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quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Vocês estão vendo o que fizeram? - Percival Puggina

Há pouco fui dar uma olhada em quantos artigos escrevi desde maio, ou seja, nos últimos seis meses, tratando do STF e de seu apêndice eleitoral, o TSE. Fiquei surpreso. Foram 44 textos, com abordagens diversas, a atenção atraída para atos e condutas da cúpula do poder judiciário.  
Não se trata de um excesso de artigos, mas da evidência de um protagonismo exagerado, que vazou das bordas, se espalhou e penetrou pelas frestas do poder político e da vida social.
 
O fato de o consórcio da velha imprensa fazer de conta que nada via e estava tudo normal não significa que a sociedade não se informasse através das redes sociais, mesmo estando elas enclausuradas e controladas pelo orwelliano Grande Irmão. 
Essa sociedade que hoje vejo nas ruas e praças pedindo socorro a quem a possa atender, cansou de clamar ao que restasse de sensibilidade e equilíbrio aos ministros do Supremo.  
Cansou de se indignar e apelar, em vão, aos senadores da República. Por fim, a sociedade rezou nas praças pedindo a Deus que comovesse os corações endurecidos, abrisse os olhos e os ouvidos dos que se têm como donos do poder. E foi perdendo a confiança nas instituições.
 
A lamentável democracia brasileira se tornou uma ridicularia, uma caçoada, sem que os senhores o percebessem
Durante quatro anos, com o país dividido, enquanto num lado milhões saíam periodicamente às ruas clamando por liberdade e atenção, o outro se mostrava perfeitamente suprido. 
Pensam que ninguém reparou na plena satisfação de quem bastava entregar petições ao protocolo e olhava para as instituições como um confortável sofá onde só precisava sentar? 
 
Digam, agora, aos caminhoneiros parados e às famílias pedindo socorro que tudo esteve equilibrado e isonômico, que o Brasil é uma democracia, que a liberdade de todos está assegurada e a soberania popular garantida, que o resultado proclamado nos colocou em boas mãos e as loucuras prometidas por Lula não serão cumpridas.  
Digam aos manifestantes que as consciências se regeneraram quando o passado foi apagado. Aquele povo nas ruas, sim, é inocente!  
 Digam-lhe que as instituições funcionarão, que a época dos bloqueios e desmonetizações passou, que o cala boca já morreu e a censura está proibida, que a Constituição voltará a viger, que o ativismo judicial já era, que o direito de propriedade continuará garantido, que a intimidade da vida privada estará preservada e que o Brasil não voltará a ser roubado.  [será que o eleito se tornou honesto?]

Não será possível fazer isso, não é mesmo? Foi o que pensei. Mas é o mínimo que uma sociedade sensata pode esperar das ações do aparelho estatal que ela sustenta para seu serviço.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 


terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

A bolha da Folha - Caio Coppolla [você é racista? se afirmativo teu racismo é preto antibranco ou branco antipreto?

Revista Oeste

Motim na redação progressista é sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório 

Mês passado, 208 jornalistas da Folha de S. Paulo enviaram uma carta de protesto à direção do jornal após a publicação de um artigo de opinião que, supostamente, continha uma opinião impublicável já explícita no título: “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”.
Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock 
 
Reproduzo aqui alguns trechos do texto, de autoria do antropólogo baiano Antonio Risério:

Todo o mundo sabe que existe racismo branco antipreto. Quanto ao racismo preto antibranco, quase ninguém quer saber.”

“Casos desse racismo se sucedem, mas a ordem-unida ideológica manda fingir que nada aconteceu.”

Ataques de negros contra asiáticos, brancos e judeus invalidam a tese de que não existe racismo negro em razão da opressão a que estão submetidos.

“O dogma reza que, como pretos são oprimidos, não dispõem de poder econômico ou político para institucionalizar sua hostilidade antibranca. É uma tolice. Ninguém precisa ter poder para ser racista…”

Mas o racismo é inaceitável em qualquer circunstância. A universidade e a elite midiática, porém, negaceiam.”

Não devemos fazer vistas grossas ao racismo negro, ao mesmo tempo que esquadrinhamos o racismo branco com microscópios implacáveis. O mesmo microscópio deve enquadrar todo e qualquer racismo, venha de onde vier.”

“O neorracismo identitário é exceção ou norma? Infelizmente, penso que é norma. Decorre de premissas fundamentais da própria perspectiva identitária, quando passamos da política da busca da igualdade para a política da afirmação da diferença.

Nota: no intuito de atestar que o texto é, claramente, contrário ao racismo, destacamos algumas frases em negrito — aliás, será que já é politicamente incorreto usar o termo “negrito”? Vai saber… [talvez seja, talvez não; muitos consideram 'denegrir' um termo racista, em que pese que a origem da palavra nada tenha a ver com cor da pele.]

Voltando à polêmica da vez, na sua argumentação, o autor lista uma série chocante de exemplos individuais e coletivos de antissemitismo, discurso de ódio, discriminação e violência de negros contra brancos pelo mundo. A descrição dessa realidade incômoda associada à tese de que o racismo independe da cor do racista e ainda pode ser agravado por ações afirmativas — indignou a redação progressista da Folha, que abraça a doutrina do racismo estrutural como verdade científica e enxerga o mundo dividido em grupos identitários em perpétuo conflito. O resultado é a tal carta, assinada por mais de duas centenas de jornalistas, incluindo os tais signatários anônimos, novidade que, certamente, será incorporada nos abaixo-assinados da esquerda brasileira de agora em diante:

“Nós, jornalistas da Folha aqui subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal” — que mentira. Cabem muitas críticas ao tipo de jornalismo praticado pela Folha, essa não. Por sua vez, o artigo em discussão, além de não ser racista, é antirracista na medida em que denuncia e repudia a discriminação.

O motim na redação da Folha é mais um sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório

A carta segue “reafirmando a obviedade de que racismo reverso não existe”, o que não é uma verdade estabelecida e tampouco óbvia se o conceito de racismo se aplicar — e se aplica! — a qualquer preconceituoso que discrimine outras pessoas em razão da sua etnia. E, como não poderia deixar de ser, a carta termina com lacração: Acreditamos que buscar audiência às expensas da população negra seja incompatível com estar a serviço da democracia” — nada disso! É muito mais plausível que a real intenção do artigo (de quem escreveu e de quem publicou) seja nobre: combater o racismo em todas as suas formas de manifestação e assim servir à democracia.

Segundo apuração de Oeste,os jornalistas [da Folha] decidiram fazer uma assembleia para exigir a demissão do diretor de Redação, Sérgio Dávila. Ou seja, os funcionários exigiram se sentar para negociar com o chefe sua própria permanência no posto.

A exigência da demissão foi uma reação à resposta de Dávila ao levante nos dias anteriores. Ele dissera que a carta era parcial, equivocada e sem fundamentos. Lembrara que boa parte dos missivistas só estava ali justamente porque a Folha decidiu criar novas editorias e lhes dar emprego”.

Ao que consta, os jornalistas amotinados só recuaram diante da promessa de conquistar ainda mais espaço para promover sua visão de mundo e suas opiniões publicáveis.

Com sua maestria habitual para criar narrativas, nesta semana a Folha transformou o motim que pedia a cabeça do diretor de redação em um “exercício de autocrítica” que reuniu 220 jornalistas virtualmente para um debate interno sobre os limites do pluralismo. Ignorando completamente que o público leitor do jornal é formado por adultos perfeitamente capazes de interpretar textos e desenvolver raciocínio crítico, as alas mais militantes deram um tom orwelliano a alguns momentos do evento:

“jornalistas não devem se sentir obrigados a abrir espaço para o contraditório em nome do equilíbrio”;

“editores devem evitar a publicação de textos com argumentos falsos só porque existem pessoas que pensam assim”;

“deve haver limites à publicação de algumas opiniões, porque jornalistas influenciam as fronteiras do que é ou não uma controvérsia legítima”.

Durante a assembleia digital, também foi recorrente o uso da “falsa equivalência”, falácia que consiste em comparar e nivelar coisas essencialmente distintas. Assim, teses sociológicas foram alçadas à categoria de verdades científicas e parecia que admitir a existência do racismo de negros contra brancos era tão grave quanto não reconhecer que a Terra é redonda.

O motim na redação da Folha é mais um sintoma da repulsa do jornalismo militante pelo contraditório. A comparação entre pontos de vista distintos tende a revelar incoerências, expor inconsistências e trazer à tona realidades incômodas a quem deseja impor sua visão de mundo e de progresso à sociedade. Melhor, para eles, cortar o bem pela raiz lançando mão de expedientes como o patrulhamento, o cancelamento e a censura de ideias, mesmo que isso signifique abandonar a ética da profissão e sucumbir a uma prisão intelectual. Estarão intelectualmente presos, mas emocionalmente seguros… seguros como em uma bolha.


Caio Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim Coppolla, na TV Jovem Pan News e na Rádio Jovem Pan

Leia também “A ditadura do pensamento único”

Caio Coppolla, colunista - Revista Oeste

 


domingo, 5 de setembro de 2021

UM PEQUENO DISCURSO DE DESPREZO À TIRANIA - Valterlucio Bessa Campelo

Não trata o atual debate público brasileiro, como podem pensar apressadamente alguns tolos e cretinos, de mera disputa entre personalidades, estilos de governo ou sequer entre projetos sociais e econômicos díspares. 
Mas de uma luta que se replica no mundo inteiro, opondo as pessoas que se sentem e se pretendem livres e aquelas que apenas cedem ou, por sua ideologia malsã, oferecem o pescoço à coleira apresentada pelos poderosos promotores de uma nova ordem.  A peste chinesa serve, neste sentido, de plataforma para que determinadas autoridades desatem suas vocações autoritárias, e imponham sobre o cidadão um poder que não lhes foi conferido pelo voto ou pela Lei. 
 
Vivemos um mundo distópico que exige, como reação de cada homem e mulher livre, muito mais que indignadas mensagens de celular, “lives” diárias, ou sábias análises em sites de notícias. 
Não podemos perder sem verdadeiramente lutar, nos render ao totalitarismo sem enfrentá-lo com toda força e tirar-lhes a máscara que encobre sua face sórdida. 
Devemos, pela liberdade, ir às ruas e, direta ou indiretamente, por qualquer via, mandar para o esgoto as tentações despóticas de quem quer que seja.
 
Presenciamos um momento “Orwelliano” da vida nacional, de controle da verdade, de censura de nossas opiniões e de punição liminar de quem não entra no “supremo bonde progressista”. 
Nesta quadra tenebrosa em que pairam sobre todos nós a insegurança, a dúvida e o medo, provocados por inúmeras e poderosas investidas sobre o direito à livre expressão, é necessário que declaremos o nosso mais profundo desprezo a toda espécie de tirania. Indico:
- A dos políticos, dos que pedem e recebem do povo a confiança para que atuem em sua defesa, governem e legislem em seu benefício, mas cuidam somente de suas próprias famílias, seus negócios e ideologias, algumas tão funestas quanto totalitárias, desprezando a liberdade.
- A dos juízes, daqueles que por décadas se dedicam laboriosamente ao Direito, mas quando alcançam o alto da escadaria, acomodam-se em tronos eternos, apropriam-se da verdade, escolhem na balança sempre o lado do coração e decidem com desprezo à liberdade.
- A da ciência, dos cientistas endeusados em altares de falsos consensos sobre temas globais, atribuindo às próprias conclusões caráter irrefutável, negando o questionamento mais elementar, fazendo-se desse modo anti-ciência e desprezando a liberdade.
- A do dinheiro, de todos os que alcançando grande riqueza, apoderam-se do Estado, corrompem seus agentes em todas as esferas, descumprem as leis, impõem criminosamente seus interesses, destroem sem critérios os bens naturais, dão como invisíveis os pobres e desvalidos, edesprezam a liberdade.
- A do ensino, dos professores e alunos que dançam a música do saber nas universidades, como esponja absorvem doutrinas, teorias e pesquisas,
olham com lupa para o passado e o presente, aprendem sobre governos totalitários e, mesmo assim, desprezam a liberdade.
- A dos advogados, daqueles que juram solenemente “defender a liberdade, pois sem ela não há justiça”, mas atraídos pelas chances de enriquecimento e poder, traem seu juramento, vendem suas convicções, aliam-se aos corruptos, sustentam suas baixezas e desprezam a liberdade.
- A dos clérigos sacripantas, daqueles que em nome de Deus prometem abrir-nos o caminho da fé e guiar-nos no percurso do bem, mas não resistindo ao reluzir do ouro ou à fama, transmutam-se em mercadores ou reles ideologizadores, em desprezo à liberdade.
- A da imprensa, dos seus editores, jornalistas, analistas e de todos aqueles que no exercício da comunicação renunciam ao seu papel crucial na democracia, e transformam a informação em meio para achaques, chantagens, perseguição e manipulação em desprezo à liberdade.
- A da cultura, dos artistas e intelectuais que sabendo do infinito valor da beleza, das letras e de todas as artes, se deixam levar pela ambição e narcisismo, algemam-se ao “politicamente correto”, e põem-se vulgarmente em desprezo à liberdade.

Em certo trecho (Cap. 58), o grandíssimo Miguel de Cervantes Saavedra diz em sua obra prima “Dom Quixote”, de 1605; “A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que aos homens deram os céus; com ela não podem igualar-se os tesouros que encerra a terra nem que o mar encobre; pela liberdade assim como pela honra pode-se aventurar a vida, e, pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pode vir aos homens”.

Nada pode ser mais importante que a liberdade. Com ela, lutamos, ainda que em desvantagem; nos expressamos, ainda que sejamos incertos; vivemos, ainda que surjam moléstias; doamos, ainda que tenhamos pouco; seguimos, ainda que possamos cair; servimos, ainda que estejamos fracos; aprendemos, ainda que se torne difícil; crescemos, ainda que fique tardio e penoso.
 
Às ruas!


Valterlucio Bessa Campelo escreve ensaios, crônicas e contos eventualmente em seu BLOG e é colaborador do site Conservadores e Liberais.