Comandante máximo
Fidel
Castro, ditador perpétuo dos cubanos, deve ter ficado louco de inveja
dos promotores do Ministério Público Federal. Como podem eles ter tido a
ousadia de lhe roubar o nome que tanto preza? Diria ele: comandante
máximo não pode ter outro igual a mim! Posso ser amicíssimo de Lula,
porém tudo tem limites!
Para Lula, parece que não. Não contente de
ter sido eleito e reeleito presidente, acreditou seu poder ter sido
ungido por algum tipo de beneplácito absoluto, que lhe autorizava tudo
fazer. Regras, leis e instituições deveriam estar simplesmente a seu
serviço.
Intitulou-se um redentor dos pobres. Até esboçou a
origem de um novo calendário, uma espécie de ano zero da história
nacional, que deveria começar a ser contada de outra maneira. Seu adágio
foi: “Nunca dantes em nosso país!”.
E assim foi. O Estado
tornou-se um mero instrumento de sua política, com o seu partido
introduzindo-se em todos os poros de sua máquina. Nada deveria ficar
imune à sua influência, nenhuma instância deveria ficar a salvo desta
sua nova crença. O que para uns seria crime, para ele tornou-se uma mera
forma de exercício do poder. Desobedecer às leis tornou-se um
jogo semântico, como se palavras não pudessem mais expressar o certo e o
errado, o justo e o injusto, o bom e o mau. A partir desse novo momento
inaugural da história deste país, a linguagem política e — por via de
consequência — a moral e a jurídica deveriam ser incorporadas a uma nova
metalinguagem, a petista. Novos significados seriam atribuídos a nosso
linguajar corrente.
Note-se que as defesas de Lula e da
ex-presidente Dilma, assim como, de resto, o PT e os seus movimentos
sociais, atribuem a conceitos como “prova”, “democracia” e “golpe”
outros significados, para eles, evidentemente, os únicos verdadeiros.
Todos os que discordem desta sua nova atribuição de significado são
imediatamente rotulados de “conservadores”, “representantes da direita”,
“golpistas”, heréticos, em suma. Para os detentores desta
ideologia, não há “provas”, isto é, qualquer prova produzida contra eles
não possui esse significado. É uma mera falsificação de “golpistas” e
“reacionários”, a saber, os jornais, a mídia, o Ministério Público, o
Judiciário e assim por diante. Ou seja, todos os que defendem o estado
democrático de direito!
Dilma foi afastada da Presidência da
República em ausência completa de “provas”. Lula está sendo denunciado,
com falta de “provas”. Apesar de nada ter sido provado contra eles, os
tesoureiros do PT e líderes do partido estão presos. Outros foram
condenados também sem provas. Nada para eles é probatório, pois, por
definição, nada poderia atingi-los. Estariam imunes à lei, que a eles
não se aplicaria. Golpe, aliás, para quem? Só se for para
intelectuais e artistas que vivem nos desvarios ideológicos e que se
acostumaram à subserviência de guardiães do novo linguajar. Tornaram-se
servos deste novo poder, traindo a razão que deveriam representar. Só se
for para incautos e militantes que, desbussolados, procuram um repouso
dogmático para se eximirem da tarefa de pensar.
Enchem a boca
para falar de democracia, quando nada mais fizeram do que a sua
instrumentalização, com o intuito de dar uma vestimenta politicamente
correta aos crimes cometidos. As instituições democráticas foram sendo
enfraquecidas enquanto se diziam os seus defensores. Seguiram, de outra
maneira, a máxima bolivariana de subverter a democracia por meios
democráticos. Estão, agora, indignados pelo fato de o seu estratagema
ter sido descoberto.
Peguem a Petrobras. Um dos maiores
patrimônios brasileiros foi literalmente saqueado. Tornou-se a fonte de
um imenso propinoduto, que envolvia empreiteiros inescrupulosos,
funcionários ávidos de enriquecimento e todo um sistema criminoso
voltado para preservar o poder petista. E, no entanto, na curiosa
linguagem partidária, eles estão atualmente a defendendo contra a
privatização! Ocultam o fato real: ela foi privatizada partidariamente!
Lula
e os petistas não são muito originais. Adotaram o critério da
discriminação da política entre amigos e inimigos, tão teorizado por um
intelectual nazista, Carl Schmitt. Em sua versão tupiniquim, adotou a
versão do “nós” contra “eles”. O “nós” expressaria os
representantes da verdade que salvariam os pobres, mostrando-lhes o seu
verdadeiro caminho, conforme o qual os crimes seriam meros instrumentos
redentores, um detalhe menor e insignificante.
O “eles”, por sua
vez, designaria todos os que se opõem a essa tarefa religiosa de
transformação social, ocupando-se de detalhes sem nenhum valor como
crime, responsabilidade e estado de direito. Ficariam presos a minúcias
conservadoras e reacionárias. Em seu discurso desta última
quinta-feira, Lula mostrou-se, novamente, um excelente ator, sabendo
muito bem representar o seu personagem de “líder máximo”, embora em sua
versão de vítima. Em todo momento, eximiu-se de qualquer
responsabilidade, não tendo cometido crime algum.
Se algo está
sendo feito contra ele, é porque, no ano zero da história brasileira,
empreendeu a redenção dos pobres, que estaria sendo, agora,
desmantelada. Lula pretende se colocar de vítima, quando, na verdade,
esta posição é de toda a sociedade brasileira. A vítima mudou de nome. Graças
à política petista, aliás, os pobres estão ainda mais pobres após o
populismo socialista ter sido implementado. O desemprego alcança
aproximadamente 12 milhões de pessoas, ou seja, atingindo em torno de,
no mínimo, 44 milhões de indivíduos, considerando quatro pessoas por
família. O número pode ser maior. O céu foi prometido, porém o que se
abriu foi o caminho do inferno.
Triste destino do PT. Escolheu,
ademais, atrelar o seu futuro ao “comandante máximo”, a essa estrela
cadente, assumindo toda a sua defesa e apegando-se a esta pantomima. Se
assim continuar, sucumbirá com ele. Talvez não lhe reste outro caminho.
Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul