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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

A bolha da Folha - Caio Coppolla [você é racista? se afirmativo teu racismo é preto antibranco ou branco antipreto?

Revista Oeste

Motim na redação progressista é sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório 

Mês passado, 208 jornalistas da Folha de S. Paulo enviaram uma carta de protesto à direção do jornal após a publicação de um artigo de opinião que, supostamente, continha uma opinião impublicável já explícita no título: “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”.
Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock 
 
Reproduzo aqui alguns trechos do texto, de autoria do antropólogo baiano Antonio Risério:

Todo o mundo sabe que existe racismo branco antipreto. Quanto ao racismo preto antibranco, quase ninguém quer saber.”

“Casos desse racismo se sucedem, mas a ordem-unida ideológica manda fingir que nada aconteceu.”

Ataques de negros contra asiáticos, brancos e judeus invalidam a tese de que não existe racismo negro em razão da opressão a que estão submetidos.

“O dogma reza que, como pretos são oprimidos, não dispõem de poder econômico ou político para institucionalizar sua hostilidade antibranca. É uma tolice. Ninguém precisa ter poder para ser racista…”

Mas o racismo é inaceitável em qualquer circunstância. A universidade e a elite midiática, porém, negaceiam.”

Não devemos fazer vistas grossas ao racismo negro, ao mesmo tempo que esquadrinhamos o racismo branco com microscópios implacáveis. O mesmo microscópio deve enquadrar todo e qualquer racismo, venha de onde vier.”

“O neorracismo identitário é exceção ou norma? Infelizmente, penso que é norma. Decorre de premissas fundamentais da própria perspectiva identitária, quando passamos da política da busca da igualdade para a política da afirmação da diferença.

Nota: no intuito de atestar que o texto é, claramente, contrário ao racismo, destacamos algumas frases em negrito — aliás, será que já é politicamente incorreto usar o termo “negrito”? Vai saber… [talvez seja, talvez não; muitos consideram 'denegrir' um termo racista, em que pese que a origem da palavra nada tenha a ver com cor da pele.]

Voltando à polêmica da vez, na sua argumentação, o autor lista uma série chocante de exemplos individuais e coletivos de antissemitismo, discurso de ódio, discriminação e violência de negros contra brancos pelo mundo. A descrição dessa realidade incômoda associada à tese de que o racismo independe da cor do racista e ainda pode ser agravado por ações afirmativas — indignou a redação progressista da Folha, que abraça a doutrina do racismo estrutural como verdade científica e enxerga o mundo dividido em grupos identitários em perpétuo conflito. O resultado é a tal carta, assinada por mais de duas centenas de jornalistas, incluindo os tais signatários anônimos, novidade que, certamente, será incorporada nos abaixo-assinados da esquerda brasileira de agora em diante:

“Nós, jornalistas da Folha aqui subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal” — que mentira. Cabem muitas críticas ao tipo de jornalismo praticado pela Folha, essa não. Por sua vez, o artigo em discussão, além de não ser racista, é antirracista na medida em que denuncia e repudia a discriminação.

O motim na redação da Folha é mais um sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório

A carta segue “reafirmando a obviedade de que racismo reverso não existe”, o que não é uma verdade estabelecida e tampouco óbvia se o conceito de racismo se aplicar — e se aplica! — a qualquer preconceituoso que discrimine outras pessoas em razão da sua etnia. E, como não poderia deixar de ser, a carta termina com lacração: Acreditamos que buscar audiência às expensas da população negra seja incompatível com estar a serviço da democracia” — nada disso! É muito mais plausível que a real intenção do artigo (de quem escreveu e de quem publicou) seja nobre: combater o racismo em todas as suas formas de manifestação e assim servir à democracia.

Segundo apuração de Oeste,os jornalistas [da Folha] decidiram fazer uma assembleia para exigir a demissão do diretor de Redação, Sérgio Dávila. Ou seja, os funcionários exigiram se sentar para negociar com o chefe sua própria permanência no posto.

A exigência da demissão foi uma reação à resposta de Dávila ao levante nos dias anteriores. Ele dissera que a carta era parcial, equivocada e sem fundamentos. Lembrara que boa parte dos missivistas só estava ali justamente porque a Folha decidiu criar novas editorias e lhes dar emprego”.

Ao que consta, os jornalistas amotinados só recuaram diante da promessa de conquistar ainda mais espaço para promover sua visão de mundo e suas opiniões publicáveis.

Com sua maestria habitual para criar narrativas, nesta semana a Folha transformou o motim que pedia a cabeça do diretor de redação em um “exercício de autocrítica” que reuniu 220 jornalistas virtualmente para um debate interno sobre os limites do pluralismo. Ignorando completamente que o público leitor do jornal é formado por adultos perfeitamente capazes de interpretar textos e desenvolver raciocínio crítico, as alas mais militantes deram um tom orwelliano a alguns momentos do evento:

“jornalistas não devem se sentir obrigados a abrir espaço para o contraditório em nome do equilíbrio”;

“editores devem evitar a publicação de textos com argumentos falsos só porque existem pessoas que pensam assim”;

“deve haver limites à publicação de algumas opiniões, porque jornalistas influenciam as fronteiras do que é ou não uma controvérsia legítima”.

Durante a assembleia digital, também foi recorrente o uso da “falsa equivalência”, falácia que consiste em comparar e nivelar coisas essencialmente distintas. Assim, teses sociológicas foram alçadas à categoria de verdades científicas e parecia que admitir a existência do racismo de negros contra brancos era tão grave quanto não reconhecer que a Terra é redonda.

O motim na redação da Folha é mais um sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório. A comparação entre pontos de vista distintos tende a revelar incoerências, expor inconsistências e trazer à tona realidades incômodas a quem deseja impor sua visão de mundo e de progresso à sociedade. Melhor, para eles, cortar o bem pela raiz lançando mão de expedientes como o patrulhamento, o cancelamento e a censura de ideias, mesmo que isso signifique abandonar a ética da profissão e sucumbir a uma prisão intelectual. Estarão intelectualmente presos, mas emocionalmente seguros… seguros como em uma bolha.


Caio Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim Coppolla, na TV Jovem Pan News e na Rádio Jovem Pan

Leia também “A ditadura do pensamento único”

Caio Coppolla, colunista - Revista Oeste