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segunda-feira, 8 de junho de 2020

O caminho do arbítrio - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

Estamos vivendo um processo semelhante ao da Venezuela chavista, só que de sinal trocado

Urge que o presidente Bolsonaro pare sua escalada rumo ao autoritarismo, mediante o uso indiscriminado do arbítrio. Decisões presidenciais num Estado democrático passam por uma série de mediações, sendo as mais importantes o Legislativo e o Judiciário, e no que concerne a este último, o STF. Arrogar a si a verdade e a decisão arbitrária só é fonte de confrontos incessantes.

Acontece que o presidente e sua família operam segundo a concepção schmittiana da distinção entre amigo e inimigo, fazendo que qualquer crítica ou divergência seja vista sob o prisma do inimigo a ser atacado. O mesmo vale para amigos em definições mutáveis, pois, ao passarem a ser considerados uma ameaça, tornam-se inimigos a ser abatidos – os casos mais eloquentes, Bebianno, Moro e Santos Cruz.

A distinção amigo-inimigo não é, todavia, exclusiva da extrema direita, vale também para a esquerda. O próprio Carl Schmitt, após ter sido apoiador entusiasta de Hitler, escreveu, no pós-guerra, que Mao e Lenin se encaixavam na mesma concepção, tecendo-lhes elogios. Chávez e agora Maduro são seus discípulos. A distinção lulopetista entre “nós” e “eles” é dessa mesma estirpe.

No caso da experiência venezuelana, considerada por Lula um exemplo de democracia, processou-se a subversão da democracia por meios democráticos. As instituições democráticas foram inicialmente preservadas, enquanto o seu interior foi progressivamente minado. A imprensa e os meios de comunicação em geral foram, passo a passo, calados, o Legislativo perdeu suas funções, com o presidente passando a legislar por decretos, e o Supremo Tribunal, após ser atacado, foi cooptado. Milícias foram criadas e passaram a violentar e controlar os cidadãos.

No Brasil, estamos vivendo um processo semelhante nos seus inícios, só que de sinal trocado. Da extrema esquerda passamos para a extrema direita. [mudança que por si só já vale qualquer sacrifício para consolidar e ampliar.] Os ataques sistemáticos à imprensa, aos meios de comunicação em geral e o financiamento e operação organizada de grupos encarregados de difundir fake news mostram essa tática de ataque ao “inimigo”. A ameaça de ruptura institucional, apesar de apresentada como defesa da democracia contra o espantalho do comunismo, é outro de seus braços. A constituição de milícias digitais, agora tornadas milícias de rua, até mesmo armadas, caso do grupo liderado por Sara Winter, é outro de seus instrumentos. A antiga bandeira preta da Ucrânia, símbolo da extrema direita naquele país, é o seu símbolo.

Na mesma linha, a declaração presidencial de que população brasileira deve ser armada para não ser escravizada procura, na verdade, a servidão dessas forças ao domínio da extrema direita. Uma coisa é a posse de armas no legítimo exercício da autodefesa, um direito; outra, muito diferente, é armar a população para se opor às autoridades, como os governadores de Estado, por suas políticas de combate à pandemia.

Contudo parar esse processo rumo ao precipício exige moderação do presidente, com a subsequente alteração da equipe governamental mediante o afastamento dos mais exaltados, os ideológicos. A perseguir tal política, as crises sanitária, política e econômica só tendem a se agravar, levando o País a um impasse perigoso, estando o próprio mandato presidencial em questão.

As recentes manifestações de reação a este autoritarismo por meio de vários manifestos pela democracia exibem uma sociedade atuante, ciente de que suas instituições devem ser defendidas independentemente dos governos. A democracia é tida por um valor maior, situado acima das contendas políticas e partidárias. No entanto, não deveria esse processo ser conduzido sob o modo de uma nova polarização, embora possa ser necessária num primeiro momento, sob pena de outra forma de autoritarismo surgir novamente no horizonte. O impasse institucional seria o seu resultado.

Salta à vista que dois terços da população brasileira não são pró-democracia, apesar de serem anti-Bolsonaro. Aí estão incluídos, por exemplo, os responsáveis pelo mensalão, que minaram o sistema representativo com a corrupção e o descalabro fiscal, para além das tentativas, felizmente infrutíferas, de controle da imprensa e dos meios de comunicação, apresentadas naquele então como sendo a verdadeira democracia. Para não falar das milícias do MST infernizando o campo brasileiro. Convém estar atentos a esses “novos democratas”.

