A
sensação, ao final do dia, foi a de que escapamos de mais uma armadilha montada
para tentar, pelo
menos, adiar a consumação do impeachment
da presidente Dilma. Mas é inevitável, também, ficar um travo diante do que
a presidente chamou de “manhas e
artimanhas” que se desenrolaram, numa definição estranhamente clara sobre o
que acontecia nos bastidores da política, em que ela atuou decisivamente nos
últimas horas.
Não há dúvida de que toda essa
estratégia foi montada pelo governador maranhense Flávio Dino, do PCdoB, um pólo de poder regional que
interessa ao paroquialismo do presidente em exercício da Câmara, deputado
Waldyr Maranhão. Uma manobra desesperada de anular as
sessões da Câmara, que já havia sido tentada em diversas instâncias
nesse processo de impeachment pela aguerrida tropa de choque governista no
Senado, que contava com o apoio do presidente Renan Calheiros para adiar o
fecho desse ciclo petista que teima em permanecer no poder à custa de qualquer
manobra.
O que
espanta os mais chegados ao provável futuro presidente Michel Temer é a garra com que o Advogado-Geral da União, José Eduardo
Cardoso, se dedica à defesa da presidente Dilma, como se disso dependa
seu futuro político. Na verdade, é isso mesmo o que acontece, pois Cardozo,
em sua nova encarnação, destaca-se como um dos
principais líderes do que sobrará do PT no pós-Dilma. Sua atuação tem
sido tão relevante, não necessariamente para a presidente, mas para o petismo
de modo geral, que até mesmo o ex-presidente Lula, que não gostava dele desde o
tempo, lá pelos idos dos anos 1980, em que Cardozo participou de uma comissão
de inquérito que acusou o advogado José Carlos Teixeira de interferir
indevidamente em negócios das prefeituras petistas, agora o considera uma peça
fundamental para o próximo ciclo político que o partido espera viver a partir
da oposição que fará ao provável governo Temer.
Juntamente
com o prefeito de São Paulo Fernando Haddad, Cardozo
está sendo considerado uma alternativa para a candidatura presidencial petista em
2018, e se Haddad não conseguir se reeleger, será o mais cotado para o posto.
Cardozo, cujo sonho sempre foi ser indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF), foi barrado por Lula, e agora se transformou na salvação do PT. Tanto para dar ares de verdade à tese do golpe como, mais adiante, na tentativa de ser a imagem de um PT renovado.
O
senador Renan Calheiros encontrou um bom pretexto para passar uma imagem de
isento ao
impedir que o senador Delcídio do Amaral estivesse em condições de votar a
favor do impeachment da presidente Dilma, uma manobra claramente tentada e que
quase coloca por terra o que deveria ser o objetivo central da oposição. Colocar Delcídio para fazer um show na
quarta-feira seria um requinte de maldade política desnecessário. E transformá-lo em um herói oposicionista seria a
mesma coisa que não cassar o mandato do deputado Roberto Jefferson no episódio
do mensalão. Jefferson e Dirceu foram cassados, como se fossem aqueles
pistoleiros de filmes de faroeste do Tarantino que se matam mutuamente.
Agora, Delcídio e a presidente Dilma terão o mesmo destino, faltando definir qual será o do pistoleiro mais rápido do Congresso,
o presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha.
Ontem,
viu-se no Congresso Nacional o nível em que se desenrola nosso presidencialismo
de coalizão e, mais preocupante, tivemos exemplos claros dos personagens que,
tanto na Câmara quanto no Senado, serão os responsáveis pelas reformas
constitucionais que o futuro governo Temer terá que aprovar para que a economia
se torne minimamente competitiva.
Como disse num momento espontâneo o ministro do Supremo Luis Roberto Barroso, “meu Deus do Céu essa é a nossa alternativa”.
Fonte: Merval Pereira – O Globo