O MPF anunciou a cooperação judiciária do
Departamento de Justiça dos Estados Unidos na investigação sobre José Casado, O Globo em que a Odebrecht é
personagem central
A prisão de “Vaca” o
deixou inquieto. Àquela
altura de abril de 2015, porém, mais preocupante era a situação de “RA”, um de seus
principais assessores. Sempre
dissera ao próprio e às famílias —
inclusive à sua — que se algum dia pegasse alguém dele, iria “lá” para proteger. Assim fez no outono. Achou que “RA” seria preso, levou-o para casa.
Aumentava o perigo, agora precisava pensar
num Plano B. Na madrugada de uma quinta-feira da primavera passada, pegou
seu iPhone preto de bordas cinzas, abriu a pasta “Calendário” e começou — era
um homem que anotava:
“Delação/fallback (RA)” — escreveu. O registro “fallback” era para não esquecer: alternativa extrema em cenário de prisão de “RA”, esgotados
todos os recursos para livrá-lo.
Acrescentou: “— Livrar todos e soh eu.” Ou seja,
nessa hipótese, “RA” aceitaria o acordo de delação, mas em bastes restritas: livraria todos, deixando-o exposto, sozinho,
diante do juiz, procuradores e policiais federais.
Mostraria
o plano a “RA”, e, com ele, passaria
a todos a mensagem devida: no limite,
era com ele — e, como até as crianças em casa
sabiam, não entregava ninguém. Continuou desenhando um roteiro sobre o
que “RA” diria num acordo. Por
exemplo, sobre “Vaca”: “— Era
amigo e orientado por eles pagou-se Feira de cta que eles mandaram. ODB pagava
campanha a priori, mas eh certo que aceitava indicações a título de bom relacionamento.”
A
organização (“ODB”) adotara a prática de adiantar financiamentos de campanha, mas
só das principais. Aceitava sugestões, eventuais. Seguiu, pensando na voz de “RA” em depoimento: “Campanha incluindo caixa 2 se houver era soh com MO, que não aceitava
vinculacao.”
Outra
vez, ele posto no alvo. E se, nessa altura, o inquiridor argumentasse sobre “PRC”, o diretor da estatal, primeiro preso e delator premiado do caso?
Então, “RA” poderia retrucar: “PRC soh se foi rebate de cx2”.
Agora
anotava em espasmos: “Nosso risco eh a
prisão” ... “Acordo Leniência CGU?”
— sim, era preciso cogitar. E ver com advogados: “Risco Swiss? E EUA?” Porém, ainda mais urgente, era a conversa com o
mineiro, governador, com quem previa logo se encontrar. Registrou:
“FP: — Ela cai eu caio; — Dar a
dimensao”.
Essas notas na memória de um
telefone celular são de Marcelo Odebrecht (“MO”), ex-presidente da
empreiteira homônima, e orientam a investigação judicial. Ele está preso há oito meses. “Vaca” é João
Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, preso em 15 de
abril do ano passado. “RA” e “MF” são Rogério Araújo e Marcio Faria, ex-assessores de Marcelo na Odebrecht e seus companheiros de
cela por quatro meses — foram soltos em outubro. “FP” é Fernando Pimentel, governador de
Minas Gerais, segundo a polícia. “Ela”
não teve a identidade sugerida no inquérito.
Os riscos sobre as contas na
Suíça, temidos
por ele, se tornaram fatos nas cortes de Curitiba, Brasília e Berna. Ontem surgiu uma novidade: o Ministério
Público Federal anunciou a ativa cooperação judiciária do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos na investigação sobre lavagem de dinheiro em que a
Odebrecht é personagem central, com transferências a partir de bancos em Nova
York. Na prática, significa a abertura de processo
contra a empresa nos EUA, onde a Petrobras já se defende em tribunais.
Fonte: José Casado – O Globo