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segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Lula 3 retoma política do ‘gasto é vida’ e deixa equilíbrio fiscal mais longe; leia análise - O Estado de S. Paulo

Ao completar o primeiro ano de seu terceiro mandato, presidente promove saques a descoberto, eleva a dívida do governo e recorre à ‘contabilidade criativa’ para aumentar despesas e maquiar resultados das contas públicas

Prestes a completar o primeiro ano de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já está deixando sua marca nas contas públicas – e o quadro que se revela até agora confirma, em boa medida, as previsões negativas feitas por muitos analistas desde antes da posse, em janeiro.

Com sua perspicácia e capacidade de articulação política, Lula tem conseguido contornar mecanismos de controle de gastos, sem deixar brechas para contestações legais, e está gastando muito além do que poderia, tingindo o Orçamento de vermelho e encorpando a dívida pública.

Neste ano, se não houver nova revisão nos dados oficiais, o governo deverá fechar suas contas com um saldo negativo de R$ 203,4 bilhões, segundo o Banco Central (BC), o equivalente a 1,9% do PIB (Produto Interno Bruto), sem contar os juros da dívida pública.

Exceto pelo resultado de 2020, no auge da pandemia, o déficit de 2023 interrompe uma série de cinco anos de melhora na situação fiscal do País, iniciada em 2017, primeiro “ano cheio” do governo Temer, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Somando a esse resultado o valor gasto com o pagamento dos juros da dívida, o buraco no ano deverá ficar em torno de R$ 800 bilhões ou 7,5% do PIB, de acordo com estimativas feitas a partir dos números mais recentes do BC. 
Com isso, a dívida bruta, que havia caído para 72,9% do PIB em 2022, depois de atingir o pico histórico em 2020, está empinando de novo. 
Até o fim de outubro, conforme os dados do BC, já estava em 74,7% do PIB. E, de acordo com projeções de analistas de mercado, deverá continuar a crescer, chegando a 78,5% do PIB em 2025 e superando os 80% do PIB em 2026, no fim do governo Lula. “Para o PT, o importante é o governo gastar para estimular a economia e fazê-la crescer”, diz Marcos Mendes, doutor em economia e pesquisador associado do Insper, uma escola de negócios, direito e engenharia de São Paulo. “Para eles, desajuste fiscal não leva ao aumento da inflação, ao aumento dos juros, ao aumento dos riscos, das incertezas. Déficit fiscal só tem o lado bom, porque as pessoas compram mais, as empresas investem mais, a economia roda. É assim que funciona a cabeça deles.”

Embora o rombo de 2023 esteja dentro da “licença para gastar” que Lula obteve do Congresso antes mesmo de tomar posse, ele supera de longe o déficit de 0,5% do PIB, depois reajustado para 1% do PIB, prometido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao longo do ano.

Como o presidente brecou qualquer iniciativa de contenção de gastos, as despesas acabaram sendo maiores do que as previstas por Haddad, e as receitas, menores, apesar de seu empenho em implementar sua pauta arrecadatória, para tentar reduzir o estrago causado pela gastança nas contas públicas. “As medidas de aumento de arrecadação não surtiram o efeito que o ministro desejava”, afirma Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter. “As despesas estão crescendo bem mais do que as receitas e o que preocupa é que não existe debate sobre a necessidade de controlar o aumento dos gastos.”

Haddad até corre atrás de receitas adicionais, já que não tem autorização do chefe para cortar despesas, com o objetivo de aliviar da melhor forma possível o déficit fiscal. Ainda que por vias tortas, por meio de medidas de aumento de impostos, algumas das quais dependendo de aprovação do Congresso, Haddad está tentando colocar um pouco de ordem na casa.

O problema é que, com a carga tributária na faixa de 35% do PIB, bem acima da média dos países emergentes, o espaço para o aumento da arrecadação e a realização do ajuste pelo lado da receita é relativamente pequeno. “Se o governo quisesse, haveria espaço para controlar despesas, mas existe pouca vontade para fazer isso”, diz Rafaela.

Depois do impeachment, com a adoção do teto dos gastos, que limitava as despesas de um ano às do ano anterior corrigidas pela inflação, o panorama fiscal se manteve mais ou menos sob controle. 
As despesas totais do governo nesse período caíram de forma significativa, de 19,9% do PIB em 2016 para 18,2% em 2022, com o congelamento dos salários do funcionalismo, a reposição parcial dos funcionários aposentados e a suspensão de concursos públicos. 
A reforma da Previdência, cujo rombo crescia em progressão geométrica, também deu uma forte contribuição para melhorar a situação. 
Além disso, a inflação e os juros, que na época de Dilma estavam em alta, vêm caindo de forma progressiva nos últimos meses. “Nós sabemos que a situação fiscal não vai garantir a sustentabilidade da dívida pública, mas também não vai deteriorá-la muito. Agora, em algum momento, nós vamos precisar fazer um ajuste equivalente a 2% ou 2,5% do PIB para estabilizar o crescimento da dívida”, afirma o economista Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho de administração da Jive Investiments e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central. “Uma coisa que ajuda o Brasil é que o mundo também não está uma beleza do ponto de vista fiscal. Se houvesse um concurso internacional de bruxas, o Brasil com certeza não seria a bruxa mais feia da disputa”, diz.

