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segunda-feira, 21 de março de 2022

Os brasileiros que não existem - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Os ambientalistas discutem a Amazônia como se as únicas pessoas de carne, osso e alma presentes naqueles 5 milhões de quilômetros quadrados fossem os índios 

Comunidade de ribeirinhos em Manaus - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 
Existe no Brasil uma população invisível para a elite intelectual, para os banqueiros que se converteram à religião da natureza e para todo o vasto mundo da militância ambientalista que se espalha pelo país afora — na mídia, nos grupos de “esquerda”, nos artistas de novela. Há de tudo aí. Profissionais e amadores, os bem-intencionados e mal-informados e os bem-informados e mal-intencionados, mais um Xis-Tudo de crenças, desejos e interesses. Todos se dizem unidos na missão de salvar “o meio ambiente” em geral e a “Floresta Amazônica” em particular; cada vez mais, agora, há entre eles milionários e grandes empresas. Muito bem: toda essa gente, que está sempre pronta a exibir sua carteirinha de fiscal do bem, não consegue enxergar que na Amazônia há uma população de 20 milhões de brasileiros.
 
A militância ecológica vê tudo na Amazônia. Vê árvores, rios e pedras. Vê nascentes. Vê a composição do solo e a diversidade biológica. Vê as terras altas e as terras baixas. Vê o bioma. Vê incêndios e motosserras. Vê índio. Vê o tamanduá-bandeira. Só não vê os 20 milhões de brasileiros, que não são planta e nem bicho, e que vivem ali — esses simplesmente não existem. Pior que invisíveis, eles atrapalham.  
Sua existência, na visão íntima dos ambientalistas, perturba as árvores e os animais; ninguém diz assim, com todas as palavras, mas há uma vaga convicção de que não teriam o direito de estar lá, como se fossem invasores ou grileiros do espaço onde vivem. 
Na verdade, segundo esse evangelho, o brasileiro da Amazônia está ocupando, mais ou menos ilegalmente, um território que deveria ser dos “povos indígenas” — ou, pior ainda, da “comunidade internacional”. Não tem nada de estar lá, se intrometendo em “patrimônio da humanidade”. É um estorvo.
 
Os 20 milhões de habitantes da Amazônia têm tanto direito de morar lá quanto em São Paulo, no Ceará ou qualquer outro lugar dentro das fronteiras do Brasil. Têm as mesmas obrigações dos demais brasileiros, as mesmas liberdades e a mesma proteção da lei.  
São seres humanos como todos os outros. Mas a sua presença não é reconhecida, para efeitos práticos, pelos militantes da “floresta”, nacionais ou suecos. Alguns ainda se lembram, de vez em quando, de mencionar de passagem sua existência (“populações ribeirinhas”, não mais), mas na maior parte do tempo os ambientalistas discutem a Amazônia como se as únicas pessoas de carne, osso e alma presentes naqueles 5 milhões de quilômetros quadrados, ou 60% do território do Brasil, fossem os índios. Mineração, indústria, portos, navegação, ferrovias, estradas, agropecuária, exploração da madeira tudo isso, mais o resto, é discutido e decidido como se os brasileiros que vivem na Amazônia não existissem. Existe a reserva indígena. Existe a mata. Existe o boto cor-de-rosa. Existe tudo, menos o homem que não é nenhuma dessas coisas.

A maioria dos brasileiros da Amazônia não têm, em pleno século 21, rede de esgotos, água tratada e luz elétrica

Os 20 milhões de brasileiros da Amazônia vivem uma tragédia. Quando os militantes do verde exigem todo o tipo de intervenção, inclusive estrangeira, para “salvar a floresta” e “os índios”, jamais lhes passa pela cabeça que a maioria dos brasileiros da Amazônia não têm, em pleno século 21, rede de esgotos, água tratada e luz elétrica. Não têm assistência médica comparável à de outras regiões do Brasil.  
Os níveis da educação pública são uma calamidade. 
Não têm renda. Não têm crédito. Não têm acesso a tecnologia. 
Não têm documentação de propriedade para as terras que ocupam. 
Nas contas dos ambientalistas, valem menos que um macaco-prego; afinal, não precisam ser preservados. [ilustre articulista, logo o acusarão de macaco-pregofobia.]
 
