Uma das principais vias da Zona Oeste está sitiada pelo crime
Entre
Santa Cruz e Campo Grande, cerca de 240 mil pessoas moram nos sub-bairros,
loteamentos, vilas, conjuntos habitacionais e favelas às margens da Avenida
Cesário de Melo. É mais gente do que em 98% dos municípios brasileiros, algo
próximo da população da cidade de Macaé. E a maioria vive em territórios
dominados pelos grupos criminosos que aterrorizam o Rio. Esta semana, a
denúncia do secretário da Casa Civil do município, Paulo Messina, de que estações do BRT Transoeste ao
longo da via tinham virado pontos de venda de drogas, chamou a
atenção para a região. Mas não é de hoje que esse entorno está subjugado aos
desmandos de milicianos e traficantes, enfrentando as consequências das
disputas e, às vezes, das associações entre essas quadrilhas. Em mais uma
“Faixa de Gaza” carioca, atualmente quase não há transversal à avenida em que
não se esteja sob a vigilância dos bandidos.
As cerca de 20 estações do Transoeste nesse trecho
permaneciam fechadas, segundo o consórcio que administra o sistema,
devido à falta de condições de segurança. Viaturas da Polícia Militar ficaram baseadas perto das paradas mais críticas,
enquanto milhares de pessoas que dependem dos ônibus seguiam enfrentando a instabilidade na região não dá trégua, ora com guerra entre os bandos, ora com
aproximações entre eles, como fontes da polícia dizem ter ocorrido
recentemente. Essa oscilação repousa no próprio perfil de Ecko, que é oriundo
do tráfico e, em 2017, sucedeu a Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três
Pontes, morto numa operação da Delegacia de Homicídios (DH), no comando da
maior milícia da Zona Oeste. Como O GLOBO revelou em abril, Ecko deixou de
enxergar o tráfico como inimigo, e passou a tratá-lo como parceiro na ampliação
de territórios.
Nesse
jogo de cartas, em abril a Polícia Civil estourou, na comunidade do Cesarão,
uma central de monitoramento por câmeras, de onde três comunidades eram
vigiadas pelos milicianos: o próprio Cesarão e Três Pontes, dominadas por
paramilitares, e Antares, controlada pelo tráfico de drogas. Os
traficantes que se uniram à milícia têm até apelido: são os “pulá”. No entanto,
nos últimos anos, e mais intensamente em 2017, travaram-se batalhas pelo
controle das favelas do Rola, com invasões da milícia à área do tráfico. A
região acabou se tornando uma espécie de híbrido, com momentos em que o tráfico
tem influência da milícia, e esta tenta também tomar Antares.
Escolas e clínicas afetadas
No meio
dos confrontos, no trecho de Santa Cruz à beira da Cesário de Melo, clínicas da
família e escolas como a Eduardo Rabelo, da prefeitura, são frequentemente
afetadas. De Paciência em diante, passando por Cosmos, Inhoaíba e Campo Grande,
onde a milícia dá as cartas, engana-se quem imagina haver tranquilidade em
áreas comerciais às margens da via ou em ruas residenciais aparentemente
pacatas. Em localidades como Vilar Carioca, Vila São Jorge e Vila do Céu, ou
mesmo nos condomínios do Minha Casa Minha Vida em Cosmos, desobedecer as regras
dos paramilitares pode ser fatal.
Ao mesmo
tempo, muitas vezes a própria Cesário de Melo parece uma terra sem lei, ao
menos as formais, às quais a cidade inteira está submetida. Com as estações do BRT fechadas, um carro particular
circulava nas pistas exclusivas do corredor de ônibus (esburacadas e com
asfalto irregular, por sinal). Em Cosmos, apesar do policiamento reforçado, um
motorista, para encurtar o caminho, não hesitou em entrar pela contramão na
pista da Cesário de Melo e, depois, circular com as quatro rodas na calçada,
por cerca de 50 metros, até o portão de um condomínio. Poucos
ônibus de linhas normais circulavam na região. Numa ida e volta completa pela avenida,
das 13h25m às 14h, uma equipe do GLOBO cruzou com apenas quatro coletivos, num
dia em que a circulação já começava a normalizar após a greve dos
caminhoneiros. Enquanto isso, dezenas de vans trafegavam lotadas. Muitas delas
tinham cobradores que se arriscavam com meio corpo para fora das janelas. Em
outras, os assentos dos veículos tinham sido trocados por bancos de ônibus, e
passageiros viajavam em pé. No entanto, ao longo de toda a tarde, O GLOBO não
avistou um único guarda municipal ou fiscal de transportes. — O que
acontece é que, na Zona Oeste, em várias áreas dominadas pelas milícias, os
ônibus são proibidos de embarcar passageiros. Nessas áreas, os usuários são
obrigados a recorrer a vans ligadas à milícia — diz um empresário do setor.
Acordo sobre nova tarifa será assinado hoje
Na estação Cesarão I, uma viatura da PM fazia a guarda. Na Cesarão
II, um blindado e quatro PMs estavam de prontidão. E as paradas Cesarão III,
Cesarinho e 31 de Outubro eram guarnecidas por duplas de policiais. O restante
do trecho, até Campo Grande, seguia fechado e sem policiamento. Funcionários do
consórcio BRT avisavam aos passageiros sobre o fechamento. — A
condição de trabalho por aqui é muito complicada. Não sei como será daqui para
frente — disse um funcionário do BRT, que preferiu não se identificar.
Enquanto
isso, o prefeito Marcelo Crivella prevê assinar no Palácio
da Cidade, um acordo com o Rio Ônibus sobre uma nova tarifa para os ônibus
municipais e o BRT. Nesta quarta-feira, ele já tinha informado que, como
contrapartida ao reajuste, negociava com o consórcio que
administra o sistema um projeto de segurança, nos moldes do Segurança Presente.
No
entanto, não havia previsão para o
restabelecimento do funcionamento do trecho entre Santa Cruz e Campo Grande do
Transoeste. Em Campo Grande, próximo da Estação Parque Esperança, ciclistas
usavam a via interditada como ciclovia. Já a Estação Cândido Magalhães servia
de abrigo para pessoas em situação de rua. Moradora do bairro, Priscila Aparecida
disse que usa o BRT para procurar emprego na Barra. Com a greve, passou a ter
um sofrimento extra. — Agora,
meu deslocamento está levando uma hora além do que costumava ser. Mas não dá
para desistir — dizia ela.
O Globo