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domingo, 12 de março de 2017

Governo barra outra vez a divulgação da ‘lista suja’ do trabalho escravo no Brasil

Um dos principais instrumentos de combate à escravidão no país, documento está suspenso há mais de dois anos

Nesta semana, mais um desdobramento judicial impediu que a sociedade brasileira tenha acesso a uma lista que aponta quem são os empregadores flagrados utilizando trabalhadores em condições análogas à escravidão no Brasil. Criada em 2003 e considera pela ONU um modelo para a erradicação da escravidão contemporânea, a chamada Lista Suja do trabalho escravo teve sua divulgação suspensa após vários embates judiciais que começaram no fim de 2014.

 Auditores Fiscais do Trabalho resgatam 9 trabalhadores em condição análoga à escravidão no Acre.
Na última terça-feira, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Martins Filho, acatou um pedido feito pela Advocacia-Geral da União (AGU) e derrubou a liminar que obrigava o Ministério do Trabalho a divulgar o documento. Segundo a AGU, que representa o Governo na Justiça, o objetivo da medida é “dar mais segurança jurídica para a política pública, reduzindo o número de questionamentos judiciais à publicação”. Agora, a lista só poderá ser divulgada após um grupo de trabalho criado pelo Governo Temer discutir uma série de aprimoramentos para o cadastro das empresas. 

[qual o interesse do governo em impedir a divulgação da lista de empresas que exploram o trabalho escravo?
A AGU defende os interesses do governo, assim, se está tentado impedir a divulgação da lista é por ordens expressas do Temer.]

Participarão representantes de vários órgão do Governo e da sociedade civil. O grupo terá 120 dias para analisar as atuais regras e sugerir possíveis alterações. Em janeiro, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) já tinha afirmado que optou não divulgar temporariamente a lista por considerar que, na visão da pasta, a portaria que regula o cadastro das empresas não garantia “os instrumentos de efetivo exercício dos direitos constitucionalmente assegurados ao contraditório e à ampla defesa” dos acusados dos crimes.

Esses argumentos, no entanto, são confrontados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) que irá recorrer da decisão do TST. Segundo o coordenador nacional da erradicação do trabalho escravo (Conaete) do MPT, Tiago Cavalcanti, a Lista Suja é o instrumento de enfrentamento à escravidão mais importante que temos no Brasil e atualmente não há motivos para a sua suspensão. “Desde maio do ano passado, o Governo está sendo negligente já que não há nenhum empecilho para a divulgação da lista”, afirma Cavalcanti que discorda que não sejam contemplados aos acusados dos crimes o direito à defesa. A partir da divulgação da lista suja, teoricamente, bancos públicos, como o BNDES e o Banco do Brasil,  deveriam negar crédito, empréstimos e contratos a fazendeiros e empresários que foram flagrados utilizando trabalho escravo. Procurado pela reportagem, o Ministério do Trabalho afirmou que o tema agora está sob a responsabilidade da AGU.

O embate judicial sobre a divulgação da lista começou em dezembro de 2014, após o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowiski, conceder uma liminar atendendo pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). A Associação reúne algumas das principais construtoras do país e é presidida por Rubens Menin, da MRV Engenharia, empresa que já foi autuada por explorar trabalho escravo[o inexplicável é que decisões erradas do STF quase sempre contam com a participação ativa do Ricardo Lewandowski.] Em 2014, a Abrainc argumentava que a portaria de criação do cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão pecava por não prever instâncias de defesa contra a inclusão de nomes da lista. “Por mais que a portaria falasse que assegurava ampla defesa, ela não indicava quais eram os dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que assegurassem isso. Em maio de 2016, no entanto, a portaria foi editada apontando esses dispositivos, explica Cavalcanti.
Após a portaria ser modificada no apagar das luzes do Governo Dilma, a atual presidente da Suprema Corte, ministra Cármen Lúcia, revogou a liminar que suspendia a divulgação da lista. Apesar da decisão do STF no dia 16 de maio, o documento nunca mais voltou a ser publicado, o que incentivou uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, pedindo a divulgação imediata da lista.  “A verdade é que por trás desse impasse da divulgação da lista suja há interesses econômicos fortes. Quem vai figurar são grandes empresas, pessoal do agronegócio e grandes construtoras. Há um interesse econômico encaçapado nesta questão”, explica Cavalcanti.

