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segunda-feira, 5 de março de 2018

O STF E A CADEIA 1: Até agora, inexiste “decisão” do tribunal sobre prisão depois de condenação em segunda instância

A Folha publicou uma reportagem neste domingo que tem o seguinte título: “Ministros do STF contrariam decisão da corte sobre prisão”. E no subtítulo: “Em dois anos, 23% dos condenados que recorreram ao Supremo tiveram êxito”. 

A manchete do jornal é esta: “STF livra condenado na 2ª instância em 23% dos casos”. No subtítulo, vai o seguinte: “Ministros ignoram entendimento da própria corte em decisões sobre prisão”. Em quatro oportunidades para chamar a atenção do leitor, não se usou a expressão “habeas corpus”. Vou entrar no mérito da reportagem da Folha em outro post. Neste, é preciso que a gente tenha em mente alguns dados técnicos. Ou tudo se confunde. Vamos lá.

1 – Quando o Supremo decidiu, em 2016, por 6 a 5, que os tribunais de segunda instância poderiam executar a pena de um condenado, decidiu precisamente o que aí vai: “podem”, mas não são obrigados; [podem, não significa que os tribunais de segunda instância estão obrigados; 
mas, se um tribunal de segunda instância, no caso o TRF-4, decidir prender Lula - o que foi decidido - nada impede que ele seja preso - ao decidir que PODEM o STF deu carta branca aos tribunais de segunda instância para prender ou não prender.
A única diferença é que decidindo um Tribunal por prender o condenado - caso do TRF - 4 em relação ao condenado Lula, cabe recurso da decisão de prender ao STJ e mantida a prisão os defensores de sentenciado Lula poderão recorrer ao STF.
Assim, nada obriga a ministra Cármen Lúcia a pautar a matéria; a única diferença entre a situação atual, repercussão geral, de situação do STF decidir pela prisão, efeito vinculante, é que agora a decisão do TRF-4, prendendo o condenado Lula, pode ser derrubada no STJ ou no STF. Havendo o efeito vinculante se torna uma decisão definitiva.]

2 – tal votação, que não foi uma decisão, se deu no âmbito de uma ação chamada “Recurso Extraordinário com Agravo” (ARE). Os AREs têm a chamada repercussão geral, mas não o efeito vinculante. Em linhas gerais: a repercussão geral serve de inspiração a todas as instâncias da Justiça, que encontrarão, então, em tal votação, a força da jurisprudência. Vale dizer: junto a outros tribunais e ao próprio Supremo, não caberá alegar exotismo ou exceção, uma vez que, na própria corte superior, formou-se uma maioria com aquele entendimento. Mas não há efeito vinculante;

3 – no caso de “efeito vinculante”, pode-se, sim, falar em “decisão” do Supremo. O parágrafo 2º do Artigo 102 da Constituição diz que geram efeito vinculante as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs). Por força de lei, um terceiro tipo de ação tem tal estatuto: a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental);

4 – portanto, quando um ministro do Supremo concede um habeas corpus, em caráter liminar — isto é, temporário — contra maioria formada no Supremo no julgamento de um Recurso Extraordinário com Agravo, não está contrariando “decisão” do Supremo porque não houve decisão nenhuma;

5 – sobre a possibilidade de execução provisória — ou antecipada da pena, depois da condenação em segunda instância, a decisão do Supremo só será tomada quando for votada a Ação Declaratória de Constitucionalidade. Aí, sim: qualquer que seja o resultado, os demais tribunais e os ministros da Corte a ela se subordinarão;

6 – é por isso que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo, tem de cumprir a sua obrigação e pôr logo em votação a ADC que está no tribunal. Ela não tem de perguntar se isso vai beneficiar ou prejudicar Lula. O petista não pode pautar o STF nem de um modo nem de outro: a Casa não tem de votar alguma coisa só porque um interesse dele está em jogo. Mas também não pode deixar de fazê-lo por isso.

Blog do Reinaldo Azevedo