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sábado, 2 de junho de 2018

Cesário de Melo, com BRT fechado, atravessa QGs da milícia e do tráfico

Uma das principais vias da Zona Oeste está sitiada pelo crime

Entre Santa Cruz e Campo Grande, cerca de 240 mil pessoas moram nos sub-bairros, loteamentos, vilas, conjuntos habitacionais e favelas às margens da Avenida Cesário de Melo. É mais gente do que em 98% dos municípios brasileiros, algo próximo da população da cidade de Macaé. E a maioria vive em territórios dominados pelos grupos criminosos que aterrorizam o Rio. Esta semana, a denúncia do secretário da Casa Civil do município, Paulo Messina, de que estações do BRT Transoeste ao longo da via tinham virado pontos de venda de drogas, chamou a atenção para a região. Mas não é de hoje que esse entorno está subjugado aos desmandos de milicianos e traficantes, enfrentando as consequências das disputas e, às vezes, das associações entre essas quadrilhas. Em mais uma “Faixa de Gaza” carioca, atualmente quase não há transversal à avenida em que não se esteja sob a vigilância dos bandidos.

As cerca de 20 estações do Transoeste nesse trecho permaneciam fechadas, segundo o consórcio que administra o sistema, devido à falta de condições de segurança. Viaturas da Polícia Militar ficaram baseadas perto das paradas mais críticas, enquanto milhares de pessoas que dependem dos ônibus seguiam enfrentando a instabilidade na região não dá trégua, ora com guerra entre os bandos, ora com aproximações entre eles, como fontes da polícia dizem ter ocorrido recentemente. Essa oscilação repousa no próprio perfil de Ecko, que é oriundo do tráfico e, em 2017, sucedeu a Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, morto numa operação da Delegacia de Homicídios (DH), no comando da maior milícia da Zona Oeste. Como O GLOBO revelou em abril, Ecko deixou de enxergar o tráfico como inimigo, e passou a tratá-lo como parceiro na ampliação de territórios.

Nesse jogo de cartas, em abril a Polícia Civil estourou, na comunidade do Cesarão, uma central de monitoramento por câmeras, de onde três comunidades eram vigiadas pelos milicianos: o próprio Cesarão e Três Pontes, dominadas por paramilitares, e Antares, controlada pelo tráfico de drogas.  Os traficantes que se uniram à milícia têm até apelido: são os “pulá”. No entanto, nos últimos anos, e mais intensamente em 2017, travaram-se batalhas pelo controle das favelas do Rola, com invasões da milícia à área do tráfico. A região acabou se tornando uma espécie de híbrido, com momentos em que o tráfico tem influência da milícia, e esta tenta também tomar Antares.

Escolas e clínicas afetadas
No meio dos confrontos, no trecho de Santa Cruz à beira da Cesário de Melo, clínicas da família e escolas como a Eduardo Rabelo, da prefeitura, são frequentemente afetadas. De Paciência em diante, passando por Cosmos, Inhoaíba e Campo Grande, onde a milícia dá as cartas, engana-se quem imagina haver tranquilidade em áreas comerciais às margens da via ou em ruas residenciais aparentemente pacatas. Em localidades como Vilar Carioca, Vila São Jorge e Vila do Céu, ou mesmo nos condomínios do Minha Casa Minha Vida em Cosmos, desobedecer as regras dos paramilitares pode ser fatal.

Ao mesmo tempo, muitas vezes a própria Cesário de Melo parece uma terra sem lei, ao menos as formais, às quais a cidade inteira está submetida. Com as estações do BRT fechadas, um carro particular circulava nas pistas exclusivas do corredor de ônibus (esburacadas e com asfalto irregular, por sinal). Em Cosmos, apesar do policiamento reforçado, um motorista, para encurtar o caminho, não hesitou em entrar pela contramão na pista da Cesário de Melo e, depois, circular com as quatro rodas na calçada, por cerca de 50 metros, até o portão de um condomínio. Poucos ônibus de linhas normais circulavam na região. Numa ida e volta completa pela avenida, das 13h25m às 14h, uma equipe do GLOBO cruzou com apenas quatro coletivos, num dia em que a circulação já começava a normalizar após a greve dos caminhoneiros. Enquanto isso, dezenas de vans trafegavam lotadas. Muitas delas tinham cobradores que se arriscavam com meio corpo para fora das janelas. Em outras, os assentos dos veículos tinham sido trocados por bancos de ônibus, e passageiros viajavam em pé. No entanto, ao longo de toda a tarde, O GLOBO não avistou um único guarda municipal ou fiscal de transportes.  — O que acontece é que, na Zona Oeste, em várias áreas dominadas pelas milícias, os ônibus são proibidos de embarcar passageiros. Nessas áreas, os usuários são obrigados a recorrer a vans ligadas à milícia — diz um empresário do setor.

Acordo sobre nova tarifa será assinado hoje
Na estação Cesarão I, uma viatura da PM fazia a guarda. Na Cesarão II, um blindado e quatro PMs estavam de prontidão. E as paradas Cesarão III, Cesarinho e 31 de Outubro eram guarnecidas por duplas de policiais. O restante do trecho, até Campo Grande, seguia fechado e sem policiamento. Funcionários do consórcio BRT avisavam aos passageiros sobre o fechamento.  — A condição de trabalho por aqui é muito complicada. Não sei como será daqui para frente — disse um funcionário do BRT, que preferiu não se identificar.

Enquanto isso, o prefeito Marcelo Crivella prevê assinar no Palácio da Cidade, um acordo com o Rio Ônibus sobre uma nova tarifa para os ônibus municipais e o BRT. Nesta quarta-feira, ele já tinha informado que, como contrapartida ao reajuste, negociava com o consórcio que administra o sistema um projeto de segurança, nos moldes do Segurança Presente.
No entanto, não havia previsão para o restabelecimento do funcionamento do trecho entre Santa Cruz e Campo Grande do Transoeste. Em Campo Grande, próximo da Estação Parque Esperança, ciclistas usavam a via interditada como ciclovia. Já a Estação Cândido Magalhães servia de abrigo para pessoas em situação de rua. Moradora do bairro, Priscila Aparecida disse que usa o BRT para procurar emprego na Barra. Com a greve, passou a ter um sofrimento extra.  — Agora, meu deslocamento está levando uma hora além do que costumava ser. Mas não dá para desistir — dizia ela.

O Globo