Mesmo assim, o atual quadro fiscal do País recomenda certa moderação nos gastos. Em tese, o novo arcabouço proposto pela Fazenda, aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula, deveria dar o norte na área fiscal a partir de 2024, em substituição ao teto de gastos, mantendo as contas públicas sob relativo controle. Mas, diante do rumo que as coisas estão tomando nas últimas semanas nesse campo, muitos analistas têm dúvidas de que o arcabouço de Haddad, que estabelece metas anuais de resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) e prevê contingenciamento (bloqueio) de gastos se o cumprimento das metas estiver em risco, conseguirá “parar em pé”.

Ainda que Lula tenha dado seu aval para o arcabouço, ele tem demonstrado desconforto com as metas previstas no dispositivo. Recentemente, depois de muita controvérsia, Haddad conseguiu convencer o presidente a deixar para trás, ao menos por enquanto, a ideia de rever a meta de déficit zero no ano que vem.

O presidente, no entanto, já disse que não vai cortar investimentos em infraestrutura e despesas nas áreas de educação e saúde, entre outras, nem realizar um eventual contingenciamento de verbas para cumprir a meta em 2024, o que reforça os temores existentes na praça em relação à sobrevivência do arcabouço.

(...)

Foi o que aconteceu, por exemplo, com os investimentos de até R$ 5 bilhões das estatais no âmbito do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), as despesas da bolsa para alunos de baixa renda do ensino médio, calculadas em R$ 20 bilhões, e os gastos com o seguro rural. Tudo isso foi excluído da meta.

O expediente tem levado vários economistas a dizer que a chamada “contabilidade criativa”, que prosperou no governo Dilma para mascarar a deterioração fiscal, está de volta à cena. 
Não por acaso, a média das previsões dos bancos, divulgada pelo BC no Relatório Focus mais recente, aponta para um rombo fiscal equivalente a 1% do PIB em 2024, bem acima da meta oficial. “Nós estamos de olho, não estamos deixando de ver o que está acontecendo”, diz Figueiredo.

O deputado federal Danilo Forte (União-CE), relator do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), até manteve a meta de déficit zero, a pedido do governo. Mas estabeleceu um limite máximo de R$ 22,3 bilhões para contingenciamento de despesas, o que inviabilizaria o cumprimento da meta, segundo técnicos da Câmara, já que o governo terá de fazer um bloqueio de pelo menos R$ 56 bilhões para ficar dentro do limite de gastos previsto no arcabouço.

Cheque especial ilimitado
Algumas lideranças do Congresso estão dizendo que o texto final da lei orçamentária libera o governo
de fazer qualquer contingenciamento de despesas para cumprir a meta. Na prática, isso significaria, se confirmado, que o Legislativo estaria concedendo a Lula um cheque especial ilimitado, para ele gastar como quiser, transformando o País numa espécie de “terra sem lei” no campo fiscal. A questão, de acordo com parlamentares que detectaram o problema, deverá ser alvo de questionamentos antes da votação da matéria pelo plenário e promete render muita controvérsia.Nos últimos dias, Lula voltou a fazer profissão de fé no receituário heterodoxo adotado em seu segundo mandato, levado ao limite por Dilma em seu governo, ampliando ainda mais as incertezas dos analistas em relação ao futuro do arcabouço e da gestão fiscal do País.

Centrado na política do “gasto é vida”, como dizia Dilma, com o alegado objetivo de turbinar o crescimento econômico, sem preocupação com o efeito negativo que isso possa ter nos cofres do Tesouro, esse modelo é encarado por Lula e pelo PT como uma alternativa ao que o partido chama de “austericídio”, em referência a um suposto impacto sinistro que a austeridade fiscal geraria na economia, em prejuízo das empresas e dos cidadãos.

“Se for necessário este país fazer endividamento para crescer, qual o problema?”, afirmou Lula, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão, realizada na semana passada, em Brasília. “Nós temos o caminho das pedras e temos de decidir agora se vamos retirar essas pedras ou não. Ou se a gente vai chegar à conclusão de que, por um problema da Lei de Responsabilidade Fiscal, de superávit primário, de inflação, não vai poder fazer (o que acha que tem de ser feito) e vamos todo mundo desanimar, voltar para nossa vidinha”, acrescentou o presidente, escancarando sua rejeição por dois princípios essenciais para a preservação da estabilidade econômica – o equilíbrio nas finanças públicas e a manutenção do poder de compra da moeda.

