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quarta-feira, 7 de março de 2018

O ‘faço porque posso’ dos juízes



Graças à magistratura, as cadeias estão lotadas de onipotentes da política, mas o vírus também contamina o Judiciário

Para quem acha que já viu tudo, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) convocou uma greve da categoria para o próximo dia 15, uma semana antes da sessão em que o Supremo Tribunal Federal julgará a legalidade do auxílio-moradia dos magistrados. Uma manifestação de juízes contra um julgamento.

Não bastasse isso, a Ajufe argumenta que “esse benefício é recebido por todas as carreiras”. É verdade, pois os procuradores também recebem o mimo, mas é também um exagero, pois não se conhecem casos de outros servidores que recebem esse auxílio sendo donos de vários imóveis na cidade em que moram. A Ajufe poderia defender a extinção ampla, geral e irrestrita do auxílio-moradia, mas toma uma posição que equivale, no limite, a defender a anulação de todas as sentenças porque há pessoas que praticaram os mesmos atos e não foram julgadas. Uma ilegalidade não ampara outra.

A greve da Ajufe está fadada ao ridículo, mas reflete um culto à onipotência que faz mal à Justiça e ao Direito. A magistratura é um ofício poderoso e solitário. Em todos os países do mundo, os juízes são soberanos nas suas alçadas. Os ministros do STF dizem-se “supremos”. Lá nunca houve caso em que um deles, ao votar num julgamento de forma contrária à que votara em caso anterior, tenha explicado a mudança com a sinceridade do juiz David Souter, da Corte Suprema dos Estados Unidos: “Ignorância, meus senhores, ignorância”. (Tratava-se de um litígio sobre a legalidade da existência de casas de strip-tease perto de escolas.)

Graças ao repórter Kalleo Coura, está na rede um áudio de nove minutos no qual o juiz Solón Mota Junior, da 2ª Vara de Família de Fortaleza, ofendeu a defensora pública Sabrina Veras. Desde novembro, a advogada pedia urgência, sem sucesso, para ser recebida pelo magistrado para transferir a guarda de duas crianças para o pai, pois a mãe as espancava. Em janeiro, uma das meninas morreu. Duas assessoras do juiz acusavam a defensora de ter dito que elas haviam matado a menina. Ela nega que o tenha feito. (Mota Junior repreendeu a advogada quando ela o tratou por “você”, mas chamou-a de “minha filha”.)

O meritíssimo chamou-a de “advogada desqualificada”. Poderia ser o jogo jogado, pois nos bate-bocas do STF vai-se por essa linha, mas ele foi além: “Você se queimou comigo. Lamento dizer, você está começando agora… se queimou comigo. E vai se queimar com tantos quanto eu fale essa história.” Juiz ameaçando advogada é uma anomalia.

As crianças contavam que a mãe as espancava, e um meritíssimo de Vara de Família argumenta: “Uma criança de 4 anos tem discernimento? Vai interferir num posicionamento de um juiz?” Tudo bem, deve-se esperar que ela atinja a maioridade.  O doutor Mota Junior não exercitou seus conhecimentos do Direito, apenas expôs o poder que julga ter. O Brasil tem 17 mil juízes, e não se pode achar que coisas desse tipo sejam comuns, mas quando a Associação dos Juízes Federais pede uma greve contra um julgamento, alguns parafusos estão soltos.

Graças à deusa da Justiça, os nove minutos do meritíssimo Mota Junior estão na rede, no site Jota. Se ele soubesse que iria ao ar, certamente seria mais comedido.

Elio Gaspari, jornalista - O Globo