Renan Ramalho
Os
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) deverão evitar, ao menos no curto prazo, reações duras,
seja por meio de declarações fortes ou decisões adversas, ao indulto concedido pelo presidente Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), e à nota do Ministério da Defesa que repudiou falas recentes do ministro Luís Roberto Barroso sobre a participação das Forças Armadas no processo eleitoral.
A avaliação de boa parte deles, apurou a Gazeta do Povo,
é de que o momento exige acalmar os ânimos e evitar ações que escalem
uma nova crise institucional com o Executivo. Um dado diferencial em
relação a outros episódios de tensão é que, desta vez, o STF está mais
isolado que no passado, quando recebeu apoio dos presidentes da Câmara e
do Senado, o que não ocorreu agora. Uma oposição das Forças Armadas
deixaria a situação ainda pior.
No STF, o decreto de Bolsonaro que perdoou a pena de prisão de Silveira
pegou os ministros de surpresa e, nos bastidores, alguns criticaram o
presidente da Corte, Luiz Fux, por não antever esse cenário – um diálogo
mais constante com o Executivo e o Congresso poderia ter antecipado um
cenário assim, de modo a preparar previamente uma resposta ou uma
solução para o caso. Seu entorno avalia que a Corte precisará dar uma
resposta firme, mas serena, em relação ao episódio. Várias questões
levam a essa postura, de ordem jurídica, política e institucional.
Dificuldades jurídicas e políticas para derrubar o indulto no STF
No aspecto jurídico, a jurisprudência mais recente do Supremo reconhece a ampla liberdade discricionária do presidente da República para conceder a graça individual ou o indulto coletivo. Esse entendimento foi firmado há três anos no julgamento que validou um decreto do ex-presidente Michel Temer (MDB), editado em 2017, que beneficiou condenados por corrupção.
Apesar
de vários juristas, em geral críticos de Bolsonaro, terem apontado na
imprensa problemas no decreto do presidente, e inspirado partidos de
oposição a contestá-los na Corte, ainda não há, entre os ministros, um
consenso mínimo sobre um caminho jurídico robusto e viável para
derrubá-lo.
Vários argumentos contrários – desvio de finalidade,
ausência de trânsito em julgado, quebra da impessoalidade ou moralidade –
foram, em alguma medida, enfrentados no julgamento de 2018. “Compete ao Presidente da República definir a concessão ou
não do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência
constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade”, diz a
ementa da decisão, que sintetiza o entendimento firmado, e que foi redigida por
Alexandre de Moraes, relator da condenação de Silveira.
A ementa também diz que o Judiciário – no caso, o próprio
STF – pode analisar a constitucionalidade do decreto, mas não seu mérito, “que deve
ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da
República, que poderá, entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis,
escolher aquela que entender como a melhor”.
Para
muitos ministros, significa que o STF poderia tão somente derrubar um
decreto que descumprisse uma regra expressa da Constituição, no caso,
uma que proíbe o perdão de crimes hediondos, tortura, terrorismo e
tráfico de drogas – esse, aliás, é o entendimento da ministra Rosa Weber, que foi sorteada para relatar as ações contra o decreto a favor de Silveira.
No
julgamento do indulto de Temer, ela também disse que, no seu
entendimento, o ato é político e não administrativo, o que, em tese,
afastaria argumentos de que o decreto não atenderia aos princípios
exigidos da administração pública (moralidade e impessoalidade).
Não foram só a surpresa e a dificuldade jurídica que levaram
os ministros a recuar, mas também o desafio de orquestrar uma maioria interna para
uma solução que derrube o decreto. Em primeiro lugar, os atuais cinco ministros
que votaram a favor do indulto de Temer teriam de virar ou relativizar o entendimento
que adotaram em 2018.
Além disso, a perspectiva é que Kassio Nunes Marques e André
Mendonça votem por manter o decreto – o último estaria propenso a isso depois
das críticas que recebeu de apoiadores do presidente por condenar Silveira. Uma
decisão rápida do plenário, nesse momento, teria alto risco de manter o indulto,
o que representaria uma derrota humilhante para o STF.
O
melhor, avaliam vários ministros, é deixar um tempo passar para uma
decisão que contemple todos os lados do entrevero entre os poderes.