Curiosamente, como se fosse um movimento orquestrado, a fala de Lula se seguiu a declarações semelhantes de dirigentes e parlamentares do PT sobre o tema, realçando o benefício que a gastança do governo pode proporcionar para a legenda nas eleições municipais de 2024. O pleito é considerado essencial para alavancar a candidatura do presidente à reeleição e para ele garantir uma base mais amigável no novo Congresso, a ser eleito em 2026, caso seja o vencedor nas urnas. “Se tiver que fazer déficit, vamos fazer, ou a gente não ganha a eleição em 2024″, afirmou o deputado petista José Guimarães (CE), líder do governo na Câmara, em encontro eleitoral promovido dias antes pelo partido, também em Brasília. “Do ponto de vista econômico, o instrumento que temos hoje para usar é a política fiscal. É o Estado forte, é o Estado indutor, é o Estado que gasta; porque senão vamos ficar na mão de Banco Central, na mão desses liberais de mercado”, disse a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, no mesmo evento.

Também presente ao convescote petista, Haddad até contestou a visão de Gleisi, argumentando que a existência de déficit fiscal não garante crescimento econômico, mas foi uma voz quase isolada no encontro. Nem a experiência fracassada de Dilma no governo, com resultados desastrosos na economia, parece suficiente para fazer Lula e o PT mudarem de ideia em relação ao modelo perdulário de gestão encampado pelo presidente e pelo partido. “O pensamento econômico do PT é esse mesmo. A maioria das pessoas de esquerda não admite que as políticas adotadas na economia lá atrás foram a causa da grande recessão de 2015 e 2016″, diz Marcos Mendes. “Eles acham que tudo estava indo muito bem e que foi a Lava Jato, o processo de impeachment, alguma coisa no campo político que atrapalhou o projeto deles. Então, é natural que, ao voltar ao poder, retomem aquelas políticas que eles acreditam que estavam indo bem.”

Economia - O Estado de S. Paulo


sábado, 23 de setembro de 2023

A gangorra e o vento - Alon Feuerwerker

Análise Política

O andamento das colaborações referentes ao 8 de janeiro exige alguma cautela na interpretação, mas as versões trazidas até agora não autorizam muito otimismo sobre provar o envolvimento institucional necessário para caracterizar uma tentativa concreta de golpe de Estado. Houve em toda a transição pós-eleitoral, e isso já se sabia, um desejo de virada de mesa. E houve os acontecimentos daquele domingo. A dificuldade, até agora, está em conectar os dois fatos.

Seria um golpe de Estado sem o Exército ou contra o Exército. Complicado.

Mas, como em toda investigação revestida de forte componente político, aguardar é prudente. Um exemplo é a Lava Jato, que levou anos para construir o arcabouço condenatório almejado pelos seus condutores. Ali, métodos heterodoxos buscaram redesenhar um disseminado sistema de caixa dois eleitoral, com elementos de corrupção política, como se fosse o inverso. Ao final, as forçações de barra acabaram facilitando o desabamento do castelo de areia.

E os que ontem caçavam hoje são caçados.

Mas seria também precipitado debitar o fim inglório da Lava Jato e seus personagens às heterodoxias. 
A Lava Jato morreu, e os líderes dela estão em retirada ou em fuga, porque mudou a correlação de forças políticas e sociais. Os equívocos de Jair Bolsonaro na presidência foram centrais para a divisão do bloco histórico que o elegera em 2018. Na gangorra da política, quando um dos lados desce, o outro sobe. 
Quem matou a Lava Jato não foi o Telegram.

Agora, o cenário guarda alguma semelhança com o período 2014-18.

A Lava Jato pôde avançar sem maior resistência porque o sistema de freios e contrapesos estava bem relativizado. Aqui e ali, vozes isoladas pediam a observância do devido processo legal e questionavam a terra arrasada empresarial, mas era só um registro. No mais, um alinhamento quase perfeito (quem não impulsionava, recolhia-se a uma conveniente passividade, muitas vezes em nome do “republicanismo") de vetores facilitou a vida de Curitiba.

Na teoria, numa democracia como a nossa, o sistema de freios e contrapesos garante por si próprio que todos os núcleos de poder sofram alguma limitação para prevalecer sobre os demais. Na prática, a experiência brasileira comprova mais uma vez que depende. 
Se Executivo, Legislativo, Judiciário, imprensa e sociedade civil estão alinhados, ainda que algum ou mais de um deles esteja neutralizado, o mecanismo engasga. 
E, no limite, uma hora deixa de funcionar.

Como resolver? Difícil. A exemplo da guerra, na política os exércitos avançam até alcançar os objetivos ou enfrentar resistência que imponha mudança de cenário. Esta pode resultar de dificuldades econômicas, mas regimes políticos sobrevivem a isso quando há coesão nos grupos dominantes. Coesão que sempre é imposta por uma mistura de coerção e consenso. Até aqui, o governo Luiz Inácio Lula da Silva vai bem na aplicação da primeira e na construção do segundo.

