A revolta dos procuradores de Curitiba com a ampliação do indulto de
Natal concedido pelo presidente Michel Temer mostra bem o que entendem
estar por trás dela: a tentativa de influir no andamento das
investigações da Lava- Jato e de outras operações que desvendam atos de
corrupção. A medida é vista como um compromisso governamental de livrar
da cadeia os condenados, neutralizando uma das mais importantes armas da
investigação, a delação premiada. Além da reação retórica, que tem
atingido tons muito acima do normal, especialmente por parte dos
procuradores de Curitiba, caberia ação de inconstitucionalidade junto ao
Supremo Tribunal Federal (STF), ou pode acontecer de juízes de execução
penal, caso a caso, deixar de aplicá-la se entenderem que é
inconstitucional.
Alguns advogados consideram que é uma argumentação provável. A
maioria consultada considera possível, porém difícil. Existem casos de
juízes negarem indulto por falta de reparação do dano decorrente de
corrupção. Como a lei para progressão da pena exige a reparação, a mesma
lógica poderia ser aplicada ao indulto. Não é argumento incontroverso.
Com a perspectiva de receber o indulto depois de cumprir apenas 1/5
da pena, quem vai fazer delação, pergunta o procurador-chefe da
Lava-Jato, Deltan Dallagnol. Ele ressalta que, na “colaboração
premiada”, o réu entrega informações e provas sobre crimes e criminosos,
assim como devolve o dinheiro desviado, em troca de uma diminuição da
pena. [o caso dos açougueiros de Anápolis mostra o quanto a delação premiada é eficiente.] Essas informações e provas são usadas para expandir as apurações e
maximizar a responsabilização de criminosos e o ressarcimento aos
cofres públicos. O réu só faz um acordo quando corre o risco de ser
condenado a penas sérias, ressalta Dallagnol, sem se incomodar com a
acusação de que a Lava-Jato se utiliza das prisões prolongadas para
conseguir delações.
No ano passado, o indulto previa que só poderiam ser beneficiados os
sentenciados a no máximo 12 anos, que tivessem cumprido um quarto da
pena, se não reincidentes. Agora, o tempo de cumprimento cai para um
quinto, independentemente do total da punição estabelecida na
condenação. [lembrando que o quinto é diretamente proporcional ao total da pena estabelecida na punição.] A ampliação do indulto seria uma medida entre tantas que tentam
aprovar, em diversas esferas de poder, para esvaziar a Lava-Jato.
Antevendo essa possibilidade, a força-tarefa de Curitiba havia
solicitado ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal que
fossem feitas mudanças no indulto de Natal, para que os condenados por
crime de corrupção não fossem beneficiados.
O presidente não aceitou as ponderações de órgãos consultores e,
segundo o ministro Torquato Jardim (Justiça), tomou uma “decisão
política” de ampliar os efeitos do indulto. O presidente, disse o
ministro, “(…), entendeu que era o momento político adequado para se
mudar a visão, ter uma visão mais liberal da questão do indulto no
direito penal”. O juiz Sergio Moro está também em campanha para que outra medida não
venha a ser tomada, desta vez pelo STF: a interdição da prisão depois de
uma condenação em segunda instância. Seria outro golpe mortal nas
investigações, também na linha de reduzir o estímulo às delações
premiadas.
Sem a ameaça de prisão em condenação de segunda instância, o réu
poderia continuar tentando alargar o tempo dos recursos, como acontecia
antes da decisão do Supremo que está prestes a ser revogada. O
julgamento que permitiu a antecipação da prisão, antes do trânsito em
julgado, terminou com o placar de 6 a 5, mas o ministro Gilmar Mendes já
anunciou que reverá a posição quando o assunto voltar a julgamento. Mesmo que o ministro Alexandre de Moraes confirme o voto a favor dado
por seu antecessor, Teori Zavascki, como se comprometeu na sabatina do
Senado, o resultado será invertido.
O empresário Marcelo Odebrecht, por exemplo, só se decidiu a fazer a
delação premiada depois que o STF tomou tal decisão. Para Dallagnol, “a
grande verdade é que grandes líderes partidários estão na mesma berlinda
e que as investigações estão em expansão e que o que ele (Temer) está
conseguindo é uma saída para todo mundo.” De acordo com a Lava-Jato, 37
corruptos condenados por Sergio Moro poderão ser beneficiados pelo
indulto de Temer.
A afirmação do ministro da Justiça de que a ampliação do indulto foi
“uma decisão política” de Temer, que considerou esta ser a hora
apropriada para uma visão mais “liberal” desse poder concedido ao
presidente da República, mostra bem como Temer encara o combate à
corrupção no país. O que mais indica que essa decisão é benefício
inestimável aos futuros condenados por corrupção é que ela está tendo o
apoio de amplos grupos políticos, dentro e fora de sua base aliada,
demonstrando que as ações da Lava Jato não têm objetivo partidário
específico, como são acusadas.
Merval Pereira - O Globo
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terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Reação ao indulto
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