Fala do procurador-geral Augusto Aras no julgamento da ação que questiona inquérito do STF revela confusão entre fake news e jornalismo profissional
No julgamento da ação que questiona o inquérito das fake news e ameaças
contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral
da República, Augusto Aras, disse que as pessoas precisam “ter mais
cuidado na leitura das notícias” para não acreditarem em fake news.
Segundo Aras, as notícias falsas não estão apenas em blogs ou em redes
sociais. A fala do procurador-geral da República revela uma enorme
confusão sobre o que são as fake news e o que é o jornalismo
profissional. O caso é especialmente grave tendo em vista que o tema se
relaciona diretamente com os direitos e liberdades fundamentais, e a
missão institucional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica e
do regime democrático. “Sabemos que esse fenômeno maligno das fake news não se resume a
blogueiros ou às redes sociais. Ele é estimulado por todos os segmentos
da comunicação moderna, sem teias, sem aquele respeito que a minha
geração aprendeu a ler o jornal, acreditando que aquilo era verdade”,
disse Augusto Aras. “Temos que hoje ter mais cuidado na leitura das
notícias para fazermos um filtro fino para encontrar um mínimo de
plausibilidade em relação a esta campanha de fake news, que não guarda
limites de nenhuma natureza.”
Como se vê, segundo Augusto Aras, as fake news também são difundidas na
imprensa, o que recomendaria cautela na sua leitura. O procurador-geral
da República sugere “fazermos um filtro fino”. Ao falar assim, Aras
revela desconhecimento sobre o significado de fake news. Elas não são
apenas uma informação equivocada, contendo, por exemplo, algum conteúdo
inexato. Fake news são mensagens falsas criadas e disseminadas
deliberadamente com o objetivo de causar dano. É por isso que o material
produzido pelo jornalismo profissional não tem nenhuma simetria com as
fake news. Estas são, por sua própria essência, o antijornalismo.
É evidente que, às vezes, o jornalismo pode errar, cabendo-lhe, por
obrigação legal e ética, fazer a necessária correção. A imprensa não tem
nenhum problema em retificar eventual equívoco cometido. No entanto,
isso não tem nenhuma relação com as fake news, cuja natureza é causar
dano por meio de um erro deliberado. Ou seja, não faz sentido comparar
eventual erro jornalístico com a deliberada desinformação que é a fake
news – e isso o procurador-geral da República não poderia desconhecer.
A radical diferença entre a notícia produzida pelo jornalismo e as fake
news ajuda também a entender por que as fake news não encontram respaldo
na liberdade de expressão. A difusão de desinformação – mensagens
falsas produzidas deliberadamente com o objetivo de causar dano – não
está sob a proteção constitucional do exercício dos direitos e
liberdades fundamentais. As fake news são uma afronta ao Direito.
Essa é a razão pela qual existe, por exemplo, um inquérito no STF para
investigar a produção e disseminação de fake news contra os ministros do
Supremo. Não é simplesmente que estejam circulando algumas informações
inexatas sobre alguns integrantes do Supremo. A investigação tem por
objeto a criação e a difusão de mensagens falsas que ameaçam e
constrangem ministros do Supremo, causando danos ao livre funcionamento
da Corte. [duas perguntas:
- se é fake news, notícias faltas, mensagens falsas, ocorreu o crime de ameaça?
- se houve o crime de ameaça, ocorreu fake news?]
O trabalho do jornalismo não tem nenhuma proximidade ou semelhança com
fake news. Por isso, é extremamente grave que o procurador-geral da
República vincule, como se fossem uma única coisa, essas duas realidades
completamente diferentes. Jornalismo e fake news têm objetivos, métodos
e efeitos profundamente distintos, recebendo, portanto, tratamentos
constitucionais muito diferentes. A confusão entre os dois conceitos
contribui para turvar a clareza e o vigor com que a Constituição protege
as liberdades de expressão e de imprensa. Não é papel do Ministério
Público alimentar tal confusão. “A imprensa profissional, como o Ministério Público, não vive de erros,
vive de acertos. Quando nós erramos, nós corrigimos o erro, por dever
profissional. Misturar a imprensa, que tem CNPJ, com ataques anônimos é
uma profunda demonstração de desconhecimento sobre a atuação do
jornalismo no mundo todo”, disse Marcelo Rech, presidente da Associação
Nacional de Jornais (ANJ). É preciso respeitar a liberdade e a verdade. É
preciso respeitar o jornalismo.