Onde está a dúvida? O lavajatismo e seu produto político-eleitoral, o bolsonarismo, talvez tenham acreditado que poderiam eliminar o petismo só por meio da coerção. Se ambos tivessem compreendido que sua hegemonia seria mais estável e duradoura caso trabalhassem para absorver no sistema um petismo minoritário, porém legitimador, é possível que não estivessem enredados nas atuais dificuldades. Mas o “se” não joga e jamais saberemos.

Hoje, o vento venta no sentido da criminalização da direita, como um dia ventou para criminalizar a esquerda. Qual será a resultante?

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político


domingo, 23 de julho de 2023

A volta do moderador - Alon Feuerwerker

 Análise Política

Passados quase sete meses de presidência, Luiz Inácio Lula da Silva vai reconcentrando poder no Executivo com um método paradoxal apenas na aparência: essa reconcentração se dá sob a aparência de desconcentração.

O presidente aceita a dança e até oferece espaços para colher fidelidades. E, assim, vai reconstruindo o poder moderador, abolido formalmente com a República, mas informalmente presente ao longo deste quase século e meio de republicanismo. Poder cujo esvaziamento tem estado na base das crises que chacoalharam o país ao longo da década passada, com a prevalência de elementos centrífugos sobre os centrípetos.

Do que resultou uma multiplicação de centros de mando com boa autonomia em Brasília.   Jair Messias Bolsonaro conseguiu ter sucesso na sedução do Congresso Nacional, numa relação custo-benefício até melhor que a de Lula. Pois bastaram-lhe as emendas parlamentares, enquanto o petista precisa retroceder para a concessão generosa de cargos que evidentemente preferiria manter para os seus.

Mas o indivíduo não faz a história apenas com base em desejos, a realização deles está limitada às circunstâncias. Bolsonaro hipertrofiou as emendas parlamentares e, no final, o lero-lero em torno de “acabar com o orçamento secreto” não apenas manteve o caráter “secreto” de parte gorda do orçamento, mas também reduziu o poder dos presidentes das Casas, ao aumentar consideravelmente o volume de emendas de execução obrigatória.

Ampliando assim a margem de potencial independência do parlamentar em relação ao presidente da respectiva Casa e ao próprio governo. Ou seja, o preço político de formar uma base aumentou.
Para dificultar um pouco mais, as inclinações ideológicas do governo e do Legislativo opõem-se em algum grau.   
É menos natural um deputado ou senador de direita apoiar Lula do que era apoiar Bolsonaro. E isso tem um custo.

Daí o presidente ter de retroagir ao modelo pleno da “velha política”. Nessa operação, Lula leva duas vantagens sobre Bolsonaro. A primeira: o atual ocupante do Planalto, ao contrário do anterior, não está em guerra aberta contra as condições objetivas e a correlação de forças. Vai comendo pelas beiradas ou, como dizia Leonel de Moura Brizola, costeando o alambrado.

A segunda: o discurso udenista que inferniza a vida dos presidentes desde José Sarney anda fora de moda. Os atores e condutores tradicionais desse estilo teatral andam algo recolhidos, por 1) simples simpatia ou adesão ao novo establishment ou 2) não querer ser acusados de enfraquecer a democracia e ajudar o golpismo.

Assim, um período que começou como presidencialismo de coalizão com o Judiciário e em tensão com o Legislativo vai retomando a inércia da Nova República. E em condições até mais favoráveis ao poder, dada a crescente tolerância intelectual e social à restrição de certos direitos e prerrogativas previstos formalmente na Carta que a redemocratização de 1984-85 produziu.

A estabilidade desse azeitamento do arcabouço institucional costumeiro da política brasileira depende de o Executivo entregar resultados perceptíveis ao povão. Lula tem se empenhado em retomar programas de resultado setorial, o que sempre ajuda, mas é preciso prestar atenção aos grandes números.

A inflação vem caindo, mas a atividade começa a mostrar algum sofrimento.  
As previsões para o PIB melhoram, mas com base quase unicamente no crescimento explosivo do agro. 
Indústria e serviços, que geram mais emprego, continuam com projeções medíocres.
 
Alon Feuerwerker, colunista e analista político
 
 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Arcabouço não se sustenta sem alicerces - Alexandre Garcia

O arcabouço não se sustenta sem alicerces — é uma licença para gastar, que tem consequência na necessidade de arrecadar mais

O arcabouço só vai para o Congresso depois da Páscoa e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admite que é preciso ainda fazer uma revisão no texto. [revisão? aquele troço - que não tem lógica e menos ainda sustentação - tem que ser refeito para merecer ser ao menos apreciados pelo Congresso, ou não passa.
Querem uma licença para gastar, tentam explicar como conseguirão os recursos, mas as explicações não convencem ninguém - nem o chefão que nada sabe de economia]
Isso indica que o anúncio apressado na quinta-feira passada teve duas razões: não deixar a volta do ex-presidente Jair Bolsonaro ocupar sozinha o noticiário daquele dia e lançar um balão de ensaio, para saber como a novidade é recebida. 
No fundo, é uma proposta destinada a derrogar a Lei do Teto de Gastos — que saiu depois de um impeachment motivado por contas públicas. 
A Lei das Estatais também foi motivada pelos acontecimentos — aquilo que a Lava-Jato apurou, principalmente na Petrobras.
 