Deve-se olhar igualmente com precaução a participação de torcidas organizadas nas manifestações, pois considerá-las como democráticas é outro equívoco. Na pressa de uma oposição atuante nas ruas, corre-se o risco de confundir alhos com bugalhos, na medida em que se caracterizam por serem uma espécie de quadrilhas, cujo prazer é extraído do uso da violência.

A sociedade brasileira deve sair da polarização, tendo como norte a democracia, sob pena de perpetuarmos o impasse pelos próximos dois anos e meio, além de corrermos o perigo de nele permanecer por mais quatro anos, seja sob a égide da extrema direita, seja da extrema esquerda.

Denis Lerrer Rosenfield Professor de filosofia na UFRGS - O Estado de S. Paulo


segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Balanço - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

A pauta reformista do governo Bolsonaro é um prolongamento da de seu antecessor

O primeiro ano do governo Bolsonaro caracterizou-se pelo enfrentamento com adversários, tidos por inimigos, testando o limite das instituições democráticas. A partir do momento em que o confronto político se tornou o eixo das ações, a prática destas, própria da democracia, passou necessariamente a segundo plano. Nesse sentido, há no atual governo um pendor autoritário que contrasta fortemente com seu não autoritarismo na esfera das relações econômicas, onde propugna uma redução do papel do Estado. Autoritarismo de um lado, liberalismo de outro, o que faz seu próprio projeto reformista do ponto de vista econômico terminar por se contaminar por essa sua contradição interna.

A concepção do político orientadora de suas ações pode ser retraçada ao teórico alemão Carl Schmitt, apoiador do nazismo e admirador de Lenin e Mao no pós-guerra, ao definir o campo do político como o da distinção entre amigos e inimigos, não podendo haver entre eles negociação e composição, o que seria próprio da via democrática, mais especificamente, parlamentar. Note-se, a esse respeito, que o governo Bolsonaro não preza e não tem articulação política, baseada na negociação, laboriosa e dura, com a Câmara dos Deputados e o Senado. Muitas vezes esse problema se traduz pelo fato de os políticos serem desconsiderados, supostamente, por serem “corruptos, quando, na verdade, o problema consiste na composição partidária, tendo como objetivo a aprovação de medidas provisórias, projetos de lei e emendas constitucionais.

Apesar das aparências, não se pode dizer que tal caracterização do político seja algo próprio da extrema direita, quanto mais não seja pelo fato de Schmitt conferir-lhe validade universal. A questão reside em que ela é utilizada tanto por setores de direita quanto de esquerda. Lula e o PT empregaram a mesma distinção ao opor “conservadores e progressistas”, “nós contra eles”, num decalque da luta até a morte, segundo a formulação marxista, entre “burgueses e proletários”, entre “revolução e instituições democráticas”. Na cena internacional, hoje há schmittianos de direita e esquerda!

Seria tentado a dizer que o voto do sim em Jair Bolsonaro foi também um voto do não à concepção autoritária do PT. Quando os brasileiros foram às urnas em 2018, eles expressaram claramente um não ao petismo, à corrupção e ao desastre econômico que foi o governo Dilma. Disseram não ao acirramento das relações políticas, que atingiram até amizades e núcleos familiares. Os eleitores não disseram sim à substituição de um tipo de política por outro da mesma espécie com sinal trocado. Em certo sentido, pode-se dizer que Bolsonaro estava certo, conforme a lógica eleitoral, em utilizar essa distinção, pois ao se apresentar como o anti-PT, ele o considerou o inimigo a ser abatido numa contenda democrática. Seu uso intensivo das redes sociais, que se prestam particularmente a esse tipo de embate, foi-lhe da maior valia. Seu sucesso mostra a correta estratégia adotada. Contudo não necessariamente um instrumento empregado numa luta eleitoral tem a mesma validade na arte de governar. São campos distintos.

Prova disso, a posição do governo Bolsonaro em relação ao governo Temer. Sob a ótica das eleições, Bolsonaro fez como se Temer não existisse, centrando todas as suas baterias nos governos petistas, como se eles ainda governassem. Tinha-se a impressão de que Lula-Dilma-PT ainda habitavam os Palácios do Planalto e da Alvorada. O candidato fez uma ponte de mais de dois anos, omitindo-o. Entretanto, no que diz respeito à pauta reformista do atual governo, ela é uma prolongação da anterior. Do ponto de vista do confronto político, o bolsonarismo adota posição contra o PT e a esquerda em geral; do ponto de vista das reformas, ele se considera seguidor da pauta liberal do governo Temer.

