SERGIO DUARTE - CRISTIAN WITTMANN
O Presidente Biden acaba de anunciar a “difícil decisão” de seu governo de fornecer à Ucrânia bombas de fragmentação (“cluster munitions”)
apesar do repúdio generalizado a esse tipo de armamento por grande
parte da comunidade internacional e entidades de caráter humanitário.
Biden justificou sua postura alegando a necessidade de repor o estoque
de munição de que dispõe Kiev para sua contraofensiva, diante da
indefinição reinante nas diversas frentes de batalha.
Relatos de
imprensa afirmam que a Rússia e a própria Ucrânia já vêm fazendo uso
dessas armas no atual conflito, a despeito da oposição de órgãos
intergovernamentais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos e organizações da sociedade civil, como a Cruz Vermelha e a CMC (Coalizão contra as Munições Cluster)
As bombas de fragmentação, destinadas ao uso no teatro de operações,
são projetadas para serem lançadas de terra ou do ar.
Podem transportar
até centenas de subprojéteis independentes, que se se dispersam em uma
vasta área de vários quilômetros quadrados.
Seu objetivo militar
específico é dificultar o avanço de tropas de infantaria e até mesmo de
veículos blindados, porém não possuem capacidade de direcionar seus
efeitos somente a alvos militares.
Muitas falham ao não detonar no primeiro impacto e permanecem ativas
por décadas. Trazem consequência similar às minas terrestres antipessoal
ao contaminar o terreno e impedir durante muito tempo seu uso para
agricultura e outras atividades pacíficas, forçando demoradas e
dispendiosas operações de desminagem após o conflito. Quando
disseminadas em áreas habitadas constituem grave e constante perigo para
a população civil.
O novo impulso no uso dessas armas altamente controversas na guerra
entre a Rússia e a Ucrânia representa uma escalada que pode ter
desenvolvimentos mais graves, tendo em vista a recente decisão russa de
colocar armas nucleares “táticas” na Ucrânia.
Por sua vez, o governo
polonês declarou a intenção de estacionar armamento nuclear da OTAN em
seu território.
Está em vigor desde 2008 uma Convenção multilateral adotada em Oslo
em 2008 da qual fazem parte 123 países – inclusive diversos membros da
OTAN. Esse instrumento proibiu a fabricação, armazenamento,
transferência e uso desse tipo de munições de fragmentação por
contrariar o Direito Internacional Humanitário, principalmente por
causar sofrimentos cruéis e indiscriminados e não respeitar a distinção
entre civis e combatentes, além de seus efeitos desproporcionais a
longo prazo.
O Brasil não aderiu à Convenção, assim como os Estados Unidos, a Rússia e a Ucrânia e mais outros países, inclusive a China, Coreia do Norte, Egito, Israel, Índia, Paquistão e Turquia,
que portanto se consideram livres para utilizar ou exportar esse
armamento, ou ainda conservá-lo para fins de treinamento militar.
Embora tenha assumido posição neutra no conflito, há informações de que
a Turquia tem fornecido munições de fragmentação à Ucrânia. Segundo a
imprensa internacional, armas de fragmentação de fabricação brasileira
foram encontradas recentemente no Iêmen.
Há vários anos um grupo de signatários da Convenção sobre Armas de Efeitos Cruéis e indiscriminados (CCW
na sigla em inglês), adotada em 1984, vem se esforçando para incluir as
munições de fragmentação na lista de projéteis remanescentes de guerras
anteriores constante da CCW e que ainda oferecem perigo à população
civil, com vistas a sua proibição e eliminação. Até o momento, esses
esforços têm sido infrutíferos.
Por esse motivo, os promotores
da iniciativa se uniram ao governo norueguês e a entidades humanitárias
da sociedade civil para impulsionar uma negociação independente com o
objetivo de lograr a proibição completa dessas armas, finalmente
concluída em Oslo em 2008. Mesmo assim, as negociações para ampliação do
escopo da CCW no que se refere às “cluster munitions” prosseguem em
Genebra no âmbito das Conferências periódicas de exame desse
instrumento, por meio de um grupo de peritos governamentais.
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