Como o governo quer gastar mais e para isso inchou-se em 37 ministros — e não quer que o rotulem de fura-teto, inventou um eufemismo para isso: arcabouço fiscal
Imediatamente os áulicos aderiram e passaram a chamar o fura-teto de arcabouço. Só que o arcabouço não se sustenta sem alicerces é uma licença para gastar, que tem consequência na necessidade de arrecadar mais.

Haddad acaba de informar que precisa arrecadar mais R$ 150 bilhões. Ou seja, cobrar mais R$ 150 bilhões dos brasileiros ainda neste ano. Nada mais simples e fácil que mandar cobradores de impostos aumentarem a arrecadação, como faziam os senhores feudais da idade média. Só que, como demonstra a Curva de Laffer, imposto demais desestimula a atividade econômica e faz cair a arrecadação.

Verdades
 O governo vai repetindo suas verdades, mas só os que têm preguiça de pensar ou os distraídos vão cair nesse 1º de abril repetido mil vezes. O Datafolha mostra o pessimismo subindo e o otimismo caindo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já percebeu isso: faz reunião com ministros e os convoca para uma cruzada de otimismo, que venda melhor a imagem do governo e exorta seus auxiliares a não caírem em lamentações. O problema é que muitos estão preocupados com seu próprio futuro.
 
O governo que precisa de propaganda, precisa ter bons produtos.  
O arcabouço vai entrar no Congresso já envolto em dúvidas sobre a qualidade do método e seus resultados.  
E por mais que esteja embrulhado em dourado, quem faz as contas, e vê que elas não fecham, sente-se embrulhado também. 
Aplicar o dinheiro dos impostos na prestação de bons serviços públicos é cumprir a principal tarefa de um governo.

Imposto não é para sustentar administração pública inchada para dar lugar a políticos de partidos que trocam a partilha do Poder Executivo com voto no Congresso.

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense


domingo, 2 de abril de 2023

‘Arcabouço levará a uma alta brutal da carga tributária’, diz ex-presidente do Banco Central - O Estado de S. Paulo

Entrevista: Afonso Celso Pastore

Para Affonso Celso Pastore, medidas não permitem queda na relação entre dívida e PIB sem aumento de tributos

Ex-presidente do Banco Central, Affonso Celso Pastore avalia que o governo vai precisar aumentar a carga tributária para que o arcabouço fiscal apresentado pela equipe economia dê conta de reduzir a relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB) do País. ”Se o governo aprovar esse arcabouço, ele obtém uma licença para aumentar gastos. Se ele não aumentar a carga tributária, o superávit primário não vai ser gerado”, disse Pastore.

Ao anunciar a regra fiscal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que iria propor novas medidas para acabar com “jabutis tributários” e ampliar a arrecadação em R$ 150 bilhões – o novo arcabouço depende do aumento das receitas do governo para ter sucesso.”Nós vamos ter de aumentar a carga tributária e a pergunta que fica para, talvez, o ministro responder é quem ele vai escolher para subir a carga. Essa equação só fecha com aumento brutal de carga tributária”, disse Pastore.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Qual é a avaliação do sr. em relação ao arcabouço fiscal apresentado pela equipe econômica?

O propósito do arcabouço é chegar a um superávit primário que permita reduzir a relação dívida/PIB. A única forma, com esse arcabouço, de alcançar resultados primários que reduzam essa relação é ter um enorme aumento de carga tributária. Estou pegando uma simulação feita pelo Marcos Lisboa e pelo Marcos Mendes (publicada no Brazil Journal) que aponta um aumento da ordem de 5,2 pontos de porcentagem do PIB. Isso não é factível. 
Esse arcabouço tem uma aritmética impecável, na qual o ministro Haddad conseguiu provar que, se a despesa crescer menos do que a receita, ele gera superávits primários, mas tem uma economia falha, que não garante o resultado.

Essa queda na relação dívida/PIB não será alcançada?

O objetivo do governo é aumentar gasto. Eu acho que esse objetivo ele atinge. Agora, não atinge o objetivo de reduzir a relação dívida/PIB.

Na leitura do senhor, esse arcabouço, então, não permite uma queda dos juros?