Neste primeiro ano, o grande feito do atual governo foi a aprovação da reforma da Previdência, preparada e amplamente discutida pelo governo anterior. A assinatura do acordo União Europeia-Mercosul foi outro feito digno de menção, embora a política de confronto adotada na esfera ambiental já o esteja contaminando. A reforma trabalhista do governo anterior está também tendo continuidade via medida provisória que amplia algumas das mudanças feitas, apesar de estar também ainda em discussão parlamentar. O programa de concessões e privatizações é, da mesma maneira, um prolongamento dos projetos anteriores, com destaque para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). O problema aí consiste em que a política do embate, ao adentrar o Congresso e a sociedade em geral, termina por prejudicar o liberalismo apregoado na esfera das relações econômicas. Se o governo abandonasse a política do confronto, as reformas marchariam com muito maior rapidez e o Brasil ganharia com isso.

A pauta conservadora tem sido outro motivo de confronto. Os eleitores de Bolsonaro não disseram, em sua totalidade, sim ao proposto pelo então candidato, mas não ao PT, incluídos seus excessos ao forçar goela abaixo dos brasileiros o politicamente correto.  
Uma parte dos eleitores disse sim ao projeto conservador, mormente entre os evangélicos, outros disseram sim a Bolsonaro e não à visão conservadora que está sendo implementada. Liberais, do ponto de vista dos costumes, da religião e da moralidade em geral, votaram em Bolsonaro para dizer não ao PT.

Talvez o presidente devesse atentar melhor para esse fato, deixando de lado seu precoce projeto eleitoral de 2022, arregimentando desde já conservadores para o seu lado, como se as eleições fossem amanhã. O atual governo e o Brasil têm um longo percurso pela frente, e muito do seu sucesso ou fracasso dependerá da aprovação do seu projeto reformista, que será tanto mais viável quanto maior for o esforço do presidente para abandonar o confronto incessante com os adversários e as instituições.

Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S.Paulo

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Conceitos de política

Militares no governo Bolsonaro estão sendo exemplo de moderação e ponderação

O ambiente político não anda conturbado tão somente por razões acidentais ou de inexperiência dos atores políticos, mas tem uma causa mais profunda, consistente no modo de compreensão da política. O atual governo age segundo um conceito de política baseado na oposição amigo/inimigo, em que o outro é visto como alguém que deve ser desqualificado e aniquilado. Outro conceito de política residiria na consideração do outro enquanto adversário, suscetível de ser convencido, e não suprimido. Denominemos o primeiro conceito de política de totalitário e o segundo, de democrático.

Totalitário porque foi elaborado por um teórico do nazismo, Carl Schmitt.
Segundo essa acepção, a esfera da política seria uma espécie de arena de luta até a morte entre amigos e inimigos. Os amigos são os que compartilham a mesma concepção, enquanto os inimigos são os que dela divergem. A crítica, nesse sentido, não é aceita, pois significaria uma espécie de rompimento da concepção vigente ou que está sendo imposta. Instituições que exigem a composição e a negociação, como Parlamentos, são, portanto, tidas por impróprias, decadentes ou corrompidas.

Transplanta-se, assim, para esfera da política a lógica militar da guerra. Nesta, exércitos se enfrentam buscando a derrota do outro, impondo-se o poder da força. Tal acepção vale também em casos de guerra civil, quando, na ausência de composição interna, as forças contendoras entram em conflito aberto, recorrendo às armas. A política fica a reboque de sua acepção militar.

O conceito democrático de política, por sua vez, foge do conceito de guerra ao inimigo, pautando-se pelo reconhecimento do outro como detentor de igualdade política. Não está em seu escopo o aniquilamento do outro, uma vez que sua forma de atuação reside na instituição parlamentar, na separação de Poderes e na liberdade de opinião e expressão. Eis por que a democracia representativa preza as instituições que são espaços de negociação, de convencimento e, mesmo, de judicialização das divergências.

A política bolsonarista, em seu período eleitoral, regeu-se por essa acepção excludente da política, usando e abusando da retórica do inimigo a ser desqualificado, cuja forma mais significativa foi o emprego da oposição “nova/velha política”. A “nova” seria a dos virtuosos, dos não corruptos, dos bons, que se oporiam a todos e a tudo que está aí. Os políticos e os partidos foram, então, tidos por algo a ser desprezado e posto de lado. Nesse sentido, as redes sociais foram um instrumento particularmente adequado, pois dados a sua economia de palavras e o seu modo de expressão, prestam-se, particularmente, ao enfrentamento e ao ataque. Elas funcionariam segundo a oposição amigo/inimigo.

