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terça-feira, 11 de julho de 2017

Modernização trabalhista e autonomia

Autonomia dos indivíduos e de suas organizações, entre as quais os sindicatos, é central em todo Estado pautado pela liberdade

A discussão ora em pauta sobre a modernização da legislação trabalhista, a ser votada nesta semana no Senado, tem implicações morais que dizem respeito à própria autonomia dos cidadãos. Apresenta-se aqui uma verdadeira mudança de paradigma, centrada no trabalhador enquanto capaz de tomar suas próprias decisões, não necessitando da tutela do Estado. 

Historicamente, esta legislação remonta, de um lado, ao positivismo e, de outro, à legislação corporativa, de cunho fascista. Na perspectiva positivista, clara em Augusto Comte e em seus discípulos franceses e brasileiros, tratava-se de incorporar o “proletariado” à rede de proteção social, de tal modo que pudesse, por exemplo, ter garantias de salário e, principalmente, de educação.  Na perspectiva corporativa, tratava-se, por sua vez, da mesma ideia de incorporação, sempre e quando obedecesse à própria tutela do Estado a organizar estas relações em seu interesse político. O presidente Getulio Vargas, não esqueçamos, foi formado na tradição positivista gaúcha, que foi mais forte do que em outros estados da União. 

Naquele então, estávamos diante de uma situação de exclusão do “proletariado”, que clamava por uma proteção inexistente. O preço a pagar era sua subordinação às orientações dos governantes que guiavam a sua conduta. Muito diferente é a situação atual, com os trabalhadores usufruindo constitucionalmente de direitos e com ampla capacidade de mobilização através de seus sindicatos. O mundo mudou, e a legislação trabalhista não acompanhou esta mudança no país. O resultado de tal descompasso apresenta-se na extrema judicialização de qualquer conflito, com uma Justiça do Trabalho abarrotada de demandas e, ideologicamente, atrelada a um mundo que não mais existe. Aliás, diz-se de esquerda, o que não faz muito sentido, salvo na acepção de um positivismo ou fascismo de esquerda!

Tome-se um dos pontos centrais da atual proposta de modernização, o de que a convenção coletiva passaria a ter força de lei. Observe-se, inicialmente, que não há nenhuma subtração de direitos em questão, apesar das declarações vazias dos representantes deste passado corporativo e tutelar. Por exemplo, parcelar férias por decisão autônoma de empregadores e empregados não anula o direito de usufruir de férias, cuja duração não sofre nenhuma alteração. 

O mesmo vale para as jornadas de trabalho segundo as especificidades de cada setor. O que é válido para um trabalhador da indústria automobilista não vale para os setores de enfermagem e vigilância. Caberia aos trabalhadores de cada setor, junto com os seus empregadores, decidirem o que convém mais para eles.  Uma vez que o acordo coletivo tenha força de lei, ocorre uma verdadeira restituição de direitos do ponto de vista da sociedade e dos trabalhadores em particular. O direito que está sendo conquistado é o de liberdade de escolha, direito central em qualquer Estado livre. Se os trabalhadores são tutelados, através de uma Justiça Trabalhista onipotente que legisla através de súmulas, eles são considerados como submissos, não livres, incapazes de tomarem uma decisão por si mesmos. Não são tidos por cidadãos, mas por súditos. 

A autonomia dos indivíduos e de suas organizações, dentre as quais os sindicatos, é central em todo Estado pautado pelos princípios da liberdade. Deve a sociedade apropriar-se de sua liberdade de escolha, reduzindo a margem de arbítrio das intervenções legislativas impostas desde cima. Insista-se aqui que os trabalhadores e a sociedade em geral estão apropriando-se de direitos que lhe foram usurpados. Não há perda de direitos, porém conquista. 

A linguagem de perda é produto de uma forma de organização estatal e legislativa guiada pela tutela dos indivíduos. Neste sentido, a perda de direitos deve ser entendida enquanto perda de um “direito estatal”, que tomou o lugar da liberdade de escolha. Ou seja, estaríamos diante de uma oposição entre tutela e autonomia. A linguagem de perda serve apenas aos que percebem a sua esfera de arbítrio como sendo reduzida. Ademais, ela baseia-se igualmente em uma concepção ideológica segundo a qual se o capital ganha o trabalhador perde e o seu inverso. Seria um jogo do ganha-perde e não do ganha-ganha, que hoje preside as relações de sociedades capitalistas democráticas. Uma empresa só vai bem se os seus ganhos são compartilhados com todos. 