Em primeiro lugar, o simples fato de existir o arcabouço não leva a redução da taxa de juros. Ainda que o arcabouço fosse bom, o Banco Central não poderia fazer nenhum gesto. 
Ele teria de esperar que a inflação caísse para conseguir reduzir os juros. Não espero por parte do BC nenhum sinal nessa direção. 
 Eu só não entendo como é que o mercado financeiro teve uma reação positiva em relação a esse arcabouço. Isso eu não entendo. É uma coisa que nós vamos ver nas próximas semanas.

Vai haver uma decepção do mercado mais para frente?

Eu não sou psicólogo, não consigo interpretar como as pessoas têm a percepção dos eventos econômicos. Agora, eu digo o seguinte: para quem olha para aritmética, pode ter uma reação positiva, mas, para quem olha para a economia, a reação tem de ser extremamente negativa.

Por quê?

O ministro Haddad foi enfático em dizer que, se estão pensando em aumento de carga tributária, subindo as alíquotas dos impostos que já existem, não haverá aumento. Em segundo lugar, disse que iria buscar os jabutis. Um desses jabutis são os chamados fundos exclusivos. 
Não tenho nenhum problema com taxar fundos exclusivos. 
Agora, precisaria de uma arrecadação de 5% ao ano a mais nos anos seguinte. Aí teria de ir para as renúncias tributárias. Nós vamos ter de aumentar a carga tributária e a pergunta que fica para, talvez, o ministro responder é quem ele vai escolher para subir a carga.

Há um custo político grande de se mexer em renúncia tributária.

É complicado, mas tem de ser feito. Se ele quer levar esse arcabouço, vai ter de aumentar a carga, vai ter de dizer onde ele vai querer aumentar a carga. Eu estou dizendo que é melhor, em vez de subir um imposto que é regressivo na sua incidência, como é o imposto sobre o consumo, é melhor ir na renúncia tributária.

E o espaço é pequeno para aumentar a carga?

Se o governo aprovar esse arcabouço, ele obtém uma licença para aumentar gastos. Se ele não aumentar a carga tributária, o superávit primário não vai ser gerado
Se o superávit primário não for gerado, vamos para dois cenários: ou sobe a inflação que aumenta a receita e faz cair a despesa em termos reais ou vira uma desaceleração adicional do crescimento econômico, porque o Banco Central, mantendo a sua independência, continua com uma política restritiva.[ao que se sabe qualquer aumento da inflação - quaisquer que sejam as justificativas que criem para fundamentar o aumento  - vai ter consequências negativas e nenhum governo (especialmente um governo com a produtividade do atual = que em 92 dias produziu apenas um reajuste de R$ 18,00 no salário mínimo e inaugurou uma placa identificando a sede do Ministério da cultura)consegue resistir ao desastre causado por aquelas consequências.]

Qual cenário o sr. acha mais provável?

Qualquer cenário é possível. Se o governo conseguir aparelhar o Banco Central e gerar uma maioria de diretoria para executar a política monetária que eles querem que o BC execute, a inflação vai fácil para cima.

E qual é a projeção do sr. para a taxa de juros?

Eu não vejo queda neste ano. Eu vou ver queda lá na frente, em 2024.

E como fica a economia sem perspectiva de queda?

O PIB da agricultura vai crescer uma enormidade.  
A nossa agricultura é eficiente, somos um exportador de produtos agrícolas, os preços internacionais estão muito bons, e São Pedro nos ajudou. 
O clima foi perfeito. No Focus (pesquisa semanal do BC com projeções de analistas de mercado), tem a previsão de crescimento abaixo de 1%. Isso quer dizer o seguinte: serviços e comércio varejista sofrem muito mais do que a agricultura. É possível que a gente chegue na segunda metade do ano com taxas ligeiramente negativa de variação do PIB.

Qual será a força do governo numa conjuntura de economia fraca em que medidas difíceis precisam ser aprovados no Congresso?

Existe um conflito no campo da política econômica, entre a política fiscal e monetária. Esse conflito vai para um campo político, o governo contra o Banco Central. Qual é a repercussão que isso tem no plano político? E uma questão de a gente ver, mas eu acho que essa briga política vai prosseguir, escalar e crescer.

A alta de juros não piora a situação do crédito?

Não tem crise de crédito no País. Isso é conversa. Não tem crise de crédito no mundo. Não há crise bancária no mundo. Os Estados Unidos viveram uma corrida bancária. Corrida bancária se resolve garantindo depósitos, e inflação se combate com taxa de juros. Isso está sendo feito nos EUA e na Europa.  
E, no caso brasileiro, não teve nem corrida bancária. Houve um lamentável episódio de uma fraude gigantesca feita pela Americanas. Isso, no fundo, provocou um aumento de spread bancários na dúvida se esse cenário existe em outras empresas, que eu acho que não existe. Não vejo um aperto de crédito maior do que aquele que decorre de uma política monetária restritiva como essa que nós estamos assistindo.

