Luís Cláudio depõe na Polícia Federal e
diz que dinheiro que recebeu de escritório de lobby se deve a serviços
prestados. Então
vamos pensar!
Eu ainda não sei que diabo de serviço
a LFT, empresa de marketing esportivo que pertence a
Luís Cláudio Lula da Silva — filho de Luiz Inácio — prestou ao escritório de
lobby Marcondes & Mautoni, que é, na
verdade, uma microempresa. O fato de eu não saber, e ninguém sabe, não quer dizer que seja
crime, claro! Quando,
no entanto, a empresa é
investigada por compra de uma Medida Provisória que interessava ao setor
automotivo — e o tal escritório atua nessa área — assinada pelo pai do dono da
LFT, aí é evidente que o assunto ganha relevância.
Luís Cláudio prestou depoimento à Polícia Federal nesta quarta.
Confirmou ter recebido R$ 2,4 milhões da
Marcondes & Mautoni, assegurou ter prestado o serviço e negou a
existência de vínculos com a MP. Pois é…
Vai saber, não é? Por alguma razão, um
escritório de lobby, que atua para emplacar uma Medida Provisória, precisa dos serviços de marketing esportivo e, na hora de contratar
um especialista, topa justamente com o
filho daquele que assinou a MP. Acontece… Aliás, o petismo é o reino das coincidências. E, por isso mesmo, as
histórias por ali nunca são convencionais.
A vida financeira de Lula,
como sindicalista e membro do PT, nunca
foi exatamente convencional, não é mesmo? Há muito tempo o homem é visto como um ente superior, a quem são
permitidas extravagâncias. Num passado já remoto, morava de graça na casa de um compadre rico — e isso parecia normal. O mesmo compadre rico é hoje o dono do apartamento onde mora Luís
Cláudio, avaliado em R$ 1,2 milhão. O imóvel foi comprado de uma offshore cujo representante no
Brasil é casado com uma empresária com sólidos interesses na Prefeitura de São
Bernardo.
O dono da LFT é modesto
perto de Fábio Luiz, o Lulinha, seu irmão mais famoso. Também
este mora num apartamento que pertence a um amigo, e a papa que come o
primogênito já é mais fina: o imóvel
está avaliado em R$ 6 milhões. Sorte de Lulinha ter
outro amigo rico e generoso, que também é dono de um
sítio que a OAS reformou para, digamos, o usufruto de
Lulão, o pai de todos.
Confesso que há muito
tempo o jeito Lula de ver o mundo me incomoda. Na década de 80, quando a
Apeoesp, já sob
o comando do PT, comandava greves de professores da rede pública — um bolsão de militância ativa do partido —, Lulinha foi estudar numa escola privada em Santo André, que os petistas
chamariam de “elite”. Tinha, claro!, uma bolsa de estudos. Sei porque dava aula lá — não fui professor
dele. Mas já estava claro que o “companheiro-chefe” tinha um jeito muito particular de ver o mundo.
Em certo aspecto, reconheço
que não deve ser fácil ser filho de Lula, não é mesmo? Desde muito jovens,
seus rebentos tiveram de conviver com um pai-celebridade, fazendo política o
tempo inteiro, articulando a chegada ao poder e tal. Onde quer que estivessem,
lá estavam “os filhos de Lula” e
coisa e tal. Deve ser, inclusive, muito chato. Por razões que nem preciso
explicar, melhor ter pais anônimos.
Parece, no entanto, que,
na esfera psicológica, os rapazes até se saíram bem. Não tentaram, e não acho
que vá acontecer, seguir a carreira política. Também não se tornaram —
e vimos isso em outros países
— notórios farristas e playboys. A vida da família é relativamente discreta no que respeita
ao noticiário.
Mas, na esfera financeira,
tsc, tsc, tsc. Aí parece que existe mesmo um modelo a ser seguido. E é o do pai. E, vamos convir, não é nada bom. A estreia de Lulinha no mundo dos negócios, recebendo uma dinheirama de
uma telefônica na sua Gamecorp, logo no início do primeiro mandato do pai, já indicava que o clã
tinha mesmo uma leitura muito particular sobre a distinção entre o público e o
privado.
Vá lá. Luís Cláudio abriu
uma empresa de marketing esportivo e não pode deixar de ser filho de quem é?
Paciência! Se, em razão disso, conquistar alguns clientes — desde que não envolva troca de favores com
dinheiro público —, melhor pra ele. Mas, com tantas empresas no país a quem oferecer seu
talento, tinha de ser justamente à tal Marcondes & Mautoni, com o histórico e com as
vinculações que tem?
O pior traço da renitente
herança patrimonialista brasileira, sabemos todos, é a cultura do privilégio que não se sustenta no
mérito, mas na fidalguia, com todas as deformações sociais e políticas que isso enseja: do “sabe com quem está falando?” à impunidade propriamente.
Lula poderia, em razão da
confiança que milhões depositaram nele, ter contribuído para mudar essa escrita. Mas ele não só preservou, no
ambiente público, os piores vícios do velho patrimonialismo — compondo, inclusive, com
este — como se tornou usuário
privado, desses vícios, tornados, tudo indica, uma herança. Para o seu próprio bem e o dos seus. E para o mal do país.
Como sempre foi.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo