem não impulsionava, recolhia-se a uma conveniente
passividade, muitas vezes em nome do “republicanismo") de vetores
facilitou a vida de Curitiba.
Como resolver? Difícil. A exemplo da guerra, na política os exércitos
avançam até alcançar os objetivos ou enfrentar resistência que imponha
mudança de cenário. Esta pode resultar de dificuldades econômicas, mas
regimes políticos sobrevivem a isso quando há coesão nos grupos
dominantes. Coesão que sempre é imposta por uma mistura de coerção e
consenso. Até aqui, o governo Luiz Inácio Lula da Silva vai bem na
aplicação da primeira e na construção do segundo.
Onde está a dúvida? O lavajatismo e seu produto político-eleitoral, o
bolsonarismo, talvez tenham acreditado que poderiam eliminar o petismo
só por meio da coerção. Se ambos tivessem compreendido que sua hegemonia
seria mais estável e duradoura caso trabalhassem para absorver no
sistema um petismo minoritário, porém legitimador, é possível que não
estivessem enredados nas atuais dificuldades. Mas o “se” não joga e
jamais saberemos.
Hoje, o vento venta no sentido da criminalização da direita, como um dia
ventou para criminalizar a esquerda. Qual será a resultante?
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político