Diante desse contexto internacional, qual deve ser o próximo passo do Fed?

O Fed anunciou que deve ter mais uma subida de 0,25. A economia americana está aquecida. Ou ele para com esse 0,25 ou promove mais uma alta de 0,25. Agora, nós vamos assistir a economia americana, ao longo do tempo, desacelerando o crescimento.

Affonso Celso Pastore - Ex-presidente do Banco Central. É economista e doutor pela USP

 

 

sábado, 1 de abril de 2023

Em busca de mais impostos ou mais inflação - Carlos Alberto Sardenberg

O novo arcabouço fiscal só funciona, mantendo as contas públicas em razoável equilíbrio, na ocorrência de três situações:

1) expressivo ganho de arrecadação do governo federal;

2) forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ou;

3) alta inflação.

O ajuste proposto se baseia no ganho de arrecadação. O corte de despesa só ocorre, quer dizer, só seria necessário em circunstância difícil de acontecer. Na verdade, o programa como que protege o crescimento da despesa, chegando mesmo a estabelecer uma expansão mínima de 0,6% em termos reais. 
Também fixa uma meta de investimentos, corrigida anualmente pela inflação. 
 
Sim, sabemos que o governo tem mesmo de gastar, especialmente nos programas sociais. Sim, investimentos geram crescimento, emprego e renda. E, finalmente, não há como cortar radicalmente a despesa
Os gastos obrigatórios (Previdência, salários do funcionalismo, programas sociais, educação e saúde) consomem cerca de 95% da receita. 
Tudo isso subirá com o aumento real [R$ 18,00] do salário mínimo e o reajuste do funcionalismo. Sem contar as diversas promessas de campanha.

Isso posto, também é preciso admitir: qualquer que seja a boa intenção, chame-se a coisa de gasto ou investimento, o governo precisa colocar dinheiro. E de onde vem? Da arrecadação, óbvio. Não por acaso, o ministro Haddad, ao apresentar o programa, acentuou esse ponto. Assegurou que não criará novos impostos nem aumentará alíquotas, mesmo assim sugeriu que pode [??? pode,em nossa imaginação podemos tanto... só que na real nada podemos,] obter logo um ganho de R$ 150 bilhões.

Quem pagará isso? O ministro responde: quem deveria e não está pagando impostos. Diversos setores econômicos recebem incentivos fiscais, são autorizados por lei a não pagar ou a recolher menos impostos, taxas e contribuições. Exemplo maior: as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. Mas há muito mais. O obstáculo está exatamente aí: são setores protegidos por lei, logo devem ser desprotegidos por novas leis aprovadas no Congresso. E lá o governo enfrentará os mesmos lobbies que conseguiram as vantagens. Não será fácil. 
 
Também não recolhem impostos as grandes empresas da área de tecnologia. A pessoa compra uma roupa num site chinês — ou de qualquer outra origem — e recebe em casa a mercadoria produzida noutro país, por empresa sediada em algum paraíso fiscal. 
Há uma discussão no mundo todo sobre como taxar esses negócios via “big techs”. Está difícil. 
Sempre haverá um país disposto a oferecer incentivo para receber a sede fiscal e a base operacional desses gigantes corporativos. 
Proibir que essas empresas façam negócios por aqui? 
Só prejudicaria os consumidores, além, claro, de o país não recolher um centavo de impostos. Aliás, perde aquele que se recolhe nas atividades paralelas. 
 
Eis o ponto: o arcabouço fiscal depende de forte ganho de arrecadação, difícil de realizar. 
E, realizado, aumenta o custo Brasil para empresas e cidadãos.  
Uma forte expansão do PIB resolve isso automaticamente. Mais crescimento e renda, mais receitas para o governo. Problema: as projeções mostram expansão pífia para os próximos anos, em torno de 1%. Dirão: se o governo gastar mais e estimular a economia, o PIB responde. Mas, para isso, o governo precisa recolher todo aquele dinheiro. Difícil, de novo. [o objetivo principal, a meta primeira, do arcabouço fiscal é possibilitar ao Lula, que comandou a maior roubalheira já havida no Brasil, quebrar um outro recorde: o de Sarney, maior inflação já havida. 
 Caso o arcabouço fiscal tenha sua minuta aprovada, e vire lei, o Sarney perde o recorde de maior inflação e a inflação do Brasil supera a da  Venezuela. 
A única solução para evitar a a tragédia  é rasgar o projeto de arcabouço apresentado,  ainda não é lei e sim uma simples minuta que são feitas quase sempre para serem rasgadas ou modificadas.]

A reforma tributária pode melhorar o ambiente de negócios e, pois, estimular investimentos privados —, mas no médio prazo, para além do atual governo. E precisaria ser votada no Congresso.