Temos hoje o caso de conflitos trabalhistas cujas decisões de juízes inviabilizam pequenas e médias empresas, jogando outros trabalhadores ao desemprego e reduzindo, desta maneira, o pagamento de tributos que possuem destinações sociais. Os exemplos seriam inúmeros. A atual legislação atiça conflitos em vez de regulá-los e, mesmo, evitá-los. O governo Temer tomou a ousada decisão de levar a cabo esta necessária modernização da legislação trabalhista, enfrentando preconceitos e interesses corporativos há muito arraigados. Note-se que ela foi implementada por seu ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que conduziu, preliminarmente, toda uma negociação com as centrais sindicais e as confederações patronais. Apostou e foi bem-sucedido no diálogo e na persuasão. 

Observe-se que os pontos atualmente mais conflitivos foram os que não constaram daquela negociação, a saber, o do trabalho intermitente e o da extinção da contribuição sindical. Neste sentido, as centrais sindicais e as confederações patronais têm razão no protesto, uma vez que se ativeram ao que tinha sido negociado e foram pegas de surpresa com a mudança.  O bom senso sinalizaria para negociações sobre estes pontos, que poderiam, por exemplo, contemplar uma extinção progressiva da contribuição sindical em três anos, atendendo às partes envolvidas, ou outra solução levando em conta as especificidades dos setores urbano e rural.[a contribuição sindical tem que ser extinga e de uma única vez, acabando com uma mamata que a tal contribuição propicia, sem prestação de contas de um dinheiro que é público, aos sindicatos e aos pelegos que os dirigem.
O Brasil espera que os boatos sobre o acordão em negociação entre os 'sindicatos' e o Governo, para manter a maldita contribuição sindical - seria editada uma MP adiando a extinção da famigerada contribuição,  não passe de boatos.] 

Valeria o novo espírito de diálogo, e não o da imposição.


Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Modernização trabalhista

O exemplo que está sendo apresentado ao país é o de um processo em que todos ganham

Inegavelmente, a pinguela está se mostrando uma ponte!

Com coragem, a despeito de previsões pessimistas, o Presidente Temer, secundado pelo seu Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, assinou uma medida provisória e um projeto de lei, em regime de urgência, com as novas regras que passarão a reger o seguro desemprego e as relações trabalhistas. Para os que pensavam que nada disto aconteceria neste ano, e talvez nem no próximo, o governo deu provas de seu perfil reformista.
[uma das maiores vantagens de Michel Temer é sua baixa popularidade, que o deixa à vontade para adotar medidas que possam, ainda que erroneamente, parecer erradas e, portanto, impopulares.
Com a baixa popularidade atual Temer nada tem a perder se o pouco que tem cair mais o que o deixa à vontade para contrariar interesses.
Só que as medidas que parecem, a principio, impopulares quando se mostrarem acertadas trarão imediata elevação da popularidade do ainda indeciso Michel Temer.
A favorecer o atual presidente está sua situação atual:
- se fracassar, nada perde - atualmente não seria sequer reeleito deputado;
- se acertar - passará a ter excelentes chances de pensar em se candidatar à reeleição.
O importante, é que a baixa popularidade do presidente o encoraja a tomar as medidas que vão tirar o Brasil do buraco em que o maldito PT, os vermes Lula e Dilma, e mais a trupe petista o colocaram.]

Um tabu foi rompido. A CLT era considerada sacrossanta por todos aqueles apegados ao passado e receosos de qualquer tipo de modernização. A situação não deixava de ser curiosa, pois uma legislação da primeira metade do século XX, imbuída do espírito corporativo de então, continua a reger relações econômicas, sociais e trabalhistas completamente distintas. É como se os mecanismos da máquina de escrever continuassem válidos na era da internet, do computador, do iphone e do ipad.

Ninguém em sã consciência apregoaria tal coisa, porém a mesma surpresa é como senão valesse para outros aspectos de mudanças de mundo. Acrescente-se, ainda, que a legislação getulista remonta também ao castilhismo gaúcho de final do século XIX, deitando suas raízes na doutrina de Augusto Comte. Será que é o mesmo mundo?