Editorial - O Estado de S. Paulo
No julgamento da ação que questiona o inquérito das fake news e ameaças
contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral
da República, Augusto Aras, disse que as pessoas precisam “ter mais
cuidado na leitura das notícias” para não acreditarem em fake news.
Segundo Aras, as notícias falsas não estão apenas em blogs ou em redes
sociais. A fala do procurador-geral da República revela uma enorme
confusão sobre o que são as fake news e o que é o jornalismo
profissional. O caso é especialmente grave tendo em vista que o tema se
relaciona diretamente com os direitos e liberdades fundamentais, e a
missão institucional do Ministério Público é a defesa da ordem jurídica e
do regime democrático. “Sabemos que esse fenômeno maligno das fake news não se resume a
blogueiros ou às redes sociais. Ele é estimulado por todos os segmentos
da comunicação moderna, sem teias, sem aquele respeito que a minha
geração aprendeu a ler o jornal, acreditando que aquilo era verdade”,
disse Augusto Aras. “Temos que hoje ter mais cuidado na leitura das
notícias para fazermos um filtro fino para encontrar um mínimo de
plausibilidade em relação a esta campanha de fake news, que não guarda
limites de nenhuma natureza.”
Como se vê, segundo Augusto Aras, as fake news também são difundidas na imprensa, o que recomendaria cautela na sua leitura. O procurador-geral da República sugere “fazermos um filtro fino”. Ao falar assim, Aras revela desconhecimento sobre o significado de fake news. Elas não são apenas uma informação equivocada, contendo, por exemplo, algum conteúdo inexato. Fake news são mensagens falsas criadas e disseminadas deliberadamente com o objetivo de causar dano. É por isso que o material produzido pelo jornalismo profissional não tem nenhuma simetria com as fake news. Estas são, por sua própria essência, o antijornalismo.
É evidente que, às vezes, o jornalismo pode errar, cabendo-lhe, por obrigação legal e ética, fazer a necessária correção. A imprensa não tem nenhum problema em retificar eventual equívoco cometido. No entanto, isso não tem nenhuma relação com as fake news, cuja natureza é causar dano por meio de um erro deliberado. Ou seja, não faz sentido comparar eventual erro jornalístico com a deliberada desinformação que é a fake news – e isso o procurador-geral da República não poderia desconhecer.
A radical diferença entre a notícia produzida pelo jornalismo e as fake news ajuda também a entender por que as fake news não encontram respaldo na liberdade de expressão. A difusão de desinformação – mensagens falsas produzidas deliberadamente com o objetivo de causar dano – não está sob a proteção constitucional do exercício dos direitos e liberdades fundamentais. As fake news são uma afronta ao Direito.
Essa é a razão pela qual existe, por exemplo, um inquérito no STF para investigar a produção e disseminação de fake news contra os ministros do Supremo. Não é simplesmente que estejam circulando algumas informações inexatas sobre alguns integrantes do Supremo. A investigação tem por objeto a criação e a difusão de mensagens falsas que ameaçam e constrangem ministros do Supremo, causando danos ao livre funcionamento da Corte. [duas perguntas:
- se é fake news, notícias faltas, mensagens falsas, ocorreu o crime de ameaça?
- se houve o crime de ameaça, ocorreu fake news?]
O trabalho do jornalismo não tem nenhuma proximidade ou semelhança com fake news. Por isso, é extremamente grave que o procurador-geral da República vincule, como se fossem uma única coisa, essas duas realidades completamente diferentes. Jornalismo e fake news têm objetivos, métodos e efeitos profundamente distintos, recebendo, portanto, tratamentos constitucionais muito diferentes. A confusão entre os dois conceitos contribui para turvar a clareza e o vigor com que a Constituição protege as liberdades de expressão e de imprensa. Não é papel do Ministério Público alimentar tal confusão. “A imprensa profissional, como o Ministério Público, não vive de erros, vive de acertos. Quando nós erramos, nós corrigimos o erro, por dever profissional. Misturar a imprensa, que tem CNPJ, com ataques anônimos é uma profunda demonstração de desconhecimento sobre a atuação do jornalismo no mundo todo”, disse Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ). É preciso respeitar a liberdade e a verdade. É preciso respeitar o jornalismo.
Editorial - O Estado de S. Paulo