PT tem ojeriza à privatização — mais à palavra que ao conceito, diga-se. Prefere-se doar parte do patrimônio nacional ao mercado a dar o braço a torcer
O
presidente do Conselho da Petrobras votou contra a abertura de capital da BR
Distribuidora, por ponderáveis razões: ainda “há passos a cumprir”, disse ele;
antes de abrir o capital a companhia deveria “contratar profissionais com
experiência em varejo altamente qualificados”, que preparariam “um plano de
negócios e gestão para a BR”. Foi acompanhado pelo conselheiro representante
dos empregados, que destacou as dificuldades da economia neste momento, a
recomendar o adiamento da venda de parte de um ativo tão relevante e valioso.
É
alvissareiro que a passividade dos ministros de Estado que outrora presidiam o
conselho de nossa mais importante sociedade de economia mista tenha sido
substituída pelo voto atento e arguto de um reputado profissional de mercado e
de um representante dos empregados. Mas isto não basta. Abrir o
capital de uma companhia no Brasil e vender parte das ações, neste momento de
cotações depreciadas, é uma decisão que somente se justificaria por condições
muito peculiares. Basta ver que praticamente nenhuma companhia privada
brasileira está se movendo nessa direção. Somente a União Federal deseja
fazê-lo, e com alguns de seus ativos mais preciosos.
A
condição peculiar alegada para a pressa é a necessidade de recursos. Essa é,
realmente, uma razão muitas vezes presente em decisões desse tipo. Dívidas
vencendo, estouro de limites de endividamento, risco de rebaixamento de rating,
e outros que tais. Mas uma companhia privada somente decide liquidar seus
ativos em más condições de mercado se não tem alternativa. E esse não é o caso
da União.
De fato,
esse mesmo governo que se dispõe a vender muito barato participações
minoritárias, em companhias que ele seguirá controlando, poderia privatizar
integralmente outros ativos, que passariam a ser controlados pelo setor
privado. Pelo comando dessas empresas ou ativos os particulares estariam
dispostos a pagar bem mais, e eventualmente até um prêmio sobre o preço justo.
E isso para não falar no efeito positivo nas expectativas dos agentes
econômicos que seria gerada por um movimento de privatização.
Quem se
disporá a pagar o preço justo de uma companhia para ser minoritário de um
governo que fez o que fez com a Petrobras, que não apoia os projetos de lei de
alteração da governança das estatais, e que nem mesmo se dispôs ao mínimo, que
seria aderir aos padrões de governança criados pela BM&FBovespa para as
sociedades de economia mista?
A
resposta é muito óbvia: os investidores estarão dispostos a pagar pelas ações
da BR Distribuidora, e pelas outras que virão. Mas pagarão um preço muito menor
que o valor econômico potencial da companhia. Exigirão um grande desconto, que
justifique correr o enorme risco de ser minoritário de uma sociedade de
economia mista controlada ao bel-prazer dos governos, na qual a boa qualidade
dos gestores continuará dependendo da boa vontade (ou do mau momento político)
dos governantes, ao invés de decorrer de mecanismos incluídos na lei, como deveria.
E em que mesmo o voto dos bons gestores será ignorado, se assim quiser o poder
central.
A única
razão aparente para optar-se pelo caminho da venda de participações minoritárias
em companhias muito valiosas, a preços muito baixos, ao invés de vender outros
ativos integralmente, a preços melhores, é a ojeriza do PT à privatização —
mais à palavra que ao conceito, diga-se. Prefere-se doar parte do patrimônio
nacional ao mercado a dar o braço a torcer.
À vista
da determinação do governo de insistir no erro, contra tudo e contra todos, só
resta ao Congresso Nacional reconhecer a urgência da tramitação dos projetos
que alteram a governança das estatais, de maneira que, mesmo contra a vontade
do governo, possam entrar em vigor a tempo de evitar, ou reduzir, mais essa
lesão ao patrimônio nacional.
Por: Arminio
Fraga é economista e foi presidente do Banco Central e Marcelo Trindade é
advogado e foi presidente da Comissão de Valores Mobiliários