É da maior importância ressaltar que tais medidas de modernização não foram impostas administrativamente, mas foram o resultado de laboriosas negociações conduzidas pelo Ministro do Trabalho. As três maiores confederações patronais (CNA, CNC e CNI) foram consultadas e apresentaram importantes sugestões.

O mesmo ocorreu com as centrais sindicais (Força Sindical, CUT, UGT, Nova Central, CBS, CBT, Comlutas), que estabeleceram um rico diálogo. Todas foram igualmente parceiras, preocupadas com o desemprego, com a preservação de direitos e com os avanços sociais e econômicos.

O país estava imerso na insegurança jurídica. Quem pensaria investir em um local com uma legislação anacrônica, em dissintonia com as novas relações econômicas? Como o negociado entre as partes pode ser simplesmente anulado por uma decisão judicial? E isto em um contexto de intensa competitividade internacional! Agora, a segurança passará a vigorar.

Embora não tenha aparecido no noticiário, o ministro Ronaldo Nogueira viajou por várias cidades brasileiras, às vezes em um mesmo dia, sempre preocupado com a negociação e o diálogo. As portas lhe foram abertas. Seu objetivo consistiu em trazer as partes para um acordo, descartando tudo o que pudesse ser razão para conflitos.

Para quem pensa que capital e trabalho devem sempre se enfrentar, o exemplo que está sendo apresentado ao país é o de um processo em que todos ganham se souberem se reconhecer como entidades e pessoas autônomas, cada uma sendo capaz de apresentar os seus argumentos. No final, todos saem vitoriosos, o que significa dizer que o país avança.

A solenidade no Palácio do Planalto foi uma bela amostra desta concertação, desta pacificação, com líderes dos trabalhadores e patronais elogiando o clima de diálogo e de negociação. O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Yves Gandra Martins, em sua fala, bem expressou o que todos estavam pensando: trata-se de um “evento histórico”, algo reafirmado logo depois pelo próprio Presidente da República.

O maior avanço das medidas proposta consiste no prestigiamento da Negociação Coletiva, que passa a ter força de Lei. Ou seja, o acordado entre as partes, segundo uma lista estabelecida no Projeto de Lei, passará a valer legalmente, não podendo ser modificado pela Justiça trabalhista. Direitos consolidados na CLT são preservados, ao mesmo tempo em que se abre um espaço de negociação entre empregadores e trabalhadores, que passam a decidir enquanto pessoas livres o que mais lhes convém. Deixam de ser tutelados e passam a ser autônomos.

Os contenciosos trabalhistas, por sua vez, tendem a diminuir, assim como a ingerência dos Tribunais nestas decisões. Para se ter uma ideia da transformação proposta, em torno de 90% dos conflitos trabalhistas giram em torno desses pontos, que passam a ser objetos de uma deliberação conjunta.  Exemplos: jornada de trabalho, contemplando as jornadas parciais e temporais, gozo de férias, que podem ser dividas segundo a conveniência das partes, participação nos lucros e resultados, intervalo entre jornadas, jornada em deslocamento (in itínere), banco de horas, trabalho remoto, registro de ponto e remuneração de produtividade. Note-se que são pontos que, vistos de perto, não infringem nenhum direito, mas deixam as partes decidirem por aquilo que mais lhes beneficia.

Deixa de ser necessária a tutela do Estado. Ora, para que isto ocorra é preciso que os trabalhadores se organizem de uma forma independente, em cada uma das empresas e sejam agentes mesmos desta negociação. O projeto de Lei estipula que para cada 200 trabalhadores estes elejam um representante por empresa, com máximo de cinco. Estes representantes passariam a ter estabilidade no emprego por um período de seis meses.

Para que exista negociação coletiva, é imprescindível uma representação independente de trabalhadores, organizados em comitês nas empresas. A conquista social é aqui de monta. Ninguém melhor do que os trabalhadores para saberem o que é melhor para eles. Ninguém melhor do que os empregadores para saberem o que é melhor para as suas empresas.

O emaranhado de leis regendo as relações trabalhistas, com súmulas dos mais diferentes tipos e gostos, tenderá a ser algo ultrapassado na medida em que empregadores e trabalhadores passarem a se reconhecer enquanto entidades e pessoas livres.

Sem dúvida, há aqui uma mudança de paradigma, com novas leis expressando um novo tempo. O Brasil não pode mais ficar atrelado ao passado e a ideologias que não mais respondem às necessidades do presente. O país, definitivamente, moderniza-se!

Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - O Globo