Segundo ele, a criação do grupo de trabalho que discutirá o tema não garante tampouco que a lista seja divulgada imediatamente após as discussões. “A experiência também demonstra que esses fóruns nunca terminam nos prazos estabelecidos. E isso só adia a publicação. Poderiam divulgar a lista e continuar discutindo eventuais melhorias”, explica.
Desde que foi criada, a lista suja passou por uma série de evoluções. Em alguns períodos ela tinha uma periodicidade anual, mas, na última reedição da portaria, ficou estabelecido que ela teria uma atualização máxima de seis meses.

Atualmente, o Brasil tem cerca de 160 mil pessoas submetidas à escravidão moderna, segundo a Walk Free Foundation. A ONG australiana aponta que os casos de trabalho escravo são mais concentrados nas áreas rurais, especialmente em regiões do cerrado e na Amazônia. Cavalcanti ressalta, entretanto, que desde 2003 houve um aumento de resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão nas áreas urbanas. "Tivemos muitos resgates na indústria têxtil e em obras de construtoras urbanas, inclusive relacionadas às obras das Olimpíadas", explica.

No final do ano passado, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a indenizar um grupo de 128 trabalhadores rurais submetidos a condições de escravidão e tráfico de seres humanos no sudeste do Pará. Os trabalhadores foram libertados do local no ano 2000. No primeiro caso sobre escravidão e tráfico de pessoas decidido pela Corte, o Estado Brasileiro terá que indenizar os trabalhadores em quase 5 milhões de dólares por conivência com o trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, pertencente ao Grupo Irmãos Quagliato, um dos maiores criadores de gados do Norte do país. Por muitos anos, o Estado Brasileiro esteve ciente dos problemas, mas nunca condenou ninguém, nem foi capaz de prevenir outras violações.
"Essa decisão demonstra que estamos sendo observados no âmbito internacional e acredito que a não publicação da lista suja é outro grave equívoco do Governo Brasileiro. Essa negligência pode ser levada outra vez ao âmbito externo, à Corte Internacional", defende Cavalcanti.

Leia também Eram escravos no Brasil e não sabiam. Agora o mundo todo ficou sabendo 

Fonte: El Pais

 
 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Trabalho escravo


Lista suja do trabalho escravo tem que voltar a ser divulgada

A lista com empresas flagradas com práticas análogas à escravidão deixou de ser divulgada pelo governo brasileiro. A última apresentação aconteceu em 2014, como mostrou o “Bom Dia Brasil”. Conhecer os empregadores que praticam esse crime ajudou a limpar a cadeia produtiva brasileira e trouxe resultados comerciais. A lista tem que voltar a ser divulgada.

Além de ser uma vergonha, o trabalho escravo também gera prejuízo comercial. Outros países deixam de comprar o produto brasileiro porque aqui se pratica esse crime. A divulgação da lista inibiu os criminosos. Houve um movimento grande, inclusive de supermercados, para não comprar de empresas que usam trabalho escravo. Fornecedores foram pressionados a fazer o mesmo. Os mercados para as empresas criminosas foram se fechando. O representante da Organização Internacional do Trabalho conta que o empregador temia mais a listagem do que as outras punições. Mas o que se tenta seguir agora é a lógica inversa. Os interessados querem esconder a lista para não provocar prejuízo comercial. O certo é divulgar a lista para combater o crime que, além de tudo, fecha as portas para o produto brasileiro.    

O Ministério do Trabalho disse à reportagem que um problema de tecnologia impede a divulgação da lista.   O crime, nesses casos, não é apenas deixar de assinar a carteira. É colocar em condições degradantes o trabalhador, sem acesso à água potável nem proteção. Mais do que isso, às vezes são flagrados casos de servidão por dívida. A empresa cobra pelo uso de equipamentos que ela mesma é obrigada a entregar ao trabalhador, que passa a ficar em débito com a companhia. Há casos graves em que jagunços armados impedem a saída das pessoas exploradas nesse esquema.

Ao flagrar um caso assim, o Ministério do Trabalho ouve a defesa do empregador e se for confirmada a infração, ele é listado. Caso não cometa novo crime em dois anos, o nome sai da lista. A divulgação da listagem ajuda a inibir a prática. 

Fonte: Blog da Míriam Leitão - O Globo