Greve dos caminhoneiros ganha adesão nacional, paralisa o país e dá um nó no presidente Michel Temer — que cede às pressões e fica refém dos piqueteiros
Em um movimento sem liderança clara, convocado a princípio por meio de
grupos no WhatsApp e que ganhou apoio aos poucos, a greve dos
caminhoneiros contra os sucessivos aumentos no preço do diesel alcançou
mobilização maciça, raras vezes vista no país. Iniciada na segunda-feira
21, a paralisação atingiu, em diferentes escalas, todos os estados,
além do Distrito Federal. Com 400 pontos de bloqueio em vias
estratégicas para a circulação de mercadorias, os grevistas praticamente
não encontraram resistência policial e conseguiram impedir a circulação
dos motoristas que tentavam trabalhar. A paralisação desestabilizou o
fornecimento de alimentos, deixou postos e aeroportos sem combustíveis e
forçou a suspensão do trabalho em fábricas por falta de componentes.
Trata-se de um baque e tanto para a economia, cuja recuperação ainda é
frágil. De quebra, os caminhoneiros deram um nó no governo, expuseram a
ruína da coordenação política e atropelaram Michel Temer e seu discurso
de reformas e estabilidade, bem na semana em que o presidente e o seu
partido, o MDB, lançaram oficialmente o ex-ministro da Fazenda Henrique
Meirelles como candidato à sua sucessão.
Em decorrência do colapso nos transportes, o preço dos alimentos disparou nas feiras nos últimos dias. Voos tiveram de ser cancelados, montadoras pararam de fabricar carros por falta de peças e a circulação de ônibus foi reduzida. A população correu aos postos para encher o tanque do carro, mas muitas vezes não havia combustíveis ou as filas eram imensas. O escoamento da safra de grãos ficou comprometido justamente na temporada de exportação. Frigoríficos não tinham carne para processar. Além do incômodo evidente para a população, os transtornos deixaram prejuízos e sequelas para a atividade econômica ainda não estimados.
Desarticulado e aparvalhado, o governo inicialmente subestimou o alcance do protesto — até porque as duas tentativas anteriores de mobilização nacional dos caminhoneiros, em 2013 e 2015, não prosperaram. Depois, vislumbrando o estrago político e econômico, Temer decidiu ceder às pressões. No começo da semana, o discurso dos ministros e do presidente da Petrobras, Pedro Parente, era que não cederiam às chantagens. Na quarta-feira 23, o tom já era outro. Foi anunciada a suspensão da cobrança das contribuições de intervenção no domínio econômico (Cide), um dos tributos que oneram os combustíveis. A queda nos preços, porém, seria irrisória, de estimados 5 centavos. Foi insuficiente para os caminhoneiros voltarem atrás, apesar do pedido de trégua.
Paradão - Bloqueio de caminhões na Via Dutra, na quinta-feira 24, perto
de Jacareí: contra a alta de 22% no diesel (Nilton Cardin/Agência o
Globo)
No chão - Policiais escoltam caminhão de querosene no Aeroporto de Brasília: voos cancelados (André Dusek/Estadão Conteúdo)
A reviravolta enfraqueceu o discurso governista de que os dias de ingerência política na administração, tão comuns nos governos petistas, haviam chegado ao fim. Para o Planalto, que sonha em eleger Meirelles como sucessor, a greve funcionou como uma pá de cal na imagem de Temer. Até aqui, mesmo com os problemas éticos e políticos, dava-se crédito ao governo pela correta condução da economia. Os números mais recentes, no entanto, com expectativas mais baixas em relação ao PIB e a disparada do dólar, reforçados pela trapalhada na condução da greve, mostram que o governo, mesmo na sua área de excelência, tateia no escuro. Para piorar, a nova turbulência política e econômica chega em péssima hora. Complicações em diversos países emergentes, como a Argentina e a Turquia, em meio à alta dos juros nos Estados Unidos, fazem com que os investidores internacionais retirem o seu capital de economias consideradas menos confiáveis, caso do Brasil.
Quando o tsunami está para vir, o mar recua. Mas o governo não prestou atenção nos sinais do desastre. A insatisfação dos caminhoneiros era crescente nas últimas semanas. Trata-se de uma categoria que reúne 2 milhões de profissionais, um terço deles autônomos. O descontentamento chegou a um ponto crítico na semana anterior à da deflagração da paralisação. Ao menos duas grandes associações de classe, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) e a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), encaminharam cartas ao presidente Temer e aos principais ministros em que expunham a situação crítica e apresentavam as suas reivindicações. A CNTA pedia o congelamento temporário do preço do diesel para que fosse negociada uma solução, além da não cobrança de pedágio nas rodovias federais sobre os eixos suspensos dos caminhões. A Abcam, mais radical, exigia a total isenção de tributos federais sobre o diesel. Como não houve resposta concreta do governo, a greve estourou.
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