Resta a inflação, sim, a própria. Inflação eleva o PIB nominal, logo aumenta a arrecadação
Além disso, a moeda desvalorizada diminui o valor real das despesas do governo, de modo que a mágica se completa: mais receita, mais espaço para gastar. Já aconteceu e sabemos como termina: inflação saindo do controle e corroendo a renda das famílias. 
Será que deixarão acontecer novamente? 
Por isso a bronca com o Banco Central? 
 [PARABÉNS ao ilustre articulista; que desmontou o plano do 'poste' lulista com a mesma eficiência que Deltan Dallagnol destruiu o DESgoverno Lula e o próprio, em brilhante matéria em sua coluna VOZES - Gazeta do Povo.]
 
 Suspeitas, claro, mas não despropositadas. Os obstáculos são reais.
 
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - Coluna em O Globo
 
 

sábado, 4 de março de 2023

A mágica furada - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Regra do teto de gastos tem três virtudes básicas

A regra do teto de gastos, aprovada por Emenda Constitucional em 2016, tem três virtudes básicas. Primeira, a simplicidade: diz que o gasto do governo federal de um ano deve ser igual ao do ano anterior mais a inflação.  
Transforma uma coisa complicada — o arranjo ou arcabouço ou protocolo fiscal — em algo fácil de entender. 
A ideia, simples, é manter o gasto público constante. O governo não pode aumentar as despesas, mas não precisa diminuí-las.

Dirão: mas fica engessado, de modo que o novo governo não pode aplicar seus próprios programas. Falso: o teto está dado, mas é possível manejar despesas para esta ou aquela área.

Outra objeção: se a receita do governo tiver um crescimento elevado, acima da inflação, o governo fica com um dinheiro que não pode gastar no dia a dia. Verdade. Mas não é um dinheiro perdido. 
Vai para o pagamento de dívida. Dívida menor significa menor risco fiscal — o risco de calote — e, pois, leva a uma redução dos juros, o que estimula o crescimento econômico.

A segunda virtude básica do teto de gastos está aí mesmo: mantendo a despesa pública constante em termos reais e, assim, abrindo espaço para o crescimento via investimento privado, isso reduz o tamanho do Estado em proporção ao Produto Interno Bruto.

Qual a situação hoje? Com o gasto em expansão, o Estado precisa de cada vez mais impostos, tomando dinheiro das empresas e das famílias, reduzindo suas capacidades de investimento e consumo.

Ora, todo mundo sabe que a carga tributária já é elevada no Brasil. É uma insegurança infernal, em consequência das seguidas gambiarras para o governo tomar mais um dinheirinho aqui e ali. Como essa ridícula cobrança de imposto sobre a exportação de petróleo, que só encarece o produto nacional no mercado global.

A terceira virtude da regra do teto estava no prazo. Vinte anos para colocar a casa em ordem, podendo ser revista em 2027.Dirão: é muito tempo. Parece, mas considere que o gasto público vem crescendo sistematicamente há mais de quatro décadas. Aí fica razoável, não é mesmo?

Dizem hoje: mas o teto de gastos não funciona, tanto que já foi furado muitas vezes. É como furar o cano e depois dizer que não presta porque tem muitos vazamentos. Ridículo. O governo Lula, em vez de agir como encanador, acha que faltam mais furos.

Logo, está maquinando um “novo arcabouço fiscalbaseado na seguinte história: primeiro, o governo toma mais dinheiro do contribuinte, aumenta os impostos; depois toma mais dinheiro emprestado, faz mais dívida; e aumenta o gasto.

Como isso, segue a teoria Haddad, gerará um forte crescimento do PIB, as relações gasto/PIB e dívida/PIB cairão lá na frente, bem na frente. Assim, lá está o ministro no palco anunciando ao distinto público: nada nesta mão, nada nesta outra, e eis aqui o ajuste fiscal.

Olha para público e diz: acreditem!

Olha para o Congresso e recomenda: aprovem! (Ou perdem as verbas.)

Dá uma piscadela para o presidente do Banco Central e cobra: reduza os juros.

E vamos ficar ricos.

A coisa só para de pé se for verdade que, primeiro, o governo gasta melhor que o setor privado e, segundo, quanto mais gasto público, mais crescimento econômico. Mas, se isso for verdade, não precisa fazer mais nada: a gente não percebeu, mas o Brasil já é um país muito rico e muito justo. Pois há décadas faz exatamente o que o governo Lula anuncia como grande truque: mais imposto, mais dívida e mais gasto.

A sério: a regra do teto de gastos, se respeitada, exigiria que o governo, qualquer governo, fosse mais eficiente e mais produtivo na gestão dos gastos. Mas como isso dá trabalho e exige mais conhecimento econômico e sabedoria política, o tal novo arcabouço fiscal proporá a repetição em grande escala dos mesmos erros passados. E vai reclamar do mercado, da imprensa (quer dizer, de parte dela, nós inclusive) e do BC por não acreditarem na mágica.

Carlos Alberto Sardenberg, colunista - O Globo