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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A difícil crise da Venezuela

Brasil em hipótese alguma vai cruzar a fronteira da Venezuela, mas esse fechamento imposto por Maduro elevou muito a tensão entre os dois países

A visão do Brasil é que a tensão está na divisa entre Colômbia e Venezuela. E a decisão tomada é de, em hipótese alguma, o Brasil cruzar a fronteira, segundo disse um integrante do governo. O anúncio da Venezuela de fechar a fronteira com o Brasil coloca o país numa situação rara na história das relações com os vizinhos. De um lado, o presidente Nicolás Maduro, cercado de militares, anunciou o fechamento da fronteira, de outro, o porta-voz da Presidência brasileira, Otávio Rêgo Barros, confirmou que os alimentos e remédios serão enviados o mais próximo da Venezuela, à espera de que caminhoneiros venham buscar. Mesmo que eles consigam atravessar, certamente enfrentarão violência do lado de lá. O nosso ponto fraco, como se sabe, é a dependência de Roraima da energia da hidrelétrica de Guri.

Das várias coisas estranhas desta crise, uma é o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente da Venezuela, que de fato ele não é.  — O ato de reconhecimento pressupõe controle do território, controle do poder real. Esse é o primeiro requisito do reconhecimento. E Guaidó não tem isso. O que se esperava nessa ação de vários países era criar uma situação que favorecesse a queda de Maduro, mas isso foi há quase um mês, ele permanece controlando o país, e tudo o que se espera é uma cisão nas Forças Armadas — diz o embaixador Rubens Ricupero.

Em 2018, houve um impedimento por decisão judicial de entrada de venezuelanos, mas o bloqueio logo foi suspenso. Fechamento com tropas da divisa do Brasil não ocorre há muito tempo.— Fui chefe da divisão de fronteiras, e nos últimos 50 anos não me lembro de um fechamento como esse. O temor de Maduro é de que haja uma invasão militar do país, não pelo lado brasileiro, mas pelo lado da Colômbia, que tem uma fronteira muito mais povoada e muito mais porosa. A presença do vice-presidente americano na Colômbia neste fim de semana aumenta essa tensão — afirmou Ricupero.

Maduro convocou as milícias bolivarianas e os coletivos, grupos armados, sem disciplina militar, e instalados em áreas de alta criminalidade, a ficarem de prontidão. A suspeita é de que eles estejam se preparando para atacar e saquear os caminhões caso eles entrem em solo venezuelano. Já que Guaidó tem voluntários, mas não o poder da força.  A Venezuela sangra há tanto tempo que desafia qualquer previsão sobre a evolução dos acontecimentos. O governo provocou o encolhimento do PIB em 50% em cinco anos — a última vez que o país cresceu foi em 2013 — e a explosão de uma hiperinflação de um milhão e 700 mil por cento. Em qualquer país, esse governo já teria caído. É intolerável o sofrimento continuado que o chavismo tem imposto aos venezuelanos, como resultado dos seus erros na economia e seu sistemático ataque às instituições democráticas.

A dificuldade é saber qual é a melhor forma de influenciar positivamente a evolução política do país. No meio desse esforço internacional, no qual o Brasil se envolveu, há uma disputa entre Estados Unidos e Rússia, com a China acompanhando a uma certa distância. A Venezuela por sua vez tem Forças Armadas muito bem equipadas.
As relações comerciais entre Brasil e Venezuela já encolheram muito desde o fim do governo petista, que estimulava o comércio e as relações econômicas, concedendo empréstimos através do BNDES. Apesar disso o Brasil ainda depende da energia de Guri para manter o suprimento em Roraima. Em 2017, a Eletronorte gastou R$ 134 milhões comprando energia para atender dois terços da demanda do estado.

A Venezuela não é um governo de esquerda, como supõe uma parte da esquerda brasileira. É uma ditadura, que persegue qualquer líder que surja na oposição, que promoveu um ataque sistemático à imprensa independente, que saqueou os recursos do país para se manter no poder e comprar o apoio dos militares. Com a crise econômica, o governo chavista empobreceu os pobres que havia prometido empoderar no começo desses 20 anos em que está no poder. No governo de direita no Brasil há outro perigo. Se deixado apenas com o Itamaraty de Ernesto Araújo, de ideologia delirante, podem ser tomadas decisões que ponham o Brasil em risco. Faz bem o governo de mandar o vice-presidente, Hamilton Mourão, junto com o chanceler para Bogotá. Todo o cuidado é pouco neste momento de tensão extrema.

Miriam Leitão -Jornalista - O Globo