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sábado, 10 de dezembro de 2016

E se ela ouvir “Fora, Cármen”?



No fim, estamos assistindo a um desfile de onipotência e arrogância dos Três Poderes 

Nem bem assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, com todas as mesuras devidas a uma vida ilibada, a mineira Cármen Lúcia está no olho do furacão político que sacudiu o Brasil. O furacão destelhou o STF e espalhou estilhaços, ferindo de morte a esperança popular num Judiciário isento, equilibrado e imune a pressões de réus. Também decepcionou quem acreditava na força de Cármen Lúcia.

“Ou a democracia ou a guerra”, afirmou Cármen. As intenções de Cármen são dignas de elogio, na defesa da harmonia dos Poderes, mas o inferno está cheio de gente com boas intenções. A “madre superiora”, assim apelidada por sua profissão de fé católica, repetiu que deseja “pacificar o país”. Mas não consegue pacificar nem seus ministros, que agora se ofendem publicamente de loucos e indecentes. Gilmar Mendes, no exterior, defendeu o impeachment do colega Marco Aurélio Mello. Ora, Cármen, como fica o comando do STF diante do motim de um presidente do Senado e de Suas Excelências?

É ilusória e forçada a paz arquitetada entre os Três Poderes, poupando Renan Calheiros, investigado em 12 processos e já declarado réu por peculato (desvio de dinheiro público) pelo próprio STF. No fim, estamos assistindo a um desfile de onipotência e arrogância – do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. Acham que podem fatiar sonhos, manipular expectativas, distorcer votos, tudo em nome de uma “segurança jurídica” que eles mesmos torpedeiam.

Acontece que o Brasil mudou. Está assistindo menos a novelas e mais ao seriado versão brasileira de House of cards. Os julgamentos transmitidos ao vivo pela televisão abrem argumentos e debates à população – não conseguimos acompanhar todos os bastidores, as conspirações e as alianças oportunistas de adversários que se odeiam. Mas há, sim, e isso é positivo, um interesse pela realpolitik, num Brasil que detestava o assunto até pouco tempo atrás. As redes sociais contribuem, histericamente muitas vezes, para ampliar a discussão. E isso é bom. Educa. Conscientiza.

Por isso, qualquer pessoa instruída que tenha acompanhado o julgamento do plenário do STF sabe que o desfecho foi uma farsa, destinada a acomodar interesses. Qualquer defensor de uma Justiça igual para todos, ou da moralização do serviço público, deve ter concordado com as intervenções do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e do ministro Marco Aurélio Mello. Ambos exigiam o afastamento de Renan do cargo. É insustentável a visão de que alguém pode servir para ser presidente do Senado, mas não para substituir o presidente da República. Não adianta, Cármen, dizer que seu voto foi para “baixar a poeira” no conflito entre o Legislativo e o Judiciário. Levantou um vendaval com a sociedade.

“Nenhuma democracia merece isso”, disse um risonho e aliviado Renan, referindo-se à liminar de Mello que tentou afastá-lo do cargo. Tão excitado e agradecido estava Renan no dia seguinte ao julgamento que realizou três sessões seguidas no Senado e homenageou Jorge Viana, seu substituto cordial, [ironicamente o substituto cordial é também réu em uma ação de improbidade administrativa.] como “uma instituição suprapartidária, não um petista”. Renan ainda declarou, sem pensar, quedecisão do STF não se comenta, se cumpre”. Logo ele, que desobedeceu a uma decisão judicial de um ministro do Supremo e se escondeu do oficial de justiça para não receber notificação. “O que passou não volta mais”, disse Renan, comemorando a decisão “patriótica” do STF. Nenhuma democracia merece ter Renan na presidência do Senado.

É exigir muito da população que engula a decisão do STF. Mesmo levando em conta que Cármen e seus discípulos decidiram apostar numa estabilidade provisória, para que se aprovem o ajuste fiscal e a reforma da Previdência antes de fechar o ano de 2016. Todos sabem que Cármen levou ao presidente Michel Temer um pedido para que Renan não votasse o projeto contra abuso de autoridade de procuradores e juízes. Antes dos últimos episódios dessa temporada, Renan estava “irredutível”, segundo Temer. Agora, o alagoano é só paz e amor. O morde e assopra invadiu Brasília.

Mas, claro, não houve pacto, não houve acordão! Você acredita? São fatias de pizzas, parecidas com a assada pelo ministro Ricardo Lewandowski, Renan e a senadora Kátia Abreu, que manteve os direitos políticos de Dilma no processo de impeachment. A meia-sola institucional – como disse Mello – virou moda.

É com esse raciocínio que a reforma da Previdência resolve poupar militares, policiais e bombeiros. É política a decisão de permitir às Forças Armadas acumular pensões e aposentadorias – um rombo de R$ 32,5 bilhões. Mas quem se importa com a crise da Previdência e com o fim dos privilégios de certas castas? Esta semana consagrou a máxima de que uns são mais iguais que outros. Cármen e Temer, durmam com um barulho desses. Uma hora, ele chega aí.

Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época