Recentemente o
jornal “O Dia”, do estado do Rio de Janeiro, publicou uma série de reportagens
sobre processos judiciais movidos contra civis acusados de desacato e sobre
outros crimes militares cometidos contra as Forças Armadas. O pano de fundo
para a ocorrência dos delitos é a atuação das forças de pacificação dos morros
cariocas, em curso desde 2010. A ocasião é
oportuna para serem prestados alguns esclarecimentos a respeito do papel
constitucional da Justiça Militar Federal e o seu funcionamento.
A sua competência
está prevista na Constituição Federal, nos artigos 122, 123 e 124: julgar os
crimes militares previstos em Lei, no caso, o Código Penal Militar (CPM) e o
Código de Processo Penal Militar (CPPM). Vale lembrar que ambos os diplomas
legais foram recepcionados pela Constituição de 1988 e se encontram em plena
vigência. Uma das
peculiaridades da Justiça Militar é o fato de ser uma instituição bicentenária,
fundada em 1808, pelo príncipe Regente Dom João. Desde 1934, está integrada ao
Poder Judiciário, como ramo especializado da Justiça brasileira, a exemplo da
Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral. Por sua vez, a sua organização e
funcionamento estão descritos em sua Lei de Organização Judiciária Militar (Lei
8.457/92).
Portanto, a atuação
da Justiça Militar está pautada em regras e leis que garantam o seu
funcionamento como órgão judicial a serviço do interesse público. É com base em
princípios legais do Direito e da doutrina que tem realizado o julgamento dos
crimes militares, sejam eles cometidos por militares ou por civis. No que se refere à
atuação da JMU na apreciação de crimes cometidos durante a ocupação dos morros
cariocas, o seu procedimento tem sido o mesmo: garantir o cumprimento da missão
confiada às Forças Armadas, agora nas operações de Garantia da Lei e da Ordem
(GLO), atividade especificada na Lei Complementar nº 97/99 e Decreto
3.897/2001.
Nesse contexto
especial, qualquer pessoa, militar ou civil, pode ser acusada de cometer um
crime militar. O indício de crime deve ser investigado e o processo judicial
ocorrerá após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público Militar e o
respectivo recebimento por parte do juiz de primeira instância. São exemplos de
crimes dessa natureza aqueles que atentem contra as Forças Armadas, contra os
militares investidos de sua missão ou os cometidos pelos militares federais
contra os cidadãos civis.
Em todos os
processos judiciais militares é garantido ao réu o contraditório e a ampla
defesa, bem como o devido processo legal. Não há portanto que se falar em
justiça de exceção ou Corte Marcial, casos em que inexistem previsões de
proteção aos direitos fundamentais do acusado. Após uma eventual condenação em
primeira instância (Auditoria Militar), é facultado ao réu recorrer ao Superior
Tribunal Militar por meio de advogado.
As prisões em
flagrante que eventualmente possam ocorrer antes da instauração do processo
judicial ou as prisões preventivas podem ser questionadas com base em Habeas
Corpus, garantia constitucional para o direito de ir e vir, sendo que o réu na
maioria das vezes responde ao processo em liberdade. Possíveis abusos cometidos
nesse ínterim devem ser objeto de apuração e responsabilização penal ou civil. Apesar de ter uma
dinâmica pautada na Lei e em regras coerentes com o regime democrático, a JMU
tem realizado, nos últimos anos, um movimento de modernização. É o que se
reflete na recente proposta de reforma de seu Código Penal Militar e Código de
Processo Penal Militar, que foi objeto de vários anos de estudo e de audiências
públicas.
O aprimoramento de sua Lei de
Organização Judiciária também está em curso, prevendo inclusive a possibilidade
do réu civil ser submetido na primeira instância a apenas um juiz togado,
deixando reservado para o réu militar sua submissão a um Conselho também
composto por juízes militares.
Fonte:
Site do STM