É este, precisamente, o seu peso nas presentes discussões sobre a regularização da mineração na Amazônia: zero. Essa legislação, ora em exame por meio de um projeto de lei, é um instrumento indispensável para tentar criar um pouco de ordem na selvageria do garimpo ilegal e outras desgraças da região. É um esforço que visa a um aproveitamento mais moderno dos recursos minerais da Amazônia, essenciais para os interesses do país, na base do que é feito pela Vale com o ferro de Carajás, ou com o alumínio no Pará e com o manganês no Amapá, que vem sendo minerado há 75 anos. 
É algo que beneficia toda a atividade econômica legal da região, e a população que vai participar dela. Mas a militância ecológica está em guerra contra o projeto — e, naturalmente, contra o cidadão comum da Amazônia: apresenta o projeto como “abertura das terras indígenas à exploração de minérios”, ou um mero esforço de destruição.
Os cidadãos que se identificam como índios, segundo estima o IBGE, somam hoje menos de 900.000 pessoas, ou abaixo de 0,5% da população do Brasil — e têm terras equivalentes a 13%, ou até mais, do território do país
Mais da metade deles não vive em reservas, e quase 60% não falam nenhuma língua indígena; em boa parte, passaram a ser uma categoria administrativa. 
Na Amazônia, pelos mesmos cálculos, há cerca de 400.000 índios, ou 2% da população. Mas são eles a prioridade dos catequistas do meio ambiente; só eles vêm ao caso no debate. Eles e, naturalmente, a “má imagem” que os protestos dos seus caciques causariam junto à “opinião internacional”. Hoje em dia, na cabeça do universo verde, agradar à “comunidade global” é um critério fundamental a que o Brasil deve obedecer ao decidir que política deve adotar sobre qualquer coisa. 
 
Para os ambientalistas, sobretudo os que se estimam conhecedores de finanças, o Brasil não pode aborrecer as sensibilidades estrangeiras na questão dos minérios; se fizer isso será destruído sem dó nem piedade por boicotes econômicos fatais. É mentira que haja esses boicotes. Se houvesse, por que o Brasil teria conseguido exportar US$ 100 bilhões em produtos agrícolas em 2021, um sucesso sem precedentes? 
 Como estaria batendo recordes no recebimento de investimentos externos?  Mas é esse o ruído. Enquanto isso, a Amazônia invisível continua invisível. Seus 20 milhões de habitantes continuam mortos.

Leia também “O triunfo da mentira”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


sábado, 8 de junho de 2019

Grande ideia

O universo ecológico diz que o Brasil deveria eliminar seus problemas ambientais urbanos e preservar a natureza. Grande ideia. É só executar


Publicado na edição impressa de VEJA

A mais rica cidade do Brasil é atravessada de ponta a ponta, ao longo de quase 25 quilômetros, por um dos mais extensos, perigosos e sinistros esgotos a céu aberto do planeta o Rio Tietê. Essa fossa, riquíssima em tudo o que pode haver em matéria de coisa podre, de lixo e de tóxicos em seus estados mais agressivos, é confinada entre avenidas gigantes dos dois lados, as célebres “Marginais”, pelas quais passam diariamente cerca de 2 milhões de veículos com toda a emissão de gás carbônico a que têm direito. Um sujeito que cair ali dentro pode perfeitamente não ter tempo de se afogar ─ corre o risco real de morrer envenenado antes, no meio da pasta química mortal que substitui há décadas a água corrente do rio. Nenhuma forma conhecida de vida sobrevive dentro desse horror. Isso é só uma parte do problema.