Observe-se que a política petista empregou idêntico conceito de política. Lula utilizava a mesma oposição amigo/inimigo sob a forma das oposições excludentes, entre “conservadores e progressistas”, “direita e esquerda”, “nós e eles”. Atente-se para o conceito de política que ganha essas diferentes formas narrativas, que foram o sustentáculo dos governos petistas. Lula tinha incomensurável desprezo pelo Congresso, pelos partidos e pelos parlamentares. Ora eram picaretas, ora companheiros de negociatas.

No governo, pautado por instituições democráticas, o presidente Bolsonaro seguiu predominantemente a utilizar o mesmo conceito de política que lhe tinha sido tão benéfico na campanha eleitoral. Seu grupo próximo, constituído de civis, continuou empregando as redes sociais da mesma maneira, terminando por produzir conflitos incessantes com políticos e partidos. Evidentemente, estes não se reconhecem nessa forma de fazer política, uma vez que são considerados representantes da “velha política”, como se fossem, por isto mesmo, desqualificados e corruptos. O resultado é palpável: o governo não consegue negociar e, portanto, não avança em suas pautas reformistas na esfera legislativa.

Ora, a negociação faz parte da atividade parlamentar e executiva, é uma forma específica de fazer política, no Brasil e alhures. Não há nada de ilícito em que um parlamentar negocie recursos para a sua base eleitoral, sob a forma de creches, postos de saúde e escolas. O problema está no desvio desses recursos para o bolso do parlamentar, questão que pode ser equacionada com uma fiscalização eficiente.

Acontece, todavia, que a narrativa bolsonarista identifica a negociação com algo a ser descartado. Tal política enquadra-se, sobretudo, em sua pauta conservadora, baseada em fundamentos religiosos. Ela se torna propícia para a oposição entre amigos e inimigos, sob a forma dogmática dos bons e dos maus, dos virtuosos e dos pecadores. Do mesmo modo, o teórico dos bolsonaristas, Olavo de Carvalho, conforme a sua teoria mundial conspiratória, está sempre procurando inimigos para serem desqualificados, na medida em que essa concepção vive da reiteração de tal oposição. O desprezo pela pauta liberal no campo moral e econômico é sua consequência natural. Volta-se para o velho nacionalismo, contra a ideia liberal de globalização, como se a pauta conservadora devesse ter o primado sobre a reformista. Daí surgem as posições antiestablishment, como se a narrativa governamental devesse ser a de uma mobilização constante da sociedade, em que os amigos e os inimigos, os bons e os maus estariam perpetuamente se enfrentando.

Os militares no governo Bolsonaro estão sendo um exemplo de moderação e ponderação. São abertos à negociação e à composição, mostram-se firmes partidários das instituições democráticas. Note-se que, por formação, estariam mais propensos a adotar a política como forma de oposição entre amigos e inimigos, uma vez que essa é a forma da guerra para a qual foram e são treinados. Ou seja, é um grupo de civis que segue a lógica da guerra, enquanto os militares seguem a lógica civil da democracia. [os militares cultivam os saudáveis hábitos de estudar e pensar.]

Denis Lerrer Rosenfield - Professor de filosofia na UFRGS.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Graças à política petista, os pobres estão ainda mais pobres após o populismo socialista ter sido implementado

Comandante máximo

Fidel Castro, ditador perpétuo dos cubanos, deve ter ficado louco de inveja dos promotores do Ministério Público Federal. Como podem eles ter tido a ousadia de lhe roubar o nome que tanto preza? Diria ele: comandante máximo não pode ter outro igual a mim! Posso ser amicíssimo de Lula, porém tudo tem limites!

Para Lula, parece que não. Não contente de ter sido eleito e reeleito presidente, acreditou seu poder ter sido ungido por algum tipo de beneplácito absoluto, que lhe autorizava tudo fazer. Regras, leis e instituições deveriam estar simplesmente a seu serviço.
Intitulou-se um redentor dos pobres. Até esboçou a origem de um novo calendário, uma espécie de ano zero da história nacional, que deveria começar a ser contada de outra maneira. Seu adágio foi: “Nunca dantes em nosso país!”.

E assim foi. O Estado tornou-se um mero instrumento de sua política, com o seu partido introduzindo-se em todos os poros de sua máquina. Nada deveria ficar imune à sua influência, nenhuma instância deveria ficar a salvo desta sua nova crença. O que para uns seria crime, para ele tornou-se uma mera forma de exercício do poder.  Desobedecer às leis tornou-se um jogo semântico, como se palavras não pudessem mais expressar o certo e o errado, o justo e o injusto, o bom e o mau. A partir desse novo momento inaugural da história deste país, a linguagem política e por via de consequência a moral e a jurídica deveriam ser incorporadas a uma nova metalinguagem, a petista. Novos significados seriam atribuídos a nosso linguajar corrente. 

