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terça-feira, 21 de junho de 2016

STF aceita denúncia contra Bolsonaro por dizer que colega não merecia ser estuprada por ser feia

Deputado vai responder por incitação ao crime e injúria após frase dita a Maria do Rosário

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou denúncia contra o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) por entrevista na qual ele disse que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada. Ao jornal "Zero Hora", ele declarou em dezembro de 2014 que ela era “muito ruim” e “muito feia”, e por isso não seria merecedora do estupro. Com a decisão, Bolsonaro passa à condição de réu. Ele vai responder por incitação ao crime, que tem pena de três a seis meses, e injúria, cuja punição varia de um a seis meses de detenção. [Bolsonaro não incitou ninguém ao crime; ao contrário, dissuadiu eventual interessado em estuprar Maria do Rosário.] 

Após as declarações de Bolsonaro, Maria do Rosário apresentou uma queixa-crime no STF pelos crimes de injúria e calúnia (este segundo crime foi rejeitado). Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) acionou o tribunal por apologia ao crime. A defesa de Bolsonaro argumentou que suas declarações são protegidas pelo artigo 53 da Constituição, que estabelece a imunidade parlamentar, não podendo ser responsabilizado civil ou penalmente por isso.

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O relator do caso no STF, ministro Luiz Fux, argumentou que a imunidade parlamentar não se aplica a declarações dadas à imprensa e sem relação com o exercício do mandato. O fato de Bolsonaro ter dado a entrevista em seu gabinete, por telefone, é "meramente incidental", segundo Fux. Outros três ministros da Primeira Turma Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso — acompanharam o voto de Fux. Apenas Marco Aurélio Mello votou contra, usando o argumento da imunidade parlamentar. "Ela não merece (ser estuprada) porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz meu gênero. Jamais a estupraria", disse Bolsonaro na entrevista publicada em 10 de dezembro de 2014. 

Um dia antes, ele já tinha dito na Câmara que não estupraria Maria do Rosário porque ela não mereceria. Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí. Fique aí, Maria do Rosário. Há poucos dias você me chamou de estuprador no salão verde (da Câmara) e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir — disse Bolsonaro em pronunciamento no dia 9 de dezembro de 2014 na Câmara.

Maria do Rosário alegou jamais ter chamado o colega de estuprador e, por isso, queria que Bolsonaro também respondesse pelo crime de calúnia. Nesse caso, no entanto, o STF não deu prosseguimento à ação.

FUX CRITICA DECLARAÇÕES
Em seu voto, Fux criticou as declarações de Bolsonaro. — É o que está dito em suas palavras implicitamente: só não estupra porque não merece. Então deve haver merecimento para ser vítima de estupro. Em primeiro lugar, o emprego do vocábulo "merece" no sentido e contexto presente conferem a esse gravíssimo delito que é o estupro o atributo de prêmio, favor e benesse à mulher que merece ser estuprada por suas aptidões e qualidades físicas. As palavras do parlamentar podem ser interpretadas no sentido de que uma mulher não merece ser estuprada quando é feia ou não fazem o gênero do estuprador — disse Fux. 

Nesse sentido, as afirmações do parlamentar denunciado dão a entender de que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher poderia ou mereceria ser estuprada. Cuida-se de expressão que não apenas menospreza a dignidade da mulher, como atribui às vítimas merecimento dos sofrimentos que lhes sejam infligidos. Percebe-se na postura desprezo contra as graves consequências para a construção da subjetividade feminina decorrentes do estupro e aos desdobramentos dramáticos dessa profunda violência — acrescentou o relator.

O ministro Marco Aurélio Mello foi o único a discordar de Fux. Segundo ele, é preciso considerar o contexto, ou seja, o histórico de desavença entre dos dois deputados. Os fatos tiveram início em 2013, quando os dois bateram boca. Na ocasião, Mario do Rosário o chamou de estuprador e ele respondeu que não a estupraria porque ela não mereceria.  O que tivemos aqui foi um arroubo de retórica, foi uma metáfora, quando Bolsonaro, e não estou colocando em um divã para realmente como profissional da área saber a intenção, disse que não a estupraria por ela ser feia. Eu já disse que não concordo, tenho-a como uma moça bonita. Ele quis dizer que não manteria relações com ela, mesmo que, apartada a questão ideológica, ela o quisesse — disse Marco Aurélio.



Antes dos votos dos ministros, o advogado de Maria do Rosário, Paulo Freire, argumentou que as declarações de Bolsonaro não tinham relação com as funções legislativas de um deputado.  — Nós estamos num momento, numa conjuntura nacional onde se dá a ideia de que, se a deputada Maria do Rosário fosse bonita, simpática e fizesse o gênero do deputado Jair Bolsonaro, ela mereceria ser estuprada por ele. Me parece que, neste contexto, onde se aguça a cultura do estupro, onde verificamos a questão do estupro coletivo no Rio de Janeiro e em outras situações, me parece que não se encaixa como uma função típica legislativa exercer esses tipos de comentários e agressões verbais direcionadas a uma colega do próprio Parlamento — disse Paulo Freire.

