O império da ignorância
Só pessoas
prodigiosamente incultas podem ter alguma dificuldade de compreender que uma
eleição presidencial com apuração secreta, sem transparência nenhuma, é
inválida em si mesma.
Vamos falar o português claro: Aquele que não dá o melhor de si para adquirir
conhecimento e aprimorar-se intelectualmente não tem nenhum direito de opinar em
público sobre o que quer que seja.
Nem
sua fé religiosa, nem suas virtudes morais, se existem, nem os cargos que
porventura ocupe, nem
o prestígio de que talvez desfrute em tais ou quais ambientes lhe
conferem esse direito. Discussão
pública não é mera troca de opiniões pessoais, nem torneio de auto-imagens
embelezadas: é
eminentemente intercâmbio de altos valores culturais válidos para toda
uma comunidade humana considerada na totalidade da sua herança histórica e não
só num momento e lugar. O direito de cada um à atenção pública é proporcional
ao seu esforço de dialogar com essa herança, de falar em nome dela e de lhe
acrescentar, com as palavras que dirige à audiência, alguma contribuição
significativa.
O resto, por "bem intencionado" que pareça,
é presunção vaidosa e vigarice. Todos os
males do Brasil provêm da ignorância desses princípios. Políticos, empresários,
juízes, generais e clérigos incultos, desprezadores do conhecimento e
usurpadores do seu prestígio, são os culpados de tudo o que
está acontecendo de mau neste país, e que, se esses charlatães não forem expelidos
da vida pública, continuarão aumentando, com ou sem PT, com ou sem "impeachment", com ou sem "intervenção militar", com ou sem Smartmatic, com ou sem
Mensalão e Petrolão. Desprezo pelo conhecimento e amor à fama que dele usurpa mediante o
uso de chavões e macaquices são os pecados originais da "classe falante" no Brasil.
Só o homem de
cultura pode julgar as coisas na escala da humanidade, da História, da
civilização. Os outros seguem apenas a moda do momento, criada ela própria por
jornalistas incultos e professores analfabetos, e destinada a desfazer-se em pó
à primeira mudança da direção do vento. A cultura pessoal é a condição primeira
e indispensável do julgamento objetivo. A incultura aprisiona as almas na
subjetividade do grupo, a forma mais extrema do provincianismo mental. Vou lhes dar alguns
exemplos de desastres nacionais causados diretamente pela incultura dos
personagens envolvidos.
Só pessoas prodigiosamente incultas podem ter alguma
dificuldade de compreender que uma eleição
presidencial com apuração secreta, sem transparência nenhuma, é
inválida em si mesma, independentemente de fraudes pontuais terem ocorrido ou
não. O número de jumentos togados e cretinos de cinco estrelas que, mesmo
opondo-se ao governo, raciocinam segundo a premissa de que a Sra. Dilma
Rousseff foi eleita democraticamente em eleições legítimas, premissa que lhes
parece tão auto evidente que não precisa sequer ser discutida, basta para
mostrar que o estado de calamidade política e econômica em que se encontra o
país vem precedido de uma calamidade intelectual indescritível, abjeta,
inaceitável sob todos os aspectos.
Quando na década de 90 os militares aceitaram e até pediram a criação do “Ministério da Defesa”, foi sob a alegação de que nas grandes democracias era assim, de que só republiquetas tinham ministérios militares. Respondi várias vezes que isso era raciocinar com base no desejo de fazer boa figura, e não no exame sério da situação local, onde a criação desse órgão maldito só serviria para aumentar o poder dos comunistas. Mil vezes o Brasil já pagou caro pela mania de macaquear as bonitezas estrangeiras em vez de fazer o que a situação objetiva exige. Esse caso foi só mais um da longa série.
Mesmo agora, quando a minha previsão
se cumpriu da maneira mais patente e ostensiva, ainda
não apareceu nenhum militar honrado o bastante para confessar sua incapacidade
de relacionar a estrutura administrativa do Estado com a disputa política
substantiva. Continuam
teimando que a idéia foi boa, apenas, infelizmente, estragada pelo advento
dos comunistas ao poder – como se uma coisa não tivesse nada a ver com a
outra, como se fosse tudo uma soma fortuita de coincidências, como se a demolição do prestígio militar não
fosse um item constante e fundamental da política esquerdista no país e como se, já no governo FHC, a
criação do Ministério não fosse concebida como um santo remédio, com aparência legalíssima, para quebrar a espinha
dos militares. Um dos traços mais característicos da incultura brasileira, já
assinalado por escritores e cientistas políticos desde a fundação da República
pelo menos, é a subserviência mecânica a modelos estrangeiros copiados sem
nenhum critério.
Numa sociedade culturalmente atrofiada, a coisa
mais inevitável é que todas as correntes de opinião que aparecem na discussão pública
sejam apenas cópias ou reflexos de modelos impostos, desde o exterior, por
lobbies e grupos de pressão que têm seus próprios objetivos globais e não estão
nem um pouco interessados no bem-estar do nosso povo. Cada “formador de opinião” é aí um boneco de ventríloquo, repetidor
de slogans e chavões que não traduzem em nada os problemas
reais do país e que, no fim das contas, só servem para aumentar prodigiosamente a
confusão mental reinante.
Como é possível que, num país onde cinquenta por cento dos universitários são reconhecidamente analfabetos funcionais e os alunos dos cursos secundários tiram sistematicamente os últimos lugares nos testes internacionais, o currículo acadêmico de um professor continue sendo aceito como prova inquestionável de competência? Não deveria ser justamente o oposto? Não deveria ser um indício quase infalível de que, ressalvadas umas poucas exceções, o portador dessa folha de realizações é muito provavelmente, por média estatística, apenas um incompetente protegido por interesses corporativos? Terá sido revogado o “pelos frutos os conhecereis”? A interproteção mafiosa de carreiristas semi-analfabetos unidos por ambições grupais e partidárias tornou-se critério de qualificação intelectual?
Não é mesmo um sinal,
já não digo de mera incultura, mas de
positiva debilidade mental, que os
mesmos apologistas do establishment universitário fossem
os primeiros a apontar como mérito
imarcessível do candidato Luís Ignácio
Lula da Silva,
em duas eleições, a sua total carência de quaisquer estudos formais
ou informais?
Não chegava a prodigiosa incultura do personagem a ser louvada como sinal de
alguma sabedoria infusa?
Todo sujeito que, à
exigência de conhecimento, opõe o louvor evangélico aos “simples”, é um charlatão. Jesus prometeu aos “simples”
um lugar no paraíso, não um palanque ou uma cátedra na Terra. [só que o estrupício do Lula é comunista e o comunismo pressupõe ser
ateu o que garante aos merecedores do Paraíso a não convivência com Lula.]
Escrito por: Olavo de Carvalho - Publicado no Diário do
Comércio. http://olavodecarvalho.org