Note-se que as defesas de Lula e da ex-presidente Dilma, assim como, de resto, o PT e os seus movimentos sociais, atribuem a conceitos como “prova”, “democracia” e “golpe” outros significados, para eles, evidentemente, os únicos verdadeiros. Todos os que discordem desta sua nova atribuição de significado são imediatamente rotulados de “conservadores”, “representantes da direita”, “golpistas”, heréticos, em suma.  Para os detentores desta ideologia, não há “provas”, isto é, qualquer prova produzida contra eles não possui esse significado. É uma mera falsificação de “golpistas” e “reacionários”, a saber, os jornais, a mídia, o Ministério Público, o Judiciário e assim por diante. Ou seja, todos os que defendem o estado democrático de direito! 

Dilma foi afastada da Presidência da República em ausência completa de “provas”. Lula está sendo denunciado, com falta de “provas”. Apesar de nada ter sido provado contra eles, os tesoureiros do PT e líderes do partido estão presos. Outros foram condenados também sem provas. Nada para eles é probatório, pois, por definição, nada poderia atingi-los. Estariam imunes à lei, que a eles não se aplicaria. Golpe, aliás, para quem? Só se for para intelectuais e artistas que vivem nos desvarios ideológicos e que se acostumaram à subserviência de guardiães do novo linguajar. Tornaram-se servos deste novo poder, traindo a razão que deveriam representar. Só se for para incautos e militantes que, desbussolados, procuram um repouso dogmático para se eximirem da tarefa de pensar. 

Enchem a boca para falar de democracia, quando nada mais fizeram do que a sua instrumentalização, com o intuito de dar uma vestimenta politicamente correta aos crimes cometidos. As instituições democráticas foram sendo enfraquecidas enquanto se diziam os seus defensores. Seguiram, de outra maneira, a máxima bolivariana de subverter a democracia por meios democráticos. Estão, agora, indignados pelo fato de o seu estratagema ter sido descoberto. 

Peguem a Petrobras. Um dos maiores patrimônios brasileiros foi literalmente saqueado. Tornou-se a fonte de um imenso propinoduto, que envolvia empreiteiros inescrupulosos, funcionários ávidos de enriquecimento e todo um sistema criminoso voltado para preservar o poder petista. E, no entanto, na curiosa linguagem partidária, eles estão atualmente a defendendo contra a privatização! Ocultam o fato real: ela foi privatizada partidariamente!

Lula e os petistas não são muito originais. Adotaram o critério da discriminação da política entre amigos e inimigos, tão teorizado por um intelectual nazista, Carl Schmitt. Em sua versão tupiniquim, adotou a versão do “nós” contra “eles”.  O “nós” expressaria os representantes da verdade que salvariam os pobres, mostrando-lhes o seu verdadeiro caminho, conforme o qual os crimes seriam meros instrumentos redentores, um detalhe menor e insignificante. 

O “eles”, por sua vez, designaria todos os que se opõem a essa tarefa religiosa de transformação social, ocupando-se de detalhes sem nenhum valor como crime, responsabilidade e estado de direito. Ficariam presos a minúcias conservadoras e reacionárias. Em seu discurso desta última quinta-feira, Lula mostrou-se, novamente, um excelente ator, sabendo muito bem representar o seu personagem de “líder máximo”, embora em sua versão de vítima. Em todo momento, eximiu-se de qualquer responsabilidade, não tendo cometido crime algum. 

Se algo está sendo feito contra ele, é porque, no ano zero da história brasileira, empreendeu a redenção dos pobres, que estaria sendo, agora, desmantelada. Lula pretende se colocar de vítima, quando, na verdade, esta posição é de toda a sociedade brasileira. A vítima mudou de nome. Graças à política petista, aliás, os pobres estão ainda mais pobres após o populismo socialista ter sido implementado. O desemprego alcança aproximadamente 12 milhões de pessoas, ou seja, atingindo em torno de, no mínimo, 44 milhões de indivíduos, considerando quatro pessoas por família. O número pode ser maior. O céu foi prometido, porém o que se abriu foi o caminho do inferno. 

Triste destino do PT. Escolheu, ademais, atrelar o seu futuro ao “comandante máximo”, a essa estrela cadente, assumindo toda a sua defesa e apegando-se a esta pantomima. Se assim continuar, sucumbirá com ele. Talvez não lhe reste outro caminho. 

Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul