Greve dos
caminhoneiros ganha adesão nacional, paralisa o país e dá um nó no
presidente Michel Temer — que cede às pressões e fica refém dos
piqueteiros
Em um movimento sem liderança clara, convocado a princípio por meio de
grupos no WhatsApp e que ganhou apoio aos poucos, a greve dos
caminhoneiros contra os sucessivos aumentos no preço do diesel alcançou
mobilização maciça, raras vezes vista no país. Iniciada na segunda-feira
21, a paralisação atingiu, em diferentes escalas, todos os estados,
além do Distrito Federal. Com 400 pontos de bloqueio em vias
estratégicas para a circulação de mercadorias, os grevistas praticamente
não encontraram resistência policial e conseguiram impedir a circulação
dos motoristas que tentavam trabalhar. A paralisação desestabilizou o
fornecimento de alimentos, deixou postos e aeroportos sem combustíveis e
forçou a suspensão do trabalho em fábricas por falta de componentes.
Trata-se de um baque e tanto para a economia, cuja recuperação ainda é
frágil. De quebra, os caminhoneiros deram um nó no governo, expuseram a
ruína da coordenação política e atropelaram Michel Temer e seu discurso
de reformas e estabilidade, bem na semana em que o presidente e o seu
partido, o MDB, lançaram oficialmente o ex-ministro da Fazenda Henrique
Meirelles como candidato à sua sucessão.
Foi a maior paralisação de caminhoneiros em quase duas
décadas. Em julho de 1999, os motoristas cruzaram os braços por quatro
dias e só voltaram ao trabalho quando o então presidente, Fernando
Henrique Cardoso, aceitou rever os reajustes do diesel e dos pedágios
federais. Desta vez, o caos provocado pela mobilização foi ainda mais
amplo. O protesto ganhou o apoio oportunista de associações empresariais
do ramo de transportes e de produtores rurais, solidários com os
caminhoneiros e também atingidos pela alta no valor dos combustíveis.
Desde que a Petrobras ganhou liberdade para fazer reajustes diariamente
nas refinarias, em julho do ano passado,
o preço tanto da gasolina como
do diesel já subiu 22% na bomba dos postos. Sem conseguirem repassar
esses custos para o consumidor,
os empresários aproveitaram o movimento
dos caminhoneiros para espremer o governo. Funcionou perfeitamente.
Em decorrência do colapso nos transportes, o preço dos alimentos
disparou nas feiras nos últimos dias.
Voos tiveram de ser cancelados,
montadoras pararam de fabricar carros por falta de peças e a circulação
de ônibus foi reduzida. A população correu aos postos para encher o
tanque do carro, mas muitas vezes não havia combustíveis ou as filas
eram imensas. O escoamento da safra de grãos ficou comprometido
justamente na temporada de exportação. Frigoríficos não tinham carne
para processar. Além do incômodo evidente para a população, os
transtornos deixaram prejuízos e sequelas para a atividade econômica
ainda não estimados.
Desarticulado e aparvalhado, o governo inicialmente subestimou o
alcance do protesto — até porque as duas tentativas anteriores de
mobilização nacional dos caminhoneiros, em 2013 e 2015, não prosperaram.
Depois, vislumbrando o estrago político e econômico, Temer decidiu
ceder às pressões. No começo da semana, o discurso dos ministros e do
presidente da Petrobras, Pedro Parente,
era que não cederiam às
chantagens. Na quarta-feira 23, o tom já era outro. Foi anunciada a
suspensão da cobrança das contribuições de intervenção no domínio
econômico (Cide), um dos tributos que oneram os combustíveis. A queda
nos preços, porém, seria irrisória, de estimados 5 centavos. Foi
insuficiente para os caminhoneiros voltarem atrás, apesar do pedido de
trégua.
Paradão - Bloqueio de caminhões na Via Dutra, na quinta-feira 24, perto
de Jacareí: contra a alta de 22% no diesel (Nilton Cardin/Agência o
Globo)
O governo e as lideranças do Congresso prometeram também aprovar a
redução de outros impostos que oneram a gasolina e o diesel. Os
caminhoneiros acharam pouco. No início da noite do mesmo dia, poucas
horas depois de ter deixado uma reunião ministerial em Brasília
afirmando que não haveria mudança na política de preços da Petrobras
,
Parente concedeu uma entrevista e anunciou uma redução temporária de 10%
no preço do diesel. A queda, prevista para durar quinze dias, deverá
resultar em prejuízo de 350 milhões de reais para a companhia. Segundo o
executivo, a medida, que vai frontalmente contra o discurso de
autonomia administrativa na estatal, foi necessária diante da falta de
alternativas para aplacar os efeitos da greve.
A ideia seria apaziguar
os ânimos e ganhar tempo para uma solução negociada. Mais uma vez, de
nada adiantou. Os motoristas permaneceram irredutíveis e disseram ter se
cansado das promessas do governo. Só voltariam ao trabalho quando a
redução dos tributos fosse aprovada no Congresso e publicada no
Diário Oficial, o que não aconteceu até o fechamento desta edição.
No chão - Policiais escoltam caminhão de querosene no Aeroporto de Brasília: voos cancelados (André Dusek/Estadão Conteúdo)
O estrago causado pela concessão aos caminhoneiros foi sentido com força
no governo e na Petrobras
. Na abertura dos negócios na bolsa, na
quinta-feira, as ações da companhia mergulharam 14%. Contando-se as
perdas sofridas nos dias anteriores, o
tombo acumulado foi da ordem de
30%, o equivalente a mais de 100 bilhões de reais em termos de valor de
mercado da empresa. Dessa maneira, em poucos dias foi à lona boa parte
de todo o trabalho de recuperação da petrolífera, que, antes da crise,
tinha visto
o preço de suas ações subir 70% desde o início do ano.
A reviravolta enfraqueceu o discurso governista de que os dias de
ingerência política na administração, tão comuns nos governos petistas,
haviam chegado ao fim. Para o Planalto, que sonha em eleger Meirelles
como sucessor, a greve funcionou como uma pá de cal na imagem de Temer.
Até aqui, mesmo com os problemas éticos e políticos, dava-se crédito ao
governo pela correta condução da economia. Os números mais recentes, no
entanto, com expectativas mais baixas em relação ao PIB e a disparada do
dólar, reforçados pela trapalhada na condução da greve, mostram que o
governo, mesmo na sua área de excelência, tateia no escuro. Para piorar,
a nova turbulência política e econômica chega em péssima hora.
Complicações em diversos países emergentes, como a Argentina e a
Turquia, em meio à alta dos juros nos Estados Unidos, fazem com que os
investidores internacionais retirem o seu capital de economias
consideradas menos confiáveis, caso do Brasil.
Quando o tsunami está para vir, o mar recua. Mas o governo não
prestou atenção nos sinais do desastre. A insatisfação dos caminhoneiros
era crescente nas últimas semanas.
Trata-se de uma categoria que reúne
2 milhões de profissionais, um terço deles autônomos. O descontentamento
chegou a um ponto crítico na semana anterior à da deflagração da
paralisação. Ao menos duas grandes associações de classe, a Associação
Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) e a Confederação Nacional dos
Transportadores Autônomos (CNTA), encaminharam cartas ao presidente
Temer e aos principais ministros em que expunham a situação crítica e
apresentavam as suas reivindicações.
A CNTA pedia o congelamento
temporário do preço do diesel para que fosse negociada uma solução, além
da não cobrança de pedágio nas rodovias federais sobre os eixos
suspensos dos caminhões.
A Abcam, mais radical, exigia a total isenção
de tributos federais sobre o diesel. Como não houve resposta concreta do
governo, a greve estourou.
MATÉRIA COMPLETA, em Veja
Diante
das dificuldades de distribuição da revista decorrentes da greve dos
caminhoneiros, VEJA, em respeito aos seus assinantes, está abrindo seu
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