Pouco antes de sair do município de São Paulo, em direção à sua foz 1.100 quilômetros adiante, o Tietê encontra o canal do Rio Pinheiros ─ outro sério concorrente ao título de Oitava Maravilha da Poluição Urbana do Mundo, negro de imundície e igualmente ladeado por duas avenidas de tráfego insano. Sua única vantagem: é um pouco mais curto que a cloaca irmã.

Parece claro que existe aí um problema ambiental monstruoso, desses que teriam de ser resolvidos antes de quaisquer outros pelas autoridades e defensores da natureza em qualquer país mais ou menos civilizado do mundo ─ até porque prejudica diretamente os 21 milhões de brasileiros que moram na área metropolitana de São Paulo. Parece, mas não é. Não apenas não é: não passa pela cabeça de ninguém que possa ser assim, entre os milhares de ambientalistas, ecologistas, engenheiros ambientais, naturalistas, indigenistas, procuradores, fiscais e o resto dos burocratas que infestam as repartições de defesa do meio ambiente nos três níveis da administração. Isso sem contar, naturalmente, com as ONGs “do verde”; para essas, então, falar em poluição urbana é praticamente um crime. A única questão ambiental válida, em tal mundo, é o pacote que engloba florestas, cerrados, mangues, ilhas perdidas, fauna, flora, bagres de rio ─ tudo, em suma, que não inclua o ser humano, salvo se ele for índio. O Rio Tietê que se dane. O que interessa é pegar o cidadão que cortou um pé de gabiroba num sítio perdido em algum fim de mundo, ou exigir prisão inafiançável para o infeliz que matou um macaco-prego no sertão do Ceará.

O verdadeiro desastre ambiental do Brasil do século XXI não está no meio do mato, e sim na cara de todo o mundo, todos os dias; não afeta sapos ou papagaios, mas mata gente de carne e osso. Centenas de cidades brasileiras com mais de 50.000 habitantes são envenenadas por rios mortos como o Tietê e o Pinheiros. Não menos que 50% da população, ou 100 milhões de pessoas, não dispõem de esgotos.

Uns outros 40 milhões, possivelmente, não têm acesso a água tratada de boa qualidade. Há 3.000 lixões em pleno funcionamento em 1.600 cidades por todo o país ─ aterros ao ar livre onde lixo e todo tipo de detritos são jogados e abandonados, sem qualquer tratamento. Desde 2014 não deveria mais existir nenhum lixão aberto no Brasil, por exigência da lei; só que há mais lixões hoje do que havia cinco anos atrás. Essas cordilheiras de dejetos contaminam a água, poluem o ar e envenenam o solo. Cerca de 95 milhões de cidadãos, segundo cálculos das empresas de limpeza pública, têm sua saúde e qualidade de vida diretamente prejudicadas pelo descarte no lixo no meio da população em geral.

Mas quem é que está ligando para isso, entre os autocratas ambientais? Suas paixões são outras. Entre os surtos que vivem tendo, tornou-se conhecido, recentemente, o bloqueio que o Ministério Publico comanda há oito anos contra a construção da linha mestra de transmissão de energia elétrica em Roraima. Como os 350 índios waimiri ─ isso mesmo, 350 que vivem nos 225.000 quilômetros quadrados de Roraima têm objeções ao linhão, o MP vem vetando sistematicamente as obras, desde sua aprovação em 2011. Com isso, a maior parte do território do Estado, e seus 500.000 habitantes, não recebem um único watt de eletricidade brasileira. São obrigados a depender de fornecimento importado da Venezuela ─ que hoje não consegue produzir nem papel higiênico, e vive falhando na entrega. Há, agora, um esboço de solução. A população de Roraima reza.
O universo ecológico diz que o Brasil deveria, ao mesmo tempo, eliminar seus problemas ambientais urbanos, permitir o progresso e preservar a natureza. Grande ideia. É só executar.

Revista Veja