O que assusta na marcha da política rumo à desfaçatez é a sua crueza.
Nesta terça-feira, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado
realiza uma suposta sabatina com Alexandre de Moraes. Trata-se de um
encontro aviltante, constrangedor e desnecessário. É aviltante
porque a bancada de interrogadores inclui senadores que merecem
interrogatório. É constrangedor porque as perguntas que o interrogado
merece escutar são mais embaraçosas do que as respostas que ele não terá
condições de dar. É desnecessário porque o jogo já está jogado.
Nesse
tipo de sessão, o cinismo é o mais próximo que os participantes chegam
das suas melhores virtudes. Todos sabem que o indicado de Michel Temer à
vaga do Supremo Tribunal Federal será aprovado. Mas o sucesso da
pantomima está justamente na compenetração com que os atores exibem suas
virtudes fingidas. Moraes sustentou numa tese de mestrado que não
se deve indicar para o Supremo um sujeito que ocupou cargo de confiança
sob o presidente que assina a indicação. Do contrário, o beneficiário
pode ser compelido a injetar demonstrações de “gratidão política” nas
suas futuras sentenças.
Alguém poderia perguntar durante a
sabatina: como confiar num magistrado que, tomado por seus
autocritérios, agradecerá com a toga? Ou ainda: tendo saído de um
governo apinhado de investigados, não acha o cúmulo do despudor assumir o
posto de ministro-revisor da Lava Jato no plenário do Supremo? Num
de seus livros, Moraes sustentou que o princípio da presunção da
inocência não invalida “as prisões temporárias, preventivas, por
pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado.” Quer
dizer: apoia a tese de que os condenados em segunda instância devem
aguardar pelo julgamento de eventuais recursos atrás das grades.
Caberia
a indagação: neste caso, vale o que foi dito ou vai rasgar novamente o
que escreveu para desfazer a maioria frágil de 6 a 5 que levou o Supremo
a abrir as portas do xilindró para os condenados em duas instâncias?
Ou, por outra: combaterá a impunidade ou estancará a sangria? Além
de ser ministro licenciado do governo Temer, Moraes já foi advogado de
Eduardo Cunha e secretário de Segurança de Geraldo Alckmin. Até outro
dia, era filiado ao partido presidido por Aécio Neves. Alguém deveria
indagar: deparando-se com um processo que traga na capa o nome de tais
personagens terá a honestidade intelectual de se declarar impedido de
julgar?
No esforço que empreendeu para seduzir os senadores que o
alçarão à poltrona do Supremo, Moraes confraternizou gostosamente com
suspeitos. Chegou mesmo a se submeter a uma sabatina informal, sobre as
águas do Lago Paranoá, numa chalana chamada Champagne. A bordo,
senadores investigados e até um condenado.
Moraes finge não notar
que, mesmo quando alguém consegue extrair benefícios de um encontro com
gambás, sairá da conversa cheirando mal. Quem entra numa roda de
suspeitos, arrisca-se a ser confundido com eles. Ingenuidade ou estilo?
Que tipo de gente vai virar a maçaneta da porta do gabinete de um
ministro do Supremo que valoriza tão pouco o recato?
São mesmo
constrangedoras as perguntas que Alexandre de Moraes mereceria ouvir se a
marcha da política rumo à desfaçatez não tivesse transformado a
sabatina de um candidato a ministro da Suprema Corte do país numa
aviltante, constrangedora e desnecessária barbada.
Fonte: Blog do Josias de Souza
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terça-feira, 21 de fevereiro de 2017
Indagações que Moraes merece escutar embaraçam mais que qualquer resposta
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