O homem com quem procurador sela acordo era, nas suas próprias palavras, há um ano, “uma pessoa que tem o crime como modus vivendi (meio de vida), que já foi beneficiado com a colaboração premiada no mensalão e, no entanto, prosseguiu delinquindo”
Ai, ai, vamos lá.
Já está com o ministro Edson Fachin o
acordo de delação premiada que Lúcio Funaro fechou com Rodrigo Janot,
procurador-geral da República. Como vocês devem se lembrar, Janot abriu
uma espécie de concorrência entre o dito “operador” e o ex-deputado
Eduardo Cunha. Quem dissesse a coisa mais interessante — e o interesse
único, está claro, era e é, nesse caso, atingir Michel Temer — levaria o
prêmio, o galardão. Parece que Funaro venceu essa espécie de licitação,
que pode ser tudo, menos moral.
É claro que eles poderiam nos
surpreender. Mas não vão. Fachin deve homologar a delação e, assim, mais
um bandido, condenado a mais de 15 anos de cadeia, vai ficar na mamata.
O ministro precisa correr. E ele correrá. Homologada a delação, Janot
deve, então, entregar a nova denúncia contra o presidente Michel Temer.
E, bem, não se deve esperar muito pudor nessa história toda, né?
O Jornal Nacional de segunda-feira, diga-se, foi um bom exemplo do estado das artes. Em cinco minutos, entre 33min09s e 38min09, nome e cargo — “Rodrigo Janot, procurador-geral da República” —
foram citados cinco vezes. Encadearam-se quatro notícias que tinham o
homem como protagonista: denúncia contra Romero Jucá, denúncia contra
Renan Calheiros, autorização do STF para investigar uma acusação contra
José Serra e, finalmente, a presença “dele” no Globo, num seminário
contra corrupção. A gente chega a notar um certo esforço técnico dos
apresentadores para repetir o nome com entonações diversas.
Uma nota: antes disso tudo,
noticiaram-se algumas coisas sobre o governo. Sabem quem falou com
otimismo sobre a economia? Não foi o presidente Michel Temer, é claro!
Foi ao ar a fala do ministro Henrique Meirelles (Fazenda). Temer só
voltaria a ser lembrado na última notícia sobre o Grande Janot. Já vamos
ver em quais circunstâncias. Não descarto aprender alguma coisa com
procedimentos assim tão inovadores.
Muito bem. Depois de participar do
seminário, o procurador-geral concedeu uma rápida entrevista. A repórter
da Globo quis saber: “O senhor deve, sim, apresentar uma nova denúncia contra o presidente Michel Temer?” Fiquei em dúvida se cabe aí um ponto de interrogação. E o Ameaçador-Geral da República respondeu: “O
Ministério Público não fala o que vai fazer. O Ministério Público faz e
depois, se houver dúvida, explica por que o fez. O que eu posso dizer é
que não deixo de praticar ato de ofício em razão de estarem faltando 20
dias para terminar meu mandato”.
Observo, de saída, ao analisar a fala,
que apresentar uma “denúncia” é uma das funções do procurador, é uma de
suas prerrogativas. Sim, quando o fizer, ele o fará por meio de um “ato
de ofício”. E se não apresentar? Estará, então, prevaricando? É claro
que não! Há uma diferença gigantesca entre um procurador-geral poder
apresentar uma denúncia, que se expressa por ato de ofício, e ter de
apresentar uma denúncia. E é um pouco constrangedor ter de lembrar isso.
Adiante.
Se vocês clicarem aqui,
poderão ler a integra da decisão do então ministro Teori Zavascki, que
mandou prender Lúcio Funaro, a pedido de… Rodrigo Janot. Como é praxe
nesses casos, Zavascki repete os termos da petição do procurador. Sobre o
mais novo herói com o qual fez acordo, escreveu Janot há pouco mais de
um ano:
– “Cuida-se de verdadeira traição ao voto de confiança dado a ele pela Justiça brasileira”;
– [Funaro] é “uma pessoa que tem o crime como modus vivendi (meio de
vida), que já foi beneficiado com a colaboração premiada no mensalão e,
no entanto, prosseguiu delinquindo”;– [Funaro é dado a ] “práticas reiteradas e habituais de crimes graves, sem qualquer freio inibitório, [que] colocam em risco, concretamente, a ordem pública”;
– “Ademais, a ousadia de Funaro é conhecida no meio em que circula e ficaram ainda mais evidentes no episódio (…) em que ameaçou de morte um idoso de mais de oitenta anos (Milton Schahin) em razão de disputa econômica. Ora, se Funaro é capaz de ameaçar de morte um ancião em razão de disputas comerciais, não há dúvidas de que não se rogará a prejudicar a investigação sobre os fatos que o incriminam”.
O procurador-geral lembrou ainda que Funaro ameaçou botar fogo na casa de um desafeto “com as crianças dentro”. Pois é… O “operador” fechou o acordo de
delação há alguns dias. O que quer que tenha dito a Janot sobre Michel
Temer ou qualquer outro não passou por nenhuma apuração. Mas sabem como
é… O homem ainda tem 18 dias para brincar com suas flechas de bambu…
Se a sua delação não foi monotemática —
atingir apenas Temer —, outras figuras da República, muito especialmente
do PMDB, devem estar no cardápio. Também elas serão alvos de denúncias?
Ousaria dizer que não. Temer virou a obsessão de Janot. Janot, que demonstrou não saber
exatamente o que é um ato de ofício, quer que acreditemos que ele tem a
obrigação funcional de denunciar o presidente da República, escorando-se
num tipo como Lúcio Funaro.
Será que, quando eu descobrir o “verdadeiro jornalismo” isento, também aplaudirei um tipo como… Janot?
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo