Amigo do governador de Minas Gerais, Bené usava empresas de fachada e é suspeito de intermediar negócios com o BNDES
Bridge, em inglês, significa ponte. Localizada em Brasília, a Bridge
Participações é propriedade do empresário Benedito Rodrigues de Oliveira
Neto, o Bené. Bené é amigo de Fernando Pimentel (PT), governador de Minas Gerais.
Um ótimo amigo: já emprestou avião e pagou R$ 12 mil para Pimentel e a
mulher passarem férias num resort na Bahia. Pimentel e Bené são
investigados pela Polícia Federal, na Operação Acrônimo, por lavagem de dinheiro – e por suspeita de, justamente, fazer uma ponte. Entre empresas que desejam empréstimos no BNDES
e o próprio BNDES.
Bené é o principal caminho para a PF investigar a
caixa-preta do banco estatal e deve ser um dos focos da CPI do BNDES, a
ser instalada no próximo dia 5 na Câmara dos Deputados.
ÉPOCA obteve cópias de notas fiscais da Bridge e de outra empresa de
Bené, a BRO. A história das notas fiscais é repleta de coincidências,
envolvendo as duas empresas e seu dono, a montadora Caoa, que fabrica e revende carros da sul-coreana Hyundai no Brasil, e Fernando Pimentel
– que, antes de ser governador de Minas, era ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Pasta a que o BNDES é
subordinado. Para a polícia, nem sempre coincidências são meras
coincidências.
Um dos fatores a despertar a curiosidade era a natureza dos serviços prestados, sempre extremamente vaga. De acordo com uma das notas fiscais obtidas pela reportagem, “estudo de processo produtivo usando como meio de pesquisa a internet”. O que significa isso? Procurar no Google? Talvez algo mais, pelo preço: R$ 265 mil. Outra nota segue a mesma lógica. “Estudo e planejamento de ações usando ferramentas tecnológicas existentes no mercado.” Bené, denunciado na quinta-feira, dia 30, pelo Ministério Público Federal por desvio de R$ 2,9 milhões em 14 contratos irregulares para a realização de eventos do Ministério das Cidades no período de 2007 e 2009, agora se revela um expert no uso de “ferramentas tecnológicas”. Segundo a Caoa, foram as empresas – de mesmo dono, vale dizer – que “ofereceram propostas de prestação de serviços, como é usual no mercado”. A Caoa não mostrou qualquer comprovante dos serviços prestados. A montadora afirma ainda que foram feitos estudos mercadológicos e estratégias comerciais no setor automobilístico.
Dos R$ 2,21 milhões recebidos da Caoa, a maior parte foi para a Bridge: R$ 1,46 milhão. Essa empresa foi o primeiro foco da investigação da PF, por ter sido usada para comprar um avião para Bené – o mesmo que foi alvo de uma batida policial em outubro do ano passado. O diretor é Ricardo Guedes, funcionário de Bené contratado por R$ 7 mil. À PF, ele disse que sabia apenas de um empreendimento, para a exploração de garimpo em Serra Pelada – nada a ver com as proezas tecnológicas contratadas pela Caoa. O próprio diretor da Bridge colocou dúvidas sobre os serviços da empresa. “A respeito da contabilidade da Bridge, informa que não tem certeza se os serviços referentes ao faturamento foram todos prestados”, disse em depoimento à PF obtido por ÉPOCA. A Bridge foi criada em 2011 pelo empresário José Appel (que assumiu o cargo de contador) e, desde 2013, é controlada por Bené por meio de Guedes (que já admitiu à PF que Bené é o verdadeiro dono).
Tanto Bridge quanto BRO, constatou a PF, são empresas de fachada. A BRO tem como sócios Bené e seu filho Paulo, de 21 anos. A empresa divide endereço com outras firmas do empresário, todas na lista de investigadas no inquérito da Operação Acrônimo. Bené é suspeito de fazer “confusão patrimonial” e ser o operador de Pimentel. Assim escreveu a PF: “Fernando Pimentel seria o chefe da organização criminosa operada financeiramente por Benedito, grupo criminoso especializado em lavagem de capitais oriundos de desvio de recursos públicos e aplicação de parte dos valores branqueados em campanhas. Pimentel teria recebido diretamente vantagem ilícita em razão do cargo então ocupado”.
O advogado de Bené, José Luis Oliveira Lima, diz não poder se manifestar em razão do sigilo do inquérito. “No momento oportuno, meu cliente prestará os esclarecimentos devidos.” Procurado, Pimentel diz, por meio de seu advogado, desconhecer as contratações. Segundo Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Pimentel “jamais fez qualquer pedido”. “A investigação tem se desenvolvido, infelizmente, com uma conotação política e a PF não possui nenhum indício sequer de qualquer irregularidade da conduta do governador”, afirma o advogado.
O BNDES afirma que não houve financiamento à Caoa, e sim à Hyundai, para a construção da fábrica para produzir o carro HB20. A Caoa afirma não ter relação com o financiamento à Hyundai. A montadora informa ainda que o Inovar Auto beneficiou outras empresas. “É um programa importante para a Caoa e para todas as outras 23 empresas do setor que participam igualmente do Inovar Auto.” A empresa afirma que os contratos com a Bridge e BRO foram regulares. Nem a Caoa nem o Ministério do Desenvolvimento informam o valor total das isenções fiscais recebidas pela montadora no Inovar Auto. Segundo a Pasta, não houve privilégios à Caoa e a apuração é feita pela Receita Federal. O advogado de José Appel, Daniel Gerber, afirma que a Bridge só passou a emitir notas quando Bené assumiu a empresa. “A relação com todos os clientes sempre foi pautada pelos limites da profissão, não cabendo ao contador questionar a documentação aparentemente legal que seus clientes apresentam. Estaremos à disposição do Judiciário.”
Os repasses para a Bridge e BRO são o terceiro indício para uma mesma suspeita da PF: os incentivos do BNDES e do Ministério do Desenvolvimento podem ter sido facilitados por repasses a Fernando Pimentel. A mulher de Pimentel, Carolina Oliveira, é uma das principais suspeitas, junto com Bené. Ela recebeu R$ 236 mil da Pepper, que prestou serviços ao BNDES. E recebeu outros R$ 2,5 milhões do consultor Mário Rosa, que prestava serviço a empresas que receberam financiamentos do BNDES. Agora, ÉPOCA revela um novo caminho do dinheiro, por meio de Bené. O empresário, aliás, já era investigado por lavagem, depois de ter sido pego com R$ 113 mil em seu avião, durante a eleição do ano passado. Também é denunciado pelos desvios nos contratos com o Ministério das Cidades. Faltava, contudo, desvendar como Bené ganhava dinheiro ligado à atuação de Pimentel no governo. Os documentos revelados por ÉPOCA fornecem novas pistas nesse sentido. O caso, em razão de Pimentel ser governador, é investigado no Superior Tribunal de Justiça.
Fonte: Revista Época