Lygia Regina de Oliveira Martan, advogada de Bolsonaro, argumentou que permitir a continuidade do processo seria uma inovação, uma vez que a jurisprudência do STF é no sentido de que há imunidade parlamentar nesses casos. Seria, portanto, uma afronta ao princípio da segurança jurídica. Argumentou também que não há notícia de que houve aumento no número de estupros em função das declarações de seu cliente.  — O colega que me precedeu disse a respeito da cultura do estupro. O deputado não pode ser responsabilizado pelo estupro coletivo no Rio de Janeiro. Não há nos autos o mínimo de provas. Não há nos autos provas que indiquem que o número de estupros aumentou no Brasil após o pronunciamento, a fala, a entrevista do deputado Jair Bolsonaro — disse a advogada.

BOLSONARO DEFENDE IMUNIDADE PARLAMENTAR
Em entrevista concedida na Câmara, Bolsonaro defendeu a imunidade parlamentar e que as declarações dele foram uma resposta a provocações de Maria do Rosário. Segundo o deputado, ele quis dizer apenas que a colega era feia. O deputado citou inclusive propostas apresentadas por ele aumentando punição a estupradores. — O fato é o seguinte: a retorção minha, aquele ato reflexo foi uma maneira de chamá-la de feia. Poderia ter falado outra coisa. Mas naquele momento, quando acabei de receber uma agressão, eu, como chefe de família responsável, ser chamado de estuprador, isso acho que ninguém aqui gostaria ou ficaria feliz ou não tomaria uma providência qualquer, não teria um ato reflexo como eu tive — disse Bolsonaro.

Questionado se pediria desculpas a Maria do Rosário, Bolsonaro respondeu: — Quem começou esse episódio foi ela. Ela que peça primeiro. Da minha parte não tem problema, eu dou um abraço nela, sem problema nenhum. Ela entrou de carrinho por trás de mim. Ele me chamou de estuprador do nada. Por que eu nunca entrei com ação contra ela? Porque eu acredito na imunidade material por palavras, opiniões e votos (dos parlamentares). Se eu não acreditar na Constituição, vou acreditar no quê? Na minha lei? Eu não sou dono da lei. Tem que respeitar, a regra do jogo está aí? Quantas coisas a gente não gosta mas estão na lei e somos obrigados a cumprir?

Em nota, Maria do Rosário saudou a decisão do STF, qualificando-a de "vitória contra a impunidade". Segundo ela, é fundamental combater a cultura do estupro, em especial num país onde uma pessoa é vítima desse tipo de crime a cada 11 minutos.  "Tal como bem pontuou em seu voto o relator do caso, ministro Fux, a fala do réu contribuiu para a disseminação do ódio nas redes, sua manifestação repercutiu e gerou eco, e não poderia ser tratada como atividade parlamentar ordinária. Essa não é apenas uma resposta para a sua ação em si, mas uma importante afirmação de que a lei é para todos, independentemente do cargo ou posição de poder. É mais um passo na construção de uma sociedade em que às mulheres sejam respeitadas em todos os espaços e valorizadas enquanto sujeitos de direitos", diz trecho da nota.

DECISÃO REPERCUTE NA COMISSÃO DO IMPEACHMENT
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tornar o réu o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) repercutiu até na comissão do impeachment. O senador José Medeiros (PSD-MT) trouxe o tema aos debates criticando o STF. Na sua visão, a decisão fere a liberdade de opinião dos parlamentares.  — Não vou entrar no mérito. Acho deplorável o que ele disse. Mas penso que o parlamento tem que estar livre. Em que pese as palavras deploráveis e censuráveis, o parlamento não pode ser impedido de emitir opinião — afirmou. [Bolsonaro não fez apologia ao crime; tudo bem, mulher nenhuma deve ser estuprada e os estupradores devem ser  punidos com rigor.
Mas, Bolsonaro com suas palavras, após ser ofendido pela inestuprável Maria do Rosário, ajudou o combate ao crime de estupor - desestimulando eventuais estupradores (repetimos criminosos que devem ser punidos com rigor)a estuprar mulheres feias.
Sabemos que a maior parte dos crimes de estupro ficam impunes, se as mulheres feias forem poupadas da violência do estupro, menos mulheres serão agredidas.
Por vias indiretas, Bolsonaro combateu com suas palavras o estupro.]


O petista Lindbergh Farias (RJ) rebateu, apoiando a decisão:  — Esse deputado é useiro e vezeiro no desrespeito. Ele transforma o parlamento no ridículo. Se o STF chegou a essa decisão não foi por falta de motivo.
A senadora Simone Tebet (PMDB-MS) pediu que o tema fosse deixado de lá para que se retomasse o depoimento da ex-ministro do Planejamento Miriam Belchior.

Fonte: Extra