Nesse
sentido, o STF poderia abrir mão da condenação, e da pena de prisão e
multa, mas desde que ficasse assentado que o TSE poderia declarar
Silveira inelegível pela Lei da Ficha Limpa – sob o fundamento jurídico
que o indulto só elimina a punição penal, mas não efeitos secundários da
condenação, compreensão que já tem precedentes e foi adotado por Rosa
Weber em 2018. Afinal, o principal interesse dos ministros é impedir que
Silveira, apoiado por Bolsonaro, se lance candidato ao Senado e faça uma campanha com a bandeira de confrontar o STF, como já demonstrou inúmeras vezes em discursos e atos.
A
expectativa é que essa solução acalme, em alguma medida, o Executivo,
levando-se não só o fato de Bolsonaro ter feito do indulto uma questão
de honra – nesta segunda, ele disse a agricultores, importante base de apoio, que o decreto “é constitucional e será cumprido” – como também informações de que generais e chefes do Centrão avalizaram a medida.
O
Congresso, por sua vez, seria atendido na pretensão de dar a palavra
final sobre a cassação do mandato de Silveira. Na semana passada, logo
após a condenação do deputado, o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), apresentou um recurso ao STF
exigindo que a perda do mandato seja decidida em votação interna, e não decretada de forma automática, como indicou o voto de Alexandre de Moraes e seguido pela maioria dos ministros.
Essa
espécie de “acordão”, no entanto, considerada ideal, ainda precisa ser
alinhavada internamente e com os interlocutores dos demais poderes nos
bastidores. Outro fator que favorece a postura de dar
um tempo para esfriar a crise é a postura de Rosa Weber, a relatora das
ações contra o decreto. A ministra, que costuma ser reservada – nunca
fala fora dos autos, se afasta de conchavos internos e é avessa às
articulações políticas – deu, nesta segunda-feira (25), um prazo de dez dias para que o presidente Bolsonaro apresente explicações sobre a graça presidencial, sem conceder a liminar solicitada pelo autor da ação, a Rede Sustentabilidade, para a suspensão imediata do perdão.
“Requisitem-se
informações ao presidente da República a serem prestadas no prazo de 10
dias. Após, dê-se vista ao advogado-geral da União e ao
procurador-geral da República, sucessivamente, no prazo de 5 dias”,
aponta o despacho da ministra.
Só depois de recebidos os pareceres, ela poderá então levar a questão diretamente ao plenário.
Contenção no TSEO silêncio, por ora, também deve prevalecer no TSE,
cujo presidente Edson Fachin não sinalizou qualquer disposição, nesta segunda-feira (25),
de responder à nota da Defesa que considerou como “ofensa grave” e “irresponsável” uma declaração do ex-presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, deste domingo (24), segundo a qual as Forças Armadas foram
“orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo”.Uma primeira razão para não responder é que Barroso, apesar
de ter sido o responsável por convidar as Forças Armadas para certificar a
segurança do sistema de votação, não integra mais o TSE e que sua crítica foi direcionada
a Bolsonaro, não aos militares em geral.
Fachin, por outro lado, tem tentado angariar apoio institucional
de forma discreta e por meio do diálogo, de modo a respaldar a posição da Corte
em caso de conflito com o Executivo.
Nesta segunda,
por exemplo, numa reunião que estava marcada desde março, o ministro
reuniu em seu gabinete representantes de todas as instituições que,
assim como as Forças Armadas, foram chamadas para compor a Comissão de
Transparência Eleitoral (CTE). Ele anunciou a aprovação de um Plano de Ação, que incorpora sugestões feitas pelos militares e por outras entidades para aprimorar a segurança e a confiança nas urnas eletrônicas.
No
discurso inicial, deu boas-vindas para as senadoras Eliziane Gama
(Cidadania-MA) e Kátia Abreu (PP-TO) e a deputada Margarete Coelho
(PP-AL), todas bastante influentes no Congresso, e que agora passam a
compor o grupo. Fachin fez um apelo para que todas as instituições
colaborem não só para acompanhar de perto as medidas adotadas para
melhorar o sistema, como também garantam apoio ao tribunal diante das
críticas e desconfianças. “O Tribunal Superior Eleitoral avança com passos firmes em
direção ao cumprimento da sua missão de diplomar as eleitas e eleitos das
futuras eleições gerais não apenas porque fazemos bom uso de recursos
tecnológicos. Antes, o nosso êxito e credibilidade têm raiz na crença que
compartilhamos de que a democracia é inegociável, de que a Justiça Eleitoral é
um patrimônio imaterial da sociedade brasileira e de que atacá-la equivale a
atacar a própria democracia”, disse o ministro.
Renan Ramalho, colunista - República - Gazeta do Povo