Quando a gente topa com
um mesmo obstáculo no curto, médio e longo prazo, bem, esse é o
problema principal. No caso brasileiro hoje, trata-se da deterioração das contas
públicas.
No curto prazo, o
governo federal está com dificuldade para fechar as contas do mês. A receita é
sempre menor que a esperada e a despesa cresce mesmo com os cortes já
aplicados. Para o ano, e já estamos em agosto, o resultado primário -
receitas menos despesas antes do pagamento de juros - pode variar de um
superávit de R$ 8,7 bilhões a um déficit de R$ 17,7 bilhões. De fraco a muito
ruim.
Os 8,7 bi são a meta
ajustada, quer dizer, reduzida para este ano. Mas só será
alcançada: 1) se a Receita Federal
arrecadar R$ 10 bilhões com um programa tipo-anistia, que oferece vantagem para
o contribuinte que desistir de um litígio na Justiça, admitir o débito e pagar;
2) se brasileiros que
remeteram dinheiro para o exterior sem declarar trouxerem de volta R$ 10
bilhões, pagando taxa
única de 35% para, digamos, "oficializar" os recursos; 3) se privatizações de obras de infraestrutura renderem R$ 5 bilhões.
É muito "se". No primeiro caso, vai depender da
capacidade financeira de grandes contribuintes. Mas o próprio ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, tem dito que a arrecadação está caindo porque as
empresas estão adiando ao máximo o pagamento de impostos. Preferem fazer
caixa.
O segundo "se"
depende do Congresso Nacional, que não tem sido propriamente amistoso com os
projetos da presidente Dilma. É preciso votar a legislação estabelecendo as
regras de repatriação e de utilização do dinheiro eventualmente obtido.
O terceiro
"se" depende da eficiência do governo federal na realização de
leilões. Só um exemplo: estudos de viabilidade econômica para a concessão da “Rodovia
dos Frangos”, entre Santa Catarina e Paraná, estimam que o PIB crescerá no
mínimo 1,5% neste ano. O próprio governo espera hoje uma recessão de 1,5%. Como pode um erro
assim num item essencial para se calcular o valor do pedágio? Simples: os
estudos são do final do ano passado e não foram atualizados quando da colocação
em audiência pública. Se tudo der certo, ou seja, se contribuintes,
investidores e Congresso se comportarem como espera o governo, então se terá um
superávit primário de R$ 8,7 bilhões, positivo, mas contra a meta
inicial de R$ 66 bilhões. Foi por isso que a agência Moody`s
rebaixou a nota do Brasil no último dia 11: o estado das contas públicas era
pior que o esperado e deteriorou-se muito rapidamente, enquanto caíam a
popularidade e a capacidade do governo Dilma aplicar suas políticas.
O que nos leva ao
médio prazo. Reparem: houve grande alívio nos meios econômicos e nos mercados
financeiros com o rebaixamento da nota. O pessoal esperava coisa pior: uma queda
de dois degraus, perdendo o grau de investimento, ou o rebaixamento com perspectiva
negativa.
Com apenas degrau
abaixo e perspectiva estável, ficou menos ruim. Por alguns meses, a
agência manterá o país como grau de investimento, enquanto espera o
andamento da crise política e os eventuais efeitos daqueles três "se".
De novo, mesmo que
dê certo neste ano e no próximo - e aqui já estamos no longo prazo, longo
para os padrões de crise - as contas públicas
seguirão piorando num quesito básico. A dívida bruta, que era de 53% do PIB ainda em 2013,
entrou numa escalada de alta desde o ano passado e pode ultrapassar os 70% do
PIB já em 2017. Isso porque a economia feita para o pagamento de juros não será
suficiente, de modo que a cada ano será preciso emitir dívida nova para
financiar dívida antiga. Nenhum país com grau de investimento tem esse
endividamento.
Na terça-feira à
noite,
quando soube do rebaixamento da nota, o ministro Levy fez um breve comentário
que pode ser assim resumido: eu não disse? Estou avisando... Mas
parece que Levy é a única pessoa em Brasília que acredita nisso, que a situação
das contas públicas é muito grave e requer ações fortes e rápidas. Em resumo,
não é com as tais agendas positivas que isso será encaminhado. Muito menos com aqueles
fantásticos planos de investimentos que a presidente Dilma adora lançar, garantindo que a
crise é pequena e passageira.
Não é só a
presidente que parece alheia ao perigo. No seu relatório, a Moody’s nota que um
grande obstáculo está na falta de consenso político em torno do ajuste fiscal. Verdade. Basta
verificar a quantidade de propostas de aumento de gastos que circulam no
Congresso.
Dizem que a sociedade brasileira só reage no limite. Bem, estamos no limite.