O Globo
A impossibilidade constitucional de usar provas conseguidas através de
meios ilícitos para anular processos da Lava-Jato, ou punir os
procuradores de Curitiba, começa a ser explicitada através de decisões
em várias instâncias judiciais. Todas concordam também que os diálogos,
se verdadeiros, não indicam nenhuma ação ilegal ou prejuízo ao
ex-presidente Lula. O mais recente pronunciamento nesse sentido foi feito ontem pelo
subprocurador-geral da República Nívio de Freitas. Ele rebateu no
Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedido de Lula para anular a
condenação do julgamento do caso do tríplex do Guarujá, sob alegação de
parcialidade de Sergio Moro, com base nos diálogos divulgados pelo site
Intercept Brasil.
O subprocurador-geral garantiu que, além de ilegais, nenhuma das
mensagens demonstra concreto prejuízo ao réu. Ele afirmou que as
interceptações de autoridades foram realizadas “ao arrepio da lei, e
utilizadas para aviltar e desacreditar as instituições republicanas de
combate à corrupção.” O representante da PGR argumentou que “(...) Ainda que se cogitasse de
eventual quebra de imparcialidade pelo Juízo de primeira instância, não
custa lembrar que o manancial de provas foi revisitado novamente pela
instância superior”, referindo-se ao TRF-4, que confirmou a condenação
do ex-presidente Lula.
Por sua vez, o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público,
Orlando Rochadel, que ontem abriu uma investigação, a pedido do PT,
contra o coordenador do MP em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, em
junho já havia se manifestado contra a aceitação de provas conseguidas
de maneira ilícita. O processo tinha por base pedido de membros do CNMP,
utilizando os mesmos diálogos do Intercept Brasil agora usados pelo PT. Na decisão de arquivar o processo, Orlando Rochadel citou o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, no recente julgamento do
habeas corpus em favor de Lula na Segunda Turma, que disse que era
impossível aceitar a prova sem que ficasse comprovada a autenticidade
dos diálogos, que é negada pelos procuradores e pelo hoje ministro da
Justiça, Sergio Moro.
Para o corregedor do CNMP, “independentemente da veracidade dessas
mensagens, ficou patente que sua obtenção se deu de forma ilícita, pois
se deu à revelia de qualquer autorização judicial e com infração do
direito à intimidade dos interlocutores”. O corregedor Orlando Rochadel
diz na sua decisão que “ainda que as provas em questão não fossem
ilícitas — como manifestamente o são —, inexistiria infração
disciplinar” Ele alega que o Conselho Nacional do Ministério Público tem como valor
básico “a comunicação e ampla disponibilidade dos Membros do Ministério
Público para contato com a sociedade e os operadores jurídicos”. Logo,
diz ele, “o contato entre Membros do Ministério Público e Magistrados é
salutar para a administração da justiça, especialmente quando se
relacionam com a praxe de gestão dos serviços judiciários”.
Para Orlando Rochadel, uma análise das mensagens “denota articulação
logística em face de um processo de inegável complexidade, ao longo de
vários anos. Não se identifica articulação para combinar argumentos,
conteúdo de peças ou antecipação de juízo ou resultado. Igualmente não
se verifica indicação de compartilhamento de conteúdo de peças
decisórias ou que os atos do Magistrado foram elaborados por Membros do
Ministério Público”.
Na visão do corregedor do CNMP, “contatos com as partes de processos e
procedimentos, advogados e magistrados, afiguram-se essenciais para a
melhor prestação de serviços à sociedade. Igualmente, pressupõe-se para
os Membros do Ministério Público a mesma diligência da honrosa classe
dos advogados, que vão despachar processos e conversam, diariamente, com
magistrados”. Em resumo, afirma Orlando Rochadel, “ainda que as mensagens em tela
fossem verdadeiras e houvessem sido captadas de forma lícita, não se
verificaria nenhum ilícito funcional”.
Merval Pereira